Wisława Szymborska: a Polônia perde seu Drummond

Felipe Franke - Sul21
Eu tive a grande sorte de, uns anos atrás, conhecer a Polônia de perto. Foram somente alguns meses, que no entanto bastaram para que criasse uma admiração muito grande pelo país, com um povo dos mais cultos que já conheci e donos de uma das Histórias mais ricas e complexas da história moderna. Foi nesse contexto que tive a enorme sorte de tomar conhecimento de Wisława Szymborska (foto), essa poetisa que ontem morreu em sua cama, aos 88.
Muito compreensivelmente, a notícia da morte de Szyborska pouco repercutiu no Brasil. Não apenas o polonês é uma língua de dificílimo acesso aos brasileiros, mas principalmente a própria obra da escritora, segundo li, pouco era conhecida fora da Polônia até que ela ganhasse o Prêmio Nobel de Literatura, em 1996. No entanto, apesar da distância, os versos de Szymborska (achei algumas poucas traduções) me marcaram de imediato quando encontrei nela muito daquilo que vejo em Carlos Drummond de Andrade, e é por isso que sempre achei que ela tem muito a dizer ao leitor do Brasil. Leia mais
Wisława Szymborska (lê-se: Visuáva Ximbórsca) nasceu em 1923, e é portanto de uma geração posterior a Drummond (que é de 1902). Durante a Segunda Guerra Mundial, Szymborska começava a escrever seus versos, enquanto Drummond já trabalhava na sua primeira obra-prima, A Rosa do Povo. Isso fez com que ela, desde o início, ficasse marcada negativamente pelo horror da Guerra (tanto pelo Nazismo como pelo Comunismo), ao passo que ele pudesse, ainda na primeira metade do século, escrever versos de engajamento profundo do projeto da Socialista.
No entanto, apesar da diferença de ponto de partida, ambos possuem uma visão bastante semelhante sobre o mundo e a política do século das ideologias. Enquanto Drummond escreveu versos como os do Elefante, no qual o personagem trabalha incessantemente e contra os fracassos por aquilo em que acredita, Szymborska lutou contra a apatia e pela consciência do significado que todas nossas ações possuem na sociedade, como aparece em Filhos do tempo:
Somos filhos do tempo

o tempo é político.

Todas tuas, nossas, vossas

ocupações do dia e da noite
são políticas.

Reprodução
Foto: Reprodução
Szymborska, no entanto, foi muito mais uma escritora do significado da vida (ou seja, da investigação sobre o que é a vida) que da militância de qualquer ideia. Nisso ela se distancia do Drummond da Rosa, mas se aproxima do Drummond de Claro Enigma, onde o poeta amadureceu sonhos da juventude e adota uma postura que mistura um ceticismo epistemológico a um senso existencialista.
Essa segunda fase de Drummond tem no famoso A máquina do mundo uma de suas concretizações mais famosas: é o poema em que a verdade sobre o mundo se abre para o homem, mas o homem, cansado da busca pelo conhecimento ou cansado mesmo da vida, fecha as costas para a máquina que lhe mostraria a essência última das coisas. Algo similar ocorre com Szymborska no igualmente genial Conversa com a pedra, na qual o eu-lírico, num esforço de compreensão da realidade além do homem, tenta convencer uma pedra a deixá-lo entrar e descobrir seus segredos. Embora o personagem da polonesa tenha ainda o sonho do conhecimento, o resultado é o mesmo do vivido pelo brasileiro:
Eu bato à porta da pedra.

“Sou eu, abre.
Venho por pura curiosidade.
A vida é sua única chance.
Quero vasculhar seu palácio,
e então ainda visitar suas superfícies e goteiras.
Eu não tenho tempo para tudo isso.
Minha mortalidade deveria te comover.

(…)
Eu bato à porta da pedra.

“Sou eu, abre.”


“Eu não tenho porta”, diz a pedra.
E escritora da sociedade e da espitemologia, Szymborska também foi, como Drummond, poetisa do amor. Enquanto ele escrevia versos sobe o mistério, as conquistas e as impossibilidades do amor no mundo (“E nem os elementos encantados / sabem do amor que os punge e que é, pungindo,/ uma fogueira a arder no dia findo”, de Entre o ser e as coisas), ela também deixou suas percepções sobre a fugacidade daquilo que é o mais fundamental, como ocorre em Nada acontece uma segunda vez:
Sorridentes, nós queremos ser um,

quando nos compreendemos a meio caminho,
embora sejamos seres distintos,
como duas gotas de água pura.

Aos interessados, a Companhia das Letras lançou recentemente uma seleção bilíngue de Szymborska, sob o nome Poemas. A tradução, direta do polonês, é de Regina Przybycien.

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