O sol ainda nem tinha se firmado sobre a Baía de Guanabara quando o Rio acordou com um som familiar: o estalo seco dos tiros que, há muito tempo, substituíram o canto dos passarinhos em certas manhãs. No alto do morro, helicópteros riscavam o céu como corvos metálicos, e nas ruas, o medo se espalhava mais rápido que o noticiário. Era mais um dia de operação policial — até que os números começaram a crescer. E crescer. Sessenta mortos. Sessenta e um. Sessenta e dois. E o mundo, lá fora, começou a prestar atenção.
As manchetes internacionais ecoaram como um espelho incômodo: “O pior dia de violência na história do Rio”, disseram jornais da Europa e da América. O Brasil, de repente, virou notícia não pelo futebol, nem pelo samba, mas pela guerra urbana que insiste em se travestir de rotina. A cidade maravilhosa, mais uma vez, mostrava seu rosto de tragédia — uma beleza ferida, coberta de fuligem e lágrimas.
Lá de fora, as agências de notícias descreviam o cenário com espanto: corpos no asfalto, barricadas queimadas, mães debruçadas sobre o chão, policiais exaustos, e um Estado que parece ter esquecido o significado de “vida”. O estrangeiro via o Rio como uma terra em ruínas, onde a lei é feita a bala e a esperança é artigo de luxo. Mas quem mora aqui sabe que não é de hoje. O Rio aprendeu a sobreviver entre o medo e a fé, entre o batuque e o barulho das metralhadoras.
Enquanto isso, nas redes sociais, o debate fervia: uns chamavam de “sucesso operacional”, outros de “massacre”. No meio, o povo — aquele que pega o ônibus, que desce o morro para trabalhar, que reza para voltar vivo pra casa. O povo, que se acostumou a medir a paz pelo silêncio que vem depois dos tiros.
E lá fora, nas redações estrangeiras, jornalistas tentavam entender o inexplicável: como uma cidade pode abrigar o Cristo Redentor de braços abertos e, ao mesmo tempo, manter tantos corpos caídos aos seus pés?
O Rio segue. Como sempre seguiu. Mas, desta vez, o mundo viu — e se espantou. Talvez porque, de longe, ainda acreditem que a violência seja uma exceção, e não um hábito. Aqui, infelizmente, já aprendemos a conviver com o absurdo.
No fim do dia, quando o silêncio enfim voltou,
o pôr do sol tingiu o céu de vermelho — cor bonita, se não fosse lembrança do
sangue. E o Cristo, lá do alto, continuou com os braços abertos, como quem
tenta abraçar uma cidade que insiste em sangrar.


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