Por Ir.'. Anestor Porfírio da Silva
As ruínas da abadia de Kilwinning |
Num
ponto afastado no tempo e num lugar distante, acha-se sepultado um acontecimento
que o passar dos séculos, lentamente e de forma implacável, cuidou de encobrir deixando
para os nossos dias apenas incertezas quanto à data em que efetivamente teria ocorrido
o nascimento da maçonaria.
O
ponto no tempo é o ano de 1.140; a região, a da antiga Caledônia (hoje Escócia);
e o lugar, a Abadia de Kilwinning onde se supõe ter surgido a primeira célula
da Ordem Maçônica, aquela que ainda poderia estar sendo reconhecida como a Loja
Mãe da maçonaria universal o que se deu por longos anos, mas que hoje não mais
se confirma unicamente pela ausência de provas materiais. Sua existência não
teria sido efêmera, mas pelo período de alguns séculos, o bastante para servir
de marco inicial de uma nova tomada de consciência entre os homens de bons
costumes.
Aquela
Oficina, cuja existência encontra-se mergulhada entre a dúvida e a certeza,
teria saído de cena e adormecido em completo esquecimento não fosse uma
possibilidade remota que se apresenta como via capaz de eliminar as inconsequências
geradas em torno de si no transcurso dos anos, por isso, não descartada, dada a
sua persistência em não se esvair como desafio irremovível à própria história
da Ordem Maçônica. Diante de hipóteses que podem retratar o fato, e se isto estiver
mesmo dando conta da verdade, teria sido ela uma similitude da árvore do bem,
que nasceu, cresceu, floresceu, deu bons frutos e que, antes de morrer, teria
deixado as sementes que haveriam de garantir a continuidade e a proliferação de
sua própria espécie como adiante se verá.
Entretanto,
a condição que vinha sendo mantida de Loja mais antiga da maçonaria ficou insustentável
a partir do momento em que a história da mencionada instituição passou a ser construída
baseando-se em novos critérios dentre eles o de reconhecer como verdadeiros
apenas os fatos cujas proposições se fundamentassem na existência de algo
corpóreo, físico, de caráter probante que não deixasse dúvidas sobre a
veracidade das respectivas ilações e não mais nas versões dúbias em relação à
verdade, como as presunções, as suposições, as lendas etc...
Segundo
afirmam os historiadores, a Escócia teria surgido no século I com a ocupação do
antigo território da Caledônia situado ao norte da maior ilha britânica e que,
ao ser invadido pelos romanos, passou a denominar-se Britânia. Esse fato,
porém, da maneira como é narrado, contradiz a tradição local que afirma ter a
Escócia nascido no ano de 843 quando Kenneth McAlpin tornou-se rei das duas
únicas tribos, lá, até então existentes: a dos pictos e a dos escotos.
O
feudalismo era o sistema social adotado na região e durou até por volta do ano
de1789. Há indícios de que aquela extensão insular tenha sido habitada há mais
de dez mil anos.
No
início, quando os pesquisadores começaram a montar o quebra-cabeça para se descobrir
onde a maçonaria teria surgido, acreditou-se que tal fato se relacionasse diretamente
com a criação da Loja de Kilwinning no já mencionado ano, o que a levou a ser
considerada por longo tempo como Loja Mãe. Seu funcionamento teria ocorrido com
anuência de alguns monges em instalações precárias contíguas às dependências
(ou mesmo, nessas ditas dependências) do mosteiro da aldeia de Kilwinning,
construído por uma ordem religiosa cuja sede era na província de Tyronesian
(Escócia). Séculos mais tarde, dúvidas foram sendo alimentadas em torno dessa questão
e não demorou muito para que os historiadores se convencessem de que o caso não
passava de lenda. Daí em diante, sua condição de Loja Mãe foi desconsiderada.
Também a sua existência deixou de ser levada em conta ante a obscuridade que
envolve todo o período em que, supostamente, a dita loja pudesse ter funcionado
em local onde só restaram escombros de uma edificação muito antiga, sem
evidências concretas de quem foram, por acaso, seus fundadores, sem nenhum
registro, sem atas, sem carta de fundação, sem constituição, enfim, sem qualquer
elemento de valor probante quanto ao marco inicial de suas atividades, bem como
quanto à data do abatimento de suas colunas.
A
Abadia de Kilwinning está situada no reduto de Cuninngham e, quando do término
de sua construção, os já referidos monges ocuparam-na e lá permaneceram até a
sua desativação, o que deve ter ocorrido após o século XVIII, possivelmente,
por força de revoluções políticas, perseguições religiosas, ou mesmo por
reformas naturais decorrentes das transformações sociais que se tornaram
inevitáveis ante a evolução e o progresso da região. Ao seu lado, permaneceu abandonada
por muito tempo uma área vazia coberta por escombros e, a poucos metros dessa área,
foi edificada uma obra onde até hoje funciona a Kilwinning Lodge. Há séculos
atrás, esta loja reivindicou para si o reconhecimento de Loja Mãe de todas as
outras sob a alegação de ser ela a mesma que em época anterior teria funcionado
ali bem próximo, a trinta metros de distância e cujas instalações acabaram em
ruínas. Todavia, a perda dos registros (atas) que poderiam comprovar sua
existência entre os anos de 1.140 e 1.642, documentos que mostrariam muito bem
ser ela a loja maçônica mais antiga do mundo, foi algo muito lastimável em
relação à verdade. Desta feita, o reconhecimento de loja mais velha do mundo é
atribuído à Lodge of Edinburgh, também na Escócia por ser, até aqui, a
detentora do documento mais antigo, datado de 31/07/1599, sobre a existência da
maçonaria. Entretanto, um fato é
inegável, ou seja, o da existência já no ano de 1.140, na Escócia, das
categorias profissionais que deram origem às associações corporativas surgidas
na antiguidade, segundo se supõe, entre os mercadores e construtores das
cidades com mais de dez mil habitantes, na Grécia, em Paris, em Roma, no Egito,
entre os povos da bacia do mar Mediterrâneo etc..
Mais
tarde, no transcorrer dos séculos XIII e XIV, tais categorias profissionais
teriam se fortalecido no território escocês com inúmeros membros de uma
organização secreta que para lá imigraram tangidos pelo receio de serem
capturados e julgados pelo temível tribunal da Inquisição, do qual já tinham
sido vítimas quatro de seus mais importantes líderes executados no ano de
1.314, em Paris, após condenação injusta. Dentre esses executados estava
Jacques de Molay, o último Grão Mestre da referida organização que era
conhecida, além de outras denominações, como Ordem dos Cavaleiros Templários.
Essa organização adotava rituais (inclusive de iniciação) oriundos de crenças
egípcias que foram levados para a região de Kilwinning pelos ditos imigrantes. Tempos
depois, esse material, juntamente com os de outras organizações da época como
ordens religiosas, ordens místicas, ordens cristãs, confrarias, associações de
classes profissionais, seitas em geral, astronomia, ao que tudo indica, teria
sido apreciado e servido de fonte inspiradora para o surgimento do ritual que
deu origem ao Rito Escocês Antigo e Aceito, hoje, largamente difundido.
Como
se observa, a imigração dos templários para a Escócia ocorreu antes de l.599,
ano considerado como o do surgimento, de forma comprovada documentalmente, da
primeira loja maçônica, em Edimburgo. Sobre essa afirmativa também pairam
dúvidas ao se levar em conta, mais do que a imigração dos templários, uma idéia
até certo ponto plausível, baseada em coincidências entre alguns fatos
ocorridos em época anterior ao ano acima mencionado, o que contra-argumenta a
conclusão histórica acima e coloca frente a frente lenda e verdade, aumentando,
assim, as incertezas sobre o passado sombrio daquela área anexa à Abadia de
Kilwinning, em cujo espaço, escombros de uma instalação antiga se transformaram
em enigma indecifrável.
Na
Escócia, até então, pouco se falava em construções de obras como as grandes catedrais
e castelos, mas era uma região onde viviam mercadores, construtores, pedreiros,
lapidadores, artesãos, artífices etc., que faziam dessas profissões o seu meio
de vida, embora tivessem pouca força representativa. Além disso, outras
evidências se direcionam no sentido de que aquela loja pudesse, de fato, ter
existido e uma delas é a crença da maçonaria local que há séculos vem dando
como procedente essa afirmativa, por cuja razão ainda há quem a considere na
posição de mais antiga do mundo e admite que possa ter sido ela a primeira a
iniciar, antes do ano de 1.717, candidatos não pertencentes à classe dos
construtores e pedreiros livres, mas que se destacavam por suas posições na
sociedade.
Enfim,
é certo que a verdade só se torna indiscutível mediante prova, porém, a
ausência deste requisito, ainda que absoluta não nega a ocorrência do fato. É,
pois, justamente por este motivo, o de “a ausência da prova não negar o fato,”
que crenças e indícios marcantes continuam apontando a aldeia de Kilwinning
como o berço onde teria surgido, funcionado ainda na fase operativa e perecido alguns
séculos depois, a loja mais antiga. Foi daí, da força dos suportes basilares de
uma crença alimentada há séculos pela maçonaria do mencionado lugar, que surgiu
a idéia de lhe atribuírem a distinção de Loja Mãe, com a qual foi reconhecida
ao longo de boa parte da história da maçonaria na Escócia. Associa-se ainda a
tais argumentos, o fato de, depois de vários séculos, não se ter encontrado
melhor forma explicativa de como e quando a maçonaria teria surgido naquele
local e, mais ainda, como conseguiu se expandir às povoações circunvizinhas
entre os anos de 1.140 e 1.642.
Se
essa probabilidade contiver a certeza do fato aqui exposto, em torno do qual se
avolumaram tantas contradições é sabido que dele nada restou senão crenças,
evidências e fragmentos que há séculos atrás poderiam ter servido de leme para
se traçar segura rota em direção à verdade, mas, hoje em dia, há que se admitir
terem tornado tais evidências e fragmentos quase inservíveis a esse fim, porém
não descartados de uma vez por todas como se nada tivessem a ver com o problema
em foco. O que ainda é possível observar nessas trilhas em relação à verdade é
a coerência entre alguns fatos históricos ligando uma coisa à outra. Isso
continua lhes preservando certa dose de credibilidade que pode ser aferida se
comparado o que lhes restou de valor com a importância da claridade de uma
tênue luz que tenta inutilmente afastar a escuridão no final do túnel. Essas
evidências, nos tempos atuais, já se tornaram inexpressivas, quase apagadas,
mas ainda não deram o último suspiro, pois continuam alimentando dúvidas sobre
o que afirmam os registros históricos em relação às origens da maçonaria.
Nesses registros a aldeia de Kilwinning não aparece mais como o local onde, por
muito tempo se acreditou, ter surgido a primeira loja do mundo, isto porque,
para a história da maçonaria, o fato só não se confirmou unicamente por falta
de provas materiais, ou seja, por conta de uma possível verdade transformada em
mistério desde o momento em que um elo foi rompido sem antes deixar claro que
espécie de instalação e a que fim teria se destinado a obra desfeita pelo
tempo, cujos vestígios permaneceram visíveis, não se sabe até quando, numa área
ao lado do mosteiro da mencionada aldeia.
Diante
dessas e outras dúvidas não se pode então afirmar, nem tão pouco descartar a possibilidade
de tais escombros serem o que teria sobrado de uma loja maçônica, daí
concluir-se que a já referida área guarda mesmo um inviolável segredo acerca
dos desígnios para os quais a obra lá edificada teria se destinado, se ao
funcionamento de uma loja ou se ao proveito de outra atividade qualquer.
O
fato é que todo esse imbróglio que está a envolver a existência da Loja de
Kilwinning coloca-a entre a lenda e a verdade, dificultando chegar-se à certeza
do lugar onde efetivamente se deu a prática dos primeiros trabalhos
ritualísticos com características Maçônicas. No caso da verdade, dir-se-ia que
a loja em questão poderia estar ocupando o lugar número um na lista das lojas
mais antigas e sendo reconhecida como a fonte primária de um legado que não
ficou sepultado em meio àqueles escombros, mas que foi capaz de subsistir dando
origem à maçonaria.
Mas,
se o que envolveu a maçonaria e a aldeia de Kilwinning não passar de lenda como
ficou patenteado pelos historiadores, o foco das atenções em torno do local
onde teria surgido a mencionada instituição, sai então de Kilwinning e se volta
para Edimburgo, também na Escócia, onde se constata de forma documentada, estar
abrigada e já em funcionamento desde o ano de 1.599 a loja mais velha de toda a
história da maçonaria.
Também
foi a partir daquela época que a maçonaria passou a marcar presença na Inglaterra
e a expandir-se pelos os demais países do norte oeste da Europa.
Algum
tempo depois, inspirando-se no que, até então, vinha sendo praticado e aceito como
preceitos basilares da Ordem Maçônica, e do que havia de textos escritos, foram
traçados em definitivo, através de cartas, constituições e regulamentos, os
rumos de uma nova ordem maçônica universal, com a redefinição de seus
princípios e fundamentos, sua estrutura, seus objetivos e suas finalidades,
concluindo-se assim um ciclo em que a busca incansável da verdade foi, sem
dúvida, o mais exaustivo de todos os esforços.
Aquele
acontecimento marcante na história da maçonaria se deu na Inglaterra, no ano de
1.717, a partir de quando tudo se consolidou e, de lá para cá, um acervo
começou a se formar, hoje já bastante rico, como uma espécie de banco de dados
que se constitui de farta documentação em poder das Lojas, obras escritas
espalhadas por todos os continentes com inúmeros registros sobre sua trajetória
e a descrição detalhada da vida dos mais ilustres maçons, assim reconhecidos e imortalizados,
por seus relevantes serviços prestados a bem da Ordem e da humanidade.
*O Ir.’. Anestor Porfírio da
Silva
M.I. e membro ativo da ARLS
Adelino Ferreira Machado
Or.’. de HIDROLÂNDIA-GOIÁS
Conselheiro do Grande Oriente do
Brasil/Goiás
FONTE: JB NEWS Nº 1590
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