Da Redação
O dia 21 de outubro de 1822 marcou um dos
episódios mais tensos e decisivos da relação entre a Maçonaria e o
recém-proclamado Império do Brasil. A independência havia sido declarada pouco
mais de um mês antes, mas as disputas internas e rivalidades políticas que
permeavam os bastidores do poder ameaçavam a estabilidade do governo e da
própria Ordem Maçônica.
Naquele momento, a Maçonaria brasileira —
representada principalmente pelo Grande
Oriente do Brasil (GOB) — encontrava-se dividida entre dois
grandes grupos de influência: o de José
Bonifácio de Andrada e Silva, o “Patriarca da Independência”, e
o de Gonçalves Ledo,
liberal exaltado e articulador político das ideias de emancipação. As
diferenças entre ambos não eram apenas de temperamento, mas também de visão
sobre o futuro da nação e sobre o papel da Maçonaria na política.
Enquanto Bonifácio defendia um governo
centralizado e forte, temendo o caos que poderia advir de uma liberdade
desmedida, Ledo representava a ala liberal, favorável a uma monarquia
constitucional com amplas liberdades civis e participação política. Essa cisão
acabou se refletindo dentro das Lojas e do próprio Grande Oriente, gerando
acusações mútuas, suspeitas e intrigas que chegaram aos ouvidos do imperador.
Temeroso de que tais desavenças pudessem
degenerar em conspirações ou mesmo em um levante contra o governo — rumores
indicavam que certos elementos do Grande Oriente, apoiados por oficiais
militares, planejavam depor ministros — D.
Pedro I decidiu agir com firmeza.
No dia 21
de outubro de 1822, o imperador enviou uma carta direta e
solene a Gonçalves Ledo, então figura de grande destaque na Maçonaria
brasileira. O documento, de forte tom de autoridade, dizia:
“Meu Ledo,
Convido fazer certas
averiguações tanto públicas como particulares na Maçonaria.
Mando primeiro como
Imperador, segundo como Grão-Mestre: que os trabalhos maçônicos se suspendam
até segunda ordem minha.
É o que tenho a
participar-vos; resta-me reiterar os meus protestos como Irmão.
Pedro Guatimosim,
Grão-Mestre.
São Cristóvão, 21 de
outubro de 1822.”
A assinatura “Pedro Guatimosim” era o nome simbólico
usado por D. Pedro I dentro da Maçonaria, conforme o costume dos maçons de
adotarem nomes iniciáticos. Essa correspondência representa um momento
singular: o ponto de encontro entre o poder político e o poder simbólico, entre
o Imperador e o Irmão, entre o Estado e a Ordem.
Com a carta, D. Pedro suspendeu oficialmente as atividades do Grande
Oriente do Brasil, ordenando a paralisação dos trabalhos
maçônicos “até segunda ordem”. A decisão, embora temporária, refletia o clima
de desconfiança e o receio de que a Maçonaria, então fortemente envolvida nas
articulações políticas da Independência, pudesse ultrapassar os limites da
lealdade institucional.
A suspensão dos trabalhos maçônicos, contudo,
não representou uma ruptura definitiva. O Imperador enfatizava que a medida
seria provisória,
apenas até que fossem concluídas as “averiguações necessárias”. Ainda assim, o
episódio marcou o fim de uma fase de intensa participação política da Maçonaria
no processo de independência e o início de uma nova etapa de prudência e
recolhimento dentro da Ordem.
Historiadores consideram este dia como o encerramento simbólico da tempestade
que assolava a Maçonaria e o governo imperial. “Aqui cessa a tempestade e a
vertigem do relâmpago”, escreveu um cronista da época, expressando o alívio
que se seguiu à decisão imperial.
O episódio de 21 de outubro de 1822 mostra,
mais uma vez, que a Maçonaria esteve intimamente ligada à construção do Brasil
independente, mas também exposta às turbulências próprias da política e das
paixões humanas. Entre o ideal da fraternidade e as ambições do poder, a
história daquele dia permanece como um lembrete de que mesmo os construtores de
templos simbólicos não estão imunes às tempestades do mundo profano.
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