Da Redação
As autoridades turcas anunciaram, no dia 17 de outubro de 2025, a prisão de Remzi Sanver, Grão-Mestre da Grande Loja de Maçons Livres e Aceitos da Turquia, em meio a uma ampla operação contra um suposto esquema de lavagem de dinheiro, fraude e crime organizado. A detenção, que também envolveu outras 25 pessoas, foi conduzida pelo Gabinete do Procurador-Geral de Istambul e coordenada pelo Departamento Anticontrabando e Crime Organizado (KOM) da Gendarmaria.
As ações ocorreram simultaneamente em Istambul, Mersin, Igdir e Izmir, tendo como foco as atividades da Can Holding, conglomerado empresarial acusado de movimentar recursos ilícitos através de empresas de fachada. A prisão de Sanver ganhou destaque nacional não apenas por seu cargo maçônico, mas também por seu histórico como acadêmico e ex-reitor da Universidade Bilgi de Istambul.
Um acadêmico de prestígio no centro de um escândalo
Nascido em 1980, no distrito de Fatih, em Istambul, Remzi Sanver é um nome respeitado na academia e no meio esportivo turco. Doutor em Economia e professor universitário, ele já foi secretário-geral e porta-voz do conselho administrativo do Galatasaray Sports Club e reitor da Universidade Bilgi de Istambul entre 2011 e 2015.
Segundo as autoridades, as investigações sugerem que irregularidades financeiras durante sua gestão na Bilgi possam ter ligação com as práticas investigadas no caso Can Holding. Em 2024, a própria universidade foi colocada sob tutela judicial, após suspeitas de envolvimento em movimentações financeiras suspeitas, o que agora se conecta às novas acusações.
A Maçonaria na Turquia: entre tradição e controvérsia
A prisão de um Grão-Mestre reacendeu debates sobre a histórica tensão entre o Estado turco e a Maçonaria, uma instituição que, embora legal desde 1956, continua a despertar suspeitas e teorias conspiratórias em setores conservadores da sociedade.
A Maçonaria na Turquia remonta ao início do século XVIII, quando comerciantes e diplomatas europeus fundaram as primeiras lojas em portos otomanos como Istambul, Esmirna e Tessalônica. Inicialmente formada por estrangeiros, a fraternidade logo atraiu intelectuais e reformistas locais, interessados em ideias de racionalismo, progresso e educação moderna.
Durante o Império Otomano, a Maçonaria foi periodicamente proibida, notadamente em 1748 e 1826, quando o sultão Mahmud II associou as lojas à ordem Bektashi, igualmente proscrita. A ordem ressurgiu no século XIX, sob influência das Grandes Lojas inglesa e francesa, e teve papel relevante na Revolução dos Jovens Turcos (1908), que buscava a modernização política do império.
Em 1909, a primeira Grande Loja nacional foi fundada em Istambul, liderada por Mehmet Talat Pasha, então Ministro do Interior. Porém, em 1935, todas as sociedades secretas foram dissolvidas por decreto de Estado. Apenas em 1956 a Maçonaria foi restaurada oficialmente, com a criação da atual Grande Loja de Maçons Livres e Aceitos da Turquia, reconhecida pela Grande Loja Unida da Inglaterra desde 1970.
Hoje, a instituição conta com cerca de 200 a 250 lojas, distribuídas por todo o país, realizando reuniões em turco, inglês e francês.
Dois caminhos maçônicos: regular e liberal
Atualmente, a Maçonaria turca divide-se em dois ramos distintos:
A Grande Loja Regular da Turquia, à qual pertence Sanver, segue o modelo anglo-saxônico, exigindo de seus membros a crença em um Ser Supremo.
A Grande Loja Liberal da Turquia, criada após uma cisão em 1965, adota o modelo continental, permitindo a participação de maçons seculares ou não teístas.
Essas duas obediências não se reconhecem mutuamente, o que contribui para a fragmentação e, em parte, para a persistente desconfiança pública. Em setores religiosos e nacionalistas, a Maçonaria continua sendo vista como uma elite estrangeira ou secreta, alimentando debates sobre seu papel na vida pública turca.
O cerne da investigação: uma teia empresarial
A operação que levou à prisão de Sanver também atingiu figuras de destaque da elite empresarial turca. Entre os detidos estão Arafat Bingol e Cengiz Bingol, da Binsat Holding, além de Mehmet Kenan Tekdag, da Can Publishing Holding, e Betul Can e Zuhal Can, esposas dos empresários Sakir Can e Murat Can, donos da Can Holding.
Segundo o Gabinete do Procurador-Geral de Kucukcekmece, a rede empresarial teria criado uma estrutura complexa de empresas sobrepostas, movimentando grandes somas de dinheiro por meio de transferências entre subsidiárias fictícias. O objetivo seria mascarar a origem dos recursos e reintroduzi-los legalmente sob o amparo da Lei de Paz de Ativos (Lei nº 7256), que permite a repatriação de capitais.
Foram apreendidos bens de 121 empresas, agora sob administração do Fundo de Seguro de Depósitos de Poupança (TMSF). Entre as companhias colocadas sob tutela estão Haberturk Gazetecilik, Ciner Medya TV Hizmetleri, Show TV, Bloomberg HT, HT Spor, Doga Okullari Isletmeciligi, Bilgi Doga Egitim Isletmeciligi, Enerji Petrol Urunleri Pazarlama e o Bosphorus Medya Group.
Entre o simbolismo e a suspeita
A prisão de um Grão-Mestre maçom em um país onde a fraternidade é legal, mas culturalmente controversa, reforça o delicado equilíbrio entre tradição e desconfiança pública que acompanha a Maçonaria turca há mais de três séculos.
Ainda que as acusações sejam de natureza econômica e administrativa, a dimensão simbólica da detenção de Remzi Sanver ultrapassa o campo jurídico. Ela ecoa uma antiga narrativa que associa o poder maçônico ao segredo, à influência e à elite intelectual — temas que, na Turquia moderna, permanecem carregados de implicações políticas e ideológicas.
Enquanto o processo avança, o caso Sanver já se projeta como um dos episódios mais marcantes da história recente da Maçonaria turca, revelando tanto as vulnerabilidades humanas de seus líderes quanto a persistência de um olhar público que continua a enxergar o Templo sob a sombra do mistério.
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