Da Redação
O dia 7 de dezembro de 1965 marcou um
momento histórico na trajetória da Igreja Católica com a promulgação da
declaração Dignitatis Humanae pelo Papa Paulo VI. Este documento, considerado
um dos marcos do Concílio Vaticano II, estabeleceu a defesa da liberdade
religiosa como um direito fundamental, reconhecendo a dignidade da consciência
humana e a necessidade de respeitar a autonomia individual nas escolhas
religiosas. Este gesto não foi apenas um movimento teológico, mas também um
sinal de mudança no relacionamento da Igreja com os ideais liberais que, por
séculos, ela havia condenado em documentos como a Quanta Cura e o Syllabus
Errorum.
A
Virada Ideológica da Igreja
Durante séculos, a Igreja Católica se
posicionou como uma adversária declarada do Liberalismo. Documentos como a
encíclica Mirari Vos (1832) e o Syllabus Errorum (1864) rejeitaram
vigorosamente as chamadas "liberdades modernas" – liberdade de
pensamento, de imprensa, e especialmente a liberdade religiosa. Para a Igreja,
esses conceitos colocavam em risco a ordem social e a autoridade divina,
promovendo uma suposta anarquia espiritual e moral. Esse embate histórico teve
como um dos seus alvos mais explícitos a Maçonaria, que desde suas origens no
Iluminismo abraçou o Liberalismo como um pilar fundamental.
A Maçonaria, identificada como
"Deísmo organizado" por seus detratores, sustentou que a Razão é a verdadeira
guia da vida humana. Para os maçons, as liberdades individuais eram essenciais
para o florescimento do potencial humano concedido pelo Supremo Arquiteto do
Universo. Essa visão contrastava fortemente com a Igreja, que acusava o
Liberalismo de afastar os homens da fé e de fomentar a irreligiosidade.
No entanto, Dignitatis Humanae sinalizou
uma ruptura com essa tradição de condenação. O documento passou a reconhecer
que a liberdade religiosa não era apenas um direito civil, mas também uma
expressão da dignidade intrínseca de cada ser humano. Embora a Igreja
mantivesse sua doutrina como caminho da verdade, ela agora defendia que ninguém
deveria ser coagido a seguir uma crença ou prática religiosa contra sua
vontade.
Maçonaria
e as Liberdades Modernas
A defesa das liberdades modernas é uma
bandeira histórica da Maçonaria. Para os maçons, a liberdade de pensamento, de
expressão e de crença são condições indispensáveis para o desenvolvimento
humano e social. Desde o Iluminismo, a Ordem Maçônica advogou por uma sociedade
baseada no raciocínio, no questionamento e na busca incessante pela verdade –
elementos que, segundo a visão maçônica, se opõem às trevas da superstição e do
dogmatismo.
Esse compromisso da Maçonaria com o
Liberalismo frequentemente a colocou em confronto direto com a Igreja Católica.
As excomunhões, perseguições e campanhas antimaçônicas foram tentativas de
frear o avanço das ideias liberais que a Maçonaria promovia. Entretanto, o
reconhecimento parcial desses princípios pela Igreja em Dignitatis Humanae
representa uma convergência tardia entre duas instituições historicamente
rivais.
Reflexões
sobre a Convergência Tardia
A assinatura e promulgação de Dignitatis
Humanae podem ser vistas como um reconhecimento da força das ideias liberais
que moldaram o mundo moderno. Embora a Igreja tenha demorado séculos para
aceitar os princípios defendidos pela Maçonaria, sua mudança de postura reflete
uma adaptação às transformações sociais, culturais e filosóficas do século XX.
Em um mundo cada vez mais plural e globalizado, a liberdade religiosa tornou-se
um valor indispensável para garantir a convivência pacífica entre diferentes
crenças.
Essa mudança não elimina os atritos
históricos entre a Igreja Católica e a Maçonaria, mas abre espaço para um
diálogo mais construtivo. Ambas as instituições, embora por caminhos distintos,
podem colaborar para promover a dignidade humana e a liberdade, elementos
centrais de qualquer sociedade justa e iluminada.
A declaração Dignitatis Humanae
simboliza a reconciliação da Igreja Católica com princípios que, por séculos,
foram aclamados pela Maçonaria como essenciais à plenitude do espírito humano.
Este episódio histórico reforça a importância do diálogo, da adaptação e do
reconhecimento da Razão como um instrumento poderoso para guiar a humanidade em
direção a uma convivência harmoniosa e fundamentada no respeito mútuo. A
Maçonaria, firme em sua defesa das liberdades modernas, pode se considerar uma
precursora desses ideais agora oficialmente acolhidos pela Igreja, ainda que
com séculos de atraso.
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