(*) Por Ir.’. Dr. Rubens
Pantano Filho
A escravidão na antiguidade
O termo escravidão não está relacionado
exclusivamente à deportação de africanos para outros continentes; na verdade é
uma prática que remonta à Antiguidade. Nos textos bíblicos há referências à
escravização de israelitas no Egito antigo, bem como também tem-se registros de
escravidão nas civilizações gregas e romanas. Além disso, havia a prática da
escravidão na própria África, decorrente das guerras entre grupos, aldeias e
reinos africanos, quando vencedores subjugavam os grupos derrotados (VAINFAS et
al, 2013). Há ainda que se registrar que no período medieval, práticas
escravistas herdadas da Antiguidade estavam implícitas nas disputas
territoriais e religiosas entre cristãos e os que eles consideravam bárbaros ou
infiéis.
A escravidão negra no
Brasil
Após o período histórico dos
grandes descobrimentos marítimos, designado de Grandes Navegações, se afirmava
nas cortes europeias que quem não colonizasse as terras conquistadas de
além-mar não seria dono das mesmas. Então, lusitanos e castelhanos logo se
precipitaram em garantir a posse de suas colônias na América por meio do
povoamento. No entanto, para se efetivar a posse, havia um grande problema a
ser resolvido: como ocupar as terras descobertas? (ALMEIDA; PAULA, 2006).
Portugal, em particular,
já há algum tempo vinha correndo riscos de perder sua colônia americana para as
nações inimigas, notadamente a França, que não se conformava com o Tratado de
Tordesilhas. A coroa francesa alegava o princípio de que o direito de
propriedade só se daria com a ocupação efetiva do lugar conquistado. Como
Portugal sofria de um grande déficit populacional, causado pela peste negra e
pelas batalhas pela reconquista de parte de seus territórios na península
Ibérica, não dispunha de colonos em número suficiente para enviar ao Brasil
(ALMEIDA; PAULA, 2006).
Nesse contexto, engendrados
pelos portugueses a partir do século XV, os projetos de conquista da África e
do Novo Mundo incluíam um conjunto de ações ligadas ao tráfico de escravos, ao
comércio de mercadorias e à colonização. O trânsito de escravos entre a África
e a América foi um dos ciclos comerciais mais importantes da história da
humanidade (LACET, 2005). Estima-se algo em torno de cinco milhões o número de
africanos traficados para o Brasil, sendo que a maior parte desse montante foi
comercializada do século XVI ao XVIII, com um total aproximado de dois milhões
de escravos para o último século desse período (VAINFAS et al, 2013).
Analisando esses números, Lacet (2005) também assinala que estudos mais
recentes registram algo em torno de doze milhões de africanos negociados entre
os séculos XVI e XIX, com cerca de quatro milhões apenas para o Brasil.
Para entender a questão do tráfico, deve-se
destacar também a visão etnocêntrica dos lusitanos em relação aos povos da
América e da África, baseada nos parâmetros cristãos da época. Os portugueses
acreditavam que os nativos eram povos ignorantes, por desconhecerem a Bíblia;
eram as “ovelhas desgarradas” do rebanho dos que praticavam a verdadeira e
única fé (a católica), mas que podiam ser salvos pela conversão ao
cristianismo. No caso dos africanos, além de serem pagãos ou adoradores de
outras divindades, ainda era bastante difundida a ideia de que pertenciam a uma
raça amaldiçoada por Deus, trazendo na pele a marca dessa maldição (ALMEIDA;
PAULA, 2006).
Dessa forma, os negros então
escravizados e trazidos para o Brasil constituíram a força de trabalho
necessária às lavouras de cana-de-açúcar, café, algodão e mineração. Essa
mão-de-obra escrava não percebia remuneração alguma, era tratada de maneira
desumana e mantida sob condições de vida bastante precárias. Graças a esse
trabalho gratuito dos negros cativos - relação que vigorou em nosso país por
quase quatrocentos anos - é que foram produzidas as riquezas que propiciaram a
construção da base econômica do Brasil colonial (MUNANGA; GOMES, 2006). A força
de trabalho dos africanos foi empregada para suprir várias necessidades, na
medida em que faltava gente para trabalhar na lavoura canavieira, nas lavouras
de um modo geral, na casa-grande, na mineração e também nos setores pecuários e
de produção de alimentos destinados ao consumo interno.
A resistência dos
aprisionados
Uma vez trazidos para cá, os escravos eram
colocados a ferros, e os elementos de cada tribo ou etnia eram separados,
reduzindo assim a possibilidade de comunicação entre eles, uma vez que as
diferentes tribos ou etnias falavam línguas distintas. A quase imobilidade e a
incomunicabilidade, bem como os bárbaros castigos físicos, tinham como fim
controlar a reação ao aprisionamento e evitar a fuga, individual ou coletiva,
dos prisioneiros. No entanto, a luta dos escravos pela reconquista da liberdade
tem início desde os primórdios do cativeiro (MENEZES, 2009).
Assim, já no primeiro século
de colonização do Brasil se tem notícia da formação dos quilombos, ou seja, os
locais para onde se refugiavam os negros que conseguiam escapar, formando um
novo agrupamento social, à margem da sociedade colonial construída pelos
portugueses. Os mais importantes deles, os de Palmares - na região da Serra da
Barriga, Alagoas - formaram um conjunto de aldeias onde viviam negros, índios e
mestiços. Por mais de sessenta anos - entre 1620 e 1680 - os palmarinos
resistiram à repressão tanto dos portugueses como dos holandeses, no período em
que estes dominaram a região (MENEZES, 2009).
As fugas em massa para os
quilombos, os suicídios, os assassinatos de feitores e de senhores não foram os
únicos meios de resistência adotados pelos africanos. A negociação, que naquele
contexto era uma forma de resistência, também foi um dos expedientes mais
eficazes e um dos mais utilizados pelos prisioneiros: através da negociação
direta com seus senhores eram geradas formas de amenizar as condições adversas
do cativeiro, por meio de um sistema de ganhos e de concessões de favores
(ALMEIDA; PAULA, 2006).
O declínio do período
escravocrata
A partir da década de 1870,
com o fim da Guerra do Paraguai, toma impulso a questão abolicionista no
Brasil. Entre 1885 e 1888, o movimento abolicionista cresce de maneira
vertiginosa, com a multiplicação dos quilombos, com a ação dos caifazes e
com a ampliação da propaganda nas cidades e na imprensa do país. (FERNANDES, M.
F. L., 2006).
Simões (2005) considera três
fatores preponderantes que para o declínio da escravatura no Brasil: o primeiro
deles, a pressão internacional, particularmente a partir da Inglaterra, àquela
época uma das nações mais poderosas do mundo; o segundo, a Guerra
Brasil-Paraguai, uma vez que o governo brasileiro precisava de homens para o
confronto na divisa com o país vizinho, oferecendo aos cativos a liberdade como
recompensa por lutarem nas batalhas; e o terceiro, a revolta dos escravos, pois
a escravidão tornava-se cada vez mais inviável do ponto de vista da produção
nas fazendas com o aumento da quantidade de escravos rebelados que se evadiam e
também com o crescente número de cativos que se suicidavam.
Da mesma forma, Brilhante
(2009) também assinala que, desde a primeira metade do século XIX, houve uma
mudança com relação à aceitação das ideias contrárias à escravatura na
população em geral e nas esferas governamentais, em razão: a) das campanhas
organizadas pelos abolicionistas, com apoio popular, inclusive entre muitos
proprietários rurais; b) da insurreição dos escravos; c) das transformações
econômicas, demográficas e sociais; e) e da pressão estrangeira, especialmente a
inglesa. Assim, escravagistas se tornaram emancipadores e até abolicionistas; e
emancipadores se tornaram abolicionistas.
A abolição
A abolição da
escravatura foi uma conquista, resultado de um longo processo de marchas e
contramarchas, em que os negros e aliados tiveram que passar pelo aprendizado
da luta política, ao lado da participação em guerras de independência e de
construção de nações, de modo que o preço da liberdade própria e dos seus
descendentes resultou, muitas vezes, no pagamento com a vida (MENEZES, 2009).
Em alguns países da América, a abolição da
escravidão foi levada a efeito simultaneamente à luta pela independência. Em
outros, tal como os Estados Unidos da América e o Brasil, isso não aconteceu.
Nos dois países, o período áureo da escravidão se deu após a Independência: nos
EUA, o fim do tráfico aconteceu em 1807, 31 anos após a Independência; no
Brasil, a abolição aconteceu formalmente em 1888, 66 anos após a Independência
de 1822 (MENEZES, 2009).
No processo abolicionista
brasileiro, Menezes (2009) considera três fases ou etapas:
a) Pressão internacional - os
tratados com a Inglaterra para o final do tráfico e o patrulhamento da costa
brasileira pelos navios britânicos têm início ainda sob a Regência do Príncipe
D. João, depois da chegada da família real portuguesa no Brasil. Antes da
Independência, são editados onze atos contra o tráfico, assinados pelo Príncipe
Regente D. João e obedecendo às determinações resultantes das pressões da Inglaterra;
b) Lei do Ventre Livre: com o
final do tráfico os escravos se tornam extremamente caros e há um interesse em
cuidá-los melhor. Tem início a ideia da atração de imigrantes, inicialmente sob
a forma de colônias de povoamento. Durante a Guerra do Paraguai se reinicia o
debate sobre a extinção da escravidão, começando na Academia, em particular nas
Faculdades de Direito de Recife e São Paulo, onde atuavam José Bonifácio,
Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e Castro Alves. Finda a Guerra, o próprio governo
leva a debate a Lei de Ventre Livre que declara livres os filhos de escrava que
nascem daí em diante e prevê e regulamenta outras formas de libertação;
c) Campanha popular: em 1879,
no início da sessão parlamentar, o tema da abolição volta a ser discutido por
um deputado baiano, professor da Faculdade de Medicina da Bahia, Dr. Jerônimo
Sodré, propondo que a sociedade brasileira deveria declarar à nação que todos
os brasileiros, se eram cidadãos, deveriam ser livres, concluindo com um apelo
para a extinção total e rápida da escravidão.
Nesta terceira fase, são
adotadas três vias: I) a via parlamentar, legal; II) a Campanha Popular,
propriamente dita, através da edição de jornais, da criação de Sociedades
Abolicionistas, com a finalidade de manter vivo o debate sobre o tema e
angariar fundos para libertações de escravos; e III) a ação direta, através do
incentivo à fuga dos escravos e a libertação, tanto por alforria paga, como
gratuita.
A participação da Maçonaria
Sabe-se que a maioria
dos movimentos liberais ou emancipacionistas, nos séculos XVIII e XIX, teve na
Maçonaria seu núcleo formador. Constituem exemplos: a Conjuração Mineira
(1789), a Conjuração Baiana (1798), a Revolução Pernambucana (1817) e a
Confederação do Equador (1824). Da mesma forma, a atuação dos maçons não foi
diferente com relação às questões do espaço fronteiriço platino no período de
1835-185, ou seja, a Guerra dos Farrapos (PADOIN, 2000). Posteriormente a esses
eventos elencados, a Ordem Maçônica também marcou presença na Abolição da
Escravidão (1888) e na Proclamação da República (1889) (GIL, 2011; SILVA, I.
B., 2007).
Deve-se considerar que,
naqueles período, um participante da Maçonaria se colocava como integrante de
uma sociedade/grupo que exercia influências na forma de pensar do indivíduo,
bem como lhe permitia um estreito contato com outros membros da Ordem (MARQUES,
2012). Dessa forma, as Lojas maçônicas eram locais onde as elites liberais se
abrigavam, protegidas pelo segredo inerente à atividade maçônica, para atuar em
prol da Abolição (MONTEIRO, 2009).
O movimento abolicionista se
configurava como um projeto que visava a conscientização nacional,
possibilitando a construção de uma nova sociedade, não mais fundamentada no
trabalho escravo (SILVA, I. B. 2007). Nesse contexto, a linha de atuação das
sociedades maçônicas era norteada pelo liberalismo iluminista, que incentivava
a luta pelos direitos naturais do homem, sendo que a escravidão simbolizava as
forças que ameaçavam o destino natural para uma sociedade livre (MONTEIRO,
2009). O envolvimento dos maçons no movimento abolicionista se deu pela
participação dos mesmos no governo imperial, e pelas suas atividades como
escritores e jornalistas influentes, tornando possível, assim, a introdução de
ideais libertários dentro da sociedade civil (SILVA; SILVA, 2010).
Silva e Silva (2010) ainda
destacam que:
A solidariedade ao sofrimento
dos escravos – pensar em um homem sendo privado de seu bem mais precioso: a
liberdade – foi o caminho da maçonaria, que tomou para si a bandeira da
abolição. A humanização do escravo foi uma das formas encontradas para
aproximar a discussão do povo. Como esse assunto só interessava a quem possuía
cativos, a forma encontrada para difundir a ideia foram os jornais
abolicionistas, que denunciavam os maus-tratos e causavam comoção na população.
Sendo a evolução do homem uma das bandeiras maçônicas, as ligações entre a
imprensa abolicionista e os maçons ampliaram propositalmente o foco de discussão,
saindo dos muros das lojas (termo usado pelos maçons para designar centro de
reunião, núcleo) e indo para o dia a dia da nação através de diversas
publicações.
Dentre os maçons de destaque
no Brasil e que abraçaram a causa abolicionista, deve-se registrar José
Bonifácio de Andrada e Silva, importante líder político e Grão-Mestre do Grande
Oriente do Brasil. A leitura da Representação sobre a Escravatura, escrita e
apresentada por Bonifácio à Assembleia Constituinte, ganhou proporções internacionais
ao ser revista durante o exílio de Bonifácio em Bordéus (1823-1829) e quando
publicada em Paris, em 1825. Pode-se considerá-la como a primeira manifestação
de um homem público, com a envergadura de Bonifácio, a favor da abolição da
escravatura. Após os atos do governo inglês e a promulgação de leis
brasileiras, que foram pouco aplicadas na prática, a partir de 1850 a
emancipação gradual começa a tomar forma. Não obstante ser ato isolado de um
homem, devem-se frisar sua importante posição na Maçonaria brasileira (SILVA,
T. C, 2012).
Quanto à participação da
Maçonaria na campanha abolicionista, Monteiro (2009) registra que em 1865,
Saldanha Marinho, em discurso que defendia a unidade da Maçonaria em torno do
Grande Oriente do Brasil, ameaçada pela cisão entre os Orientes dos Beneditinos
e do Lavradio, lançou o campanha pela emancipação dos escravos no Brasil. Da
mesmo forma há o registro de que, em 1869, Ubaldino do Amaral e José Leite
Penteado, teriam apresentado uma proposta na Loja “Perseverança III”, do
Oriente de Sorocaba, que seria o primeiro projeto de emancipação dos escravos.
Basicamente a propositura estabelecia formas para arrecadação de fundos para a
libertação das crianças, filhos de escravos, com idades entre 2 e 5 anos, bem como
propunha que as Lojas cuidariam da proteção das mesmas (NAME, 2009). A Loja
Maçônica Perseverança III teve papel decisivo não somente na abolição da
escravatura, como também na Proclamação da República (SILVA, I. B., 2007).
Além desse registro, Name (2009) ainda
assinala que, em 1870, o ilustre maçom Rui Barbosa propôs à Loja América,
Oriente de São Paulo, um projeto que seria encampado pelo Grande Oriente do
Brasil do Vale dos Beneditinos, pelo qual todas as Lojas ficavam obrigadas a se
empenhar na propagação das ideias emancipatórias. Nesse sentido, as iniciações
maçônicas passaram a exigir do iniciado também o compromisso formal de
liberação de crianças que estivessem a seu serviço na condição de escravas. O
projeto composto de 12 artigos propunha, entre outras coisas, a educação
popular destinada aos filhos de escravos (SILVA, I. B., 2007).
No Rio de Janeiro, atuando
diretamente no processo emancipacionista, pode-se registrar a participação de
José do Patrocínio, jornalista e vereador da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
(1886); Joaquim Nabuco, diplomata e tribuno; Quintino Bocaiúva, ministro das
Relações Exteriores (1889); Castro Alves, o “poeta dos escravos”; Antônio Alves
Pereira Coruja, tesoureiro do IHGB (1839) e padre Almeida Martins. Também no
Rio de Janeiro destacavam-se jornais com o intuito de difundir os ideais
abolicionistas e de servir como informativo no meio maçônico. Entre esses,
pode-se citar: “O Pelicano”, “A Família”, “Família Maçônica” e “O Mundo
Maçônico”. Esses periódicos promoviam a divulgação, entre os maçons, do que
estava sendo feito pelo processo abolicionista e possibilitavam as comunicações
entre as Lojas (SILVA; SILVA, 2010).
Convém assinalar também que a
Lei do Ventre Livre, de 1871, que libertou os nascituros foi de autoria do
maçom Pimenta Bueno, sendo defendida pelo ilustre maçom Joaquim Nabuco e
apresentado finalmente por José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio
Branco, futuro Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil (MONTEIRO, 2009).
Iniciando sua carreira política em 1845, quando foi eleito deputado da
Assembleia provincial, José Maria da Silva Paranhos logo se tornou secretário,
vice-presidente e presidente interino da província. Posteriormente, em 1848,
foi eleito deputado da Assembleia Geral. Cumpriu mandatos como deputado por
Sergipe, e como senador por Mato Grosso, tendo sido também Conselheiro de
Estado. Por serviços prestados à nação, recebeu várias honrarias. A partir de
março de 1871, assumiu a presidência do Conselho de Ministros, empreendendo
várias mudanças no país, dentre as quais se destaca a implementação da chamada
Lei do Ventre Livre (CONRAD, 1978; SILVA, SILVA, 2010).
Para alguns estudiosos
sobre o tema, a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, veio como
estratégia escravocrata para adiar a libertação dos negros cativos. É fato que,
em curto prazo, não representou mudanças significativas no sistema: apesar de
os filhos das escravas não mais serem considerados cativos, permaneciam nesta
condição por conta da alternativa do senhor de mantê-los até os 21 anos no
trabalho, como forma indenização. Mesmo assim, não se pode negar que a Lei se
constituiu no início de um processo mais consistente para a erradicação da
escravatura, na medida em que, além da condenação moral, também impedia a
reprodução do sistema por longo tempo (SILVA, T. C., 2012).
Voltando à atuação da
Maçonaria, Monteiro (2009) ainda assinala que, depois de 1870, na linha da
Mogiana, onde havia extensas plantações de café, a Ordem Maçônica foi uma força
importante utilizada como espaço por ilustres cidadãos, como Francisco
Glicério, Prudente de Morais, Bernardino de Campos e outros, para discursos
republicanos e antiescravagistas.
Em 1880, se consolida
nacionalmente a causa abolicionista, com o engajamento de importantes membros
do mundo político e intelectual do país. Nesse período são criadas várias
entidades abolicionistas, como a Sociedade Brasileira contra a Escravidão, no
Rio de Janeiro, fundada pelos maçons Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Na
campanha abolicionista, também se deve destacar a participação dos maçons
Antônio Bento, fundador da Ordem dos Caifazes, e de Luiz Gama, o advogado dos
escravos (MONTEIRO, 2009).
Sem dúvida alguma, o mais importante
intelectual abolicionista foi o maçom Joaquim Nabuco. O projeto
emancipacionista liderado por Nabuco foi publicado como livro, em 1883, e
intitulado “O Abolicionismo”. Surgiu em um momento que se divulgava a
radicalização do trabalho servil nos meios urbanos e rurais. Nabuco não somente
defendia o abolicionismo no seu texto, como também atacava o regime monárquico,
responsabilizando-o pela imperialização da escravidão. Para ele era preciso
apagar todos os efeitos de um regime que era uma escola de desmoralização e
inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores.
Com uma obra de grande
envergadura, Nabuco procurava conquistar aliados, lutando para conseguir um
corpo de leis que completassem adequadamente a dignidade humana. Era necessário
capitalizar apoios entre os mais diversos setores sociais, de modo a ajudar no
desenvolvimento de uma opinião pública capaz de levar o Estado nacional à ação
direta em favor das reformas regeneradoras da sociedade. A obra de Nabuco foi
planejada e estruturada para fazer eco entre senhores, representantes da
Igreja, jornalistas, acadêmicos, homens de letras, educadores da mocidade e,
principalmente, todos os depositários da direção moral do povo brasileiro
(TASINAFO, 2004).
O movimento de
libertação dos escravos trilhava um caminho sem volta. Em setembro de 1885, é
aprovada a Lei Saraiva-Cotegipe, que decretava a alforria de todos os escravos
com mais de 65 anos de idade. O projeto da também denominada Lei dos Sexagenários
foi concebido pelo maçom José Antonio Saraiva (NAME, 2009).
Assim, às custas de muitas
batalhas, divergências políticas e interesses econômicos, após a pressão
exercida por diversos setores sociais, pelo povo e pelo próprio negro, o ápice
do processo abolicionista ocorre em 13 de maio de 1888: a Lei Áurea é assinada
e vem para terminar este ciclo (SILVA, T. C., 2012). Assim, do dia para a
noite, mais de 700.000 escravos foram transformados em homens livres. Nas ruas,
a população comemorou ruidosamente. E as catástrofes anunciadas por aqueles
contrários à abolição, que projetavam o colapso da economia nacional, não
aconteceu. Depois de um curto período de desorganização, a produção assumiu o
ritmo anterior (COSTA, 2008).
A abolição inconclusa
A abolição da escravatura
representou, sem dúvida alguma, um marco importante na história de nossa nação,
uma vez que a libertação dos negros cativos marcou o início de uma nova fase de
organização social.
Há que se considerar, no
entanto, que a abolição, da forma como aconteceu, não provocou a inserção do
negro como cidadão na sociedade brasileira. Fernandes, F. (1978) considera que
a abolição se deu sem estabelecer qualquer garantia de inserção do negro no
mercado de trabalho livre. Após a libertação, o negro geralmente não encontrava
opções de trabalho nas cidades. Assim, a opção mais segura de convívio com a
sociedade colocava-se no não afastamento da antiga fazenda. Como as
oportunidades de trabalho eram escassas, a criminalidade tornara-se um caminho
“natural” para negros e mulatos, pois também os caminhos de autoafirmação
pareciam bloqueados para os ex-cativos. A abolição transplantou a ausência de
respeito às normas sociais da senzala para as cidades, agravando a pobreza da
população negra. Dessa forma, os negros, sem trabalho pelas novas
circunstâncias sociais, converteram-se em vagabundos sistemáticos. Não obstante
o ganho da almejada liberdade, da forma como aconteceu, a abolição também
condenou o negro à eliminação no mercado competitivo de trabalho, uma vez que
as oportunidades oferecidas para negros e mulatos estavam longe de oferecer
dignidade e oportunidades de ascensão social.
E os ecos desse processo
ainda ressoam na sociedade brasileira. Diversas estatísticas, baseadas em
informações do IBGE e de outras pesquisas específicas, ligam afrodescendentes e
pobres de qualquer cor no elo mais frágil das relações sociais no País. A
título de exemplo, vejamos uma análise sobre a mortalidade infantil: os filhos
de mulheres negras têm 47% mais chances de morrer nos primeiros anos de vida,
sendo 22,9% para mães brancas e 33,7% para negras e pardas. No quesito renda,
os indicadores são mais gritantes: 74,1% da renda nacional ficam com os
brasileiros brancos. Dos 25,9% da renda apropriados pelos negros, 4% ficam
entre os pretos e 21,9% entre os pardos. Isso está em clara desproporção com a
presença dos brancos na população, que é de 53,8%, em geral, e 53,1% dos que
possuem rendimentos. A expectativa de vida dos negros, por sua vez, segundo
dados da Fundação Nacional de Saúde, de agosto de 2004, é seis anos menor que a
dos brancos (74 anos), além do que aqueles têm 50% a mais de chance de morrer
de aids, acidentes ou violência. Em todos os números, a desigualdade de renda
articula raça e gênero: as mulheres negras pobres aparecem entre as mais
violentamente vitimizadas (BURITY, 2006).
Dados mais recentes, divulgados
pela UNESCO, pelo governo federal e também pelo Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, registra que jovens negros, com idade entre 12 a 29 anos, são duas
vezes e meia mais vítimas de homicídios do que os brancos na mesma faixa de
etária. O último Mapa da Violência, com dados de 2010, mostra que são negros
75% dos jovens que tiveram morte violenta (VIANNA, 2015).
Considerações finais
O Brasil foi a nação
independente das Américas que mais tarde libertou seus escravos. Assim, a
influência da escravidão na construção da sociedade brasileira foi marcante,
bem como suas consequências devido à longevidade e à amplitude do período
escravocrata, tais como a existência de preconceito e discriminação; e a
composição das classes desfavorecidas por percentual considerável de negros e
pardos (BRILHANTE, 2009).
Podemos afirmar
que, não obstante a importante participação de ilustres maçons na campanha
abolicionista, e o bem-sucedido engajamento da Maçonaria na luta contra a
escravidão, a abolição ainda não aconteceu de fato no dia-a-dia dos negros
brasileiros. Nas vilas e nas favelas das nossas metrópoles a realidade comprova
que a abolição só aconteceu em tese, uma vez que esses mesmos negros são os que
sempre constam em todos os índices do baixo padrão de qualidade de vida, de
emprego e falta dele, de renda e de moradia minimamente saudável. Em outras
palavras, é preciso reconhecer que a exclusão substituiu a escravidão com igual
teor de perversidade (BRAGA, 2009).
Assim, para que haja
justiça social, é urgente implantar ações que façam a correção dessa gigantesca
injustiça cometida à população negra, colocando o Brasil nos rumos dos trilhos
da cidadania efetiva para todos. Assim, a Maçonaria – cujos fins supremos são a
Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade - tem que concluir seu trabalho,
mantendo-se na luta pela plena incorporação dos negros na sociedade brasileira.
Dessa forma, a Ordem estará inspirada nos altos ideais do grande maçom e
abolicionista Joaquim Nabuco que, nas primeiras páginas de “O Abolicionismo”,
ressaltou que a abolição seria apenas a tarefa imediata do movimento, cuja
responsabilidade muito mais exigente consistiria em reverter os efeitos de mais
de três séculos de escravidão na sociedade brasileira.
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(*) AUTOR: Rubens
Pantano Filho - graduado em Física, mestre e doutor em Engenharia e
Ciência dos Materiais e docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de São Paulo - IFSP. Mestre Maçom - Grau 33 no R.·.E.·.A.·.A.·. - da
A.·.R.·.L.·.S.·. “Ordem e Progresso CL” nº. 1900 – Oriente de Indaiatuba,
Deputado Estadual junto à PAEL/GOSP e acadêmico da Academia Campinense Maçônica
de Letras.
FONTE: SITE DA PAEL-SP
FONTE: SITE DA PAEL-SP
1 Comentários
Este artigo nos mostra de que não basta saber , sinais, toques e palavras. Temos que ir muito mais longe que isto. Parabéns. T.'.F.'.A.'.
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