Por João Anatalino
Tive o prazer de visitar a Jordânia em 1995
em uma viagem memorável que me levou ás ruínas de Gadara, onde Jesus curou um
lunático que se julgava possuído por uma legião de demônios. Logo entendi o
porquê dessa passagem dos Evangelhos. Nessa antiga cidade havia uma guarnição
de tropas romanas, parte da décima legião, que ficava acantonada nessa região,
pronta para esmagar as constantes rebeliões que ali ocorriam. Não admira que o
lunático se sentisse possuído por uma “legião de demônios”, pois era assim mesmo
que o povo daquela região taxava os invasores romanos.
Nessa visita também fui ver as ruínas de
Petra, uma das mais importantes cidades da antiga Palestina, famosa pelo seu
comércio e pela sua estranha arquitetura, pródiga pela utilização da pedra como
matéria prima. Petra é prodígio produzido pelos maçons da antiguidade, que
mostravam na arte do seu ofício o quanto a Arte Real era desenvolvida naqueles
temoos.
O que sobrou de Petra é exatamente o seu
cemitério, onde eram sepultados os homens importantes da cidade. Ele fica em um
vale profundo, escavado em meio á uma montanha de pedra, que só pode ser
atingido através de uma estreita trilha aberta no meio de um maçiço rochoso.
Esse local ficou famoso como ponto turístico por causa da cena final do filme Indiana
Jones e a Última Cruzada, pois o templo que aparece no filme, onde o Cálice
Sagrado(o Santo Graal) estaria depositado, é exatamente a capela funerária
desse estranho e pitoresco cemitério, onde os guias jordanianos (para desespero
e raiva dos israelenses) dizem que o túmulo de Aarão está localizado.
Mas o mais interessante (e polêmico) nisso
tudo é que, bem próximo ao desfiladeiro que conduz aos monumentos de Petra há
um local chamado Wadi Musa (Vale de Moisés), onde os jordanianos dizem ser o
local onde Moisés teria tirado água da pedra para saciar o sedento e rebelde
povo de Israel em sua sofrida marcha pelo deserto. Esse seria o local das
famosas Águas de Meribá, citado em Números 20.27. Conta a Bíblia que ali, o
sedento povo de Israel se rebelou contra Moisés e Aarão, pois não havia água
para matar a sede da comunidade. Então eles
discutiram com Moisés e disseram: “Quem dera tivéssemos morrido quando
os nossos irmãos caíram mortos perante o Senhor! Por que vocês trouxeram a assembléia do
Senhor a este deserto, para que nós e os nossos rebanhos morrêssemos aqui? Por que vocês nos tiraram do Egito e nos
trouxeram para este lugar terrível? Aqui não há cereal, nem figos, nem uvas,
nem romãs, nem água para beber!”
Moisés e Arão saíram de diante da assembléia
para a entrada da Tenda do Encontro (o Tabernáculo) e se prostraram, rosto em
terra, e a glória do Senhor lhes apareceu.
E o Senhor disse a Moisés: “Pegue
o seu cajado, e com o seu irmão Aarão reúna a comunidade e diante desta fale
àquela rocha, e ela verterá água. Vocês tirarão água da rocha para a comunidade
e os rebanhos beberem”.
Assim, Moisés teria batido com o seu cajado
na rocha e água verteu imediatamente. Se isso for verdade, é um feito
maravilhoso. Pois que a água que sai da pedra no Wadi Musa é simplesmente
deliciosa. Não sei como naquele lugar tão seco, desértico e quente pode brotar
uma água tão fresca e gostosa como aquela. Todos que vão á Petra passam pelo
Wadi Musa para tomar um pouco dessa água e refrescar-se. Não tem coisa mais
reconfortante.
Aliás, o local, nos tempos bíblicos, se chamava
Rafidin. Na língua aramaica essa palavra quer dizer refrigério, reconforto,
descanso. Pode se dar o caso, segundo acreditam alguns historiadores, que essa
fonte já existisse e que Moisés, ladinamente, apenas tenha conduzido os israelitas para lá. Não é
demais lembrar que Moisés, segundo a própria Bíblia informa, já conhecia de
sobra aquelas paragens, pois antes de voltar ao Egito para libertar o povo de
Israel, ele já havia perambulado por aquela região, após ter fugido de lá por
ter matado um feitor.
O que não dá para entender é porque Moisés e
Aarão foram punidos por isso. Aarão com a morte e sepultamento naquela região
(o que reforça a pretensão dos jordanianos de que o túmulo de Aarão estaria em
Petra) e Moisés com a proibição de entrar na Terra da Promessa. Pois segundo o
que relata o cronista bíblico, eles só cumpriram uma ordem do Senhor. Não foi
Moisés, nem Aarão, que se rebelaram contra Deus, criticando o fato de eles
terem sido tirados do Egito e conduzidos para aquele território inóspito e
miserável, onde a morte os esperava. Foi o próprio povo de Israel que reclamou,
e Moisés e Aarão só cumpriram as instruções que o Senhor lhes deu, para calar
aquela rebelião.
A verdade, é que em tudo isso há questões
históricas, sociológicas e religiosas que os cronistas israelenses não quiseram
registrar, para evitar as polêmicas, e os exegetas do texto bíblico evitam
comentar, e quando comentam só fazem aumentar ainda mais as controvérsias.
Talvez Freud tivesse razão ao especular que, na verdade, Moisés e Aarão eram
sacerdotes egípcios, simpáticos á revolução monoteísta de Akhenaton, os quais
fugiram do Egito, após o fracasso daquela revolução e da morte daquele faraó.
Tendo levado com eles um grande contingente de pessoas, a maioria de origem
semita, que eram escravos no Egito, pretendiam formar um novo país, com base na
nova religião.
Mas ninguém esquece suas tradições do dia
para a noite. Por isso as constantes
recaídas do povo eleito nas velhas práticas idólatras e orgíacas, registradas
nos textos sagrados. Episódios como o do bezerro de ouro (Êxodo, 32), da
serpente de bronze (Números 21:4.9), das rebeliões de Datan, Coré e Abirã
(Numeros 16: 1 a 26), são exemplos dessas recaídas, as quais os líderes dessa
empreitada (Moisés e Aarão), tiveram que mitigar fazendo com que aquele
contingente saído do Egito, passasse quarenta anos no deserto, para que todos
daquela geração morressem, e assim não pudessem contaminar seus descendentes
com suas antigas crenças e práticas idólatras.
Não se deve esquecer que era costume naqueles
antigos tempos a expiação e o preparo espiritual através de um retiro no
deserto. Provavelmente a fuga de Moisés do Egito não tenha se dado por força
dos motivos que a Bíblia relata (por matar um feitor egípcio que chicoteava um
hebreu), mas sim por motivos políticos e religiosos. Moisés se internou no
deserto, talvez para fugir da perseguição movida pelos inimigos da nova
religião introduzida por Akhenaton, ou quem sabe, para se preparar para pregar
e difundir essa religião. Todos os antigos profetas faziam isso. Elias fez
isso, Jesus também, os essênios se internaram nas cavernas de Quinran para
preparar a chegada do novo mundo, João Batista vivia pregando no deserto, etc.
Esse comportamento era prática comum naqueles tempos.
Assim, Moisés não teria sido proibido por
Deus de entrar na Terra Santa por causa do problema com as Águas de Meribá. Nem
Aarão teria morrido no deserto por causa disso. Na verdade, tanto Moisés quanto
Aarão hospedavam resquícios das velhas crenças idólatras que o povo de Israel
(e eles mesmos) queriam esquecer. Haja vista que foi o próprio Aarão quem
fundiu e cinzelou o bezerro de ouro. E foi Moisés que cunhou uma serpente de
bronze para servir de cura aos israelitas picados pelas venenosas cobras do
deserto. Recursos tão idólatras e
xamânicos como esses só podiam ter saído de cabeças de homens que antes haviam
servido nos templos egípcios e eram adeptos dessas práticas.
Assim, a morte de Aarão no deserto e a
proibição de Moisés entrar na terra da promessa não foram ordenados por Deus,
mas sim, razões profiláticas, sociológicas e religiosas o exigiram. Salvo
Josué, que era guerreiro e não sacerdote, e por isso mesmo não estava
contaminado pelas velhas crenças, ninguém mais, da velha geração que havia
habitado no Egito, foi autorizado a entrar na nova terra. A profilaxia estava
assim, realizada, e o povo de Deus podia agora construir sua nova pátria,
completamente investido na nova crença. Só assim se pode compreender por que
Deus, sendo justo e perfeito, castigou tão cruelmente dois homens que lhe
serviram tão bem, como Moisés e Aarão.
Na Bíblia tudo faz sentido. Só não faz quando
os exegetas trocam a razão pela fantasia e os líderes religiosos colocam a
ideologia de suas religiões acima de qualquer sentido crítico. Por isso a
Maçonaria, quando aborda esses temas, faz questão de informar que ali se trata
de uma alegoria, ou um simbolismo que transmite uma verdade iniciática, e não
um fato histórico.
Mas seja qual for a verdade de tudo isso, o
fato é que Petra é deslumbrante e as águas do Wadi Musa, sejam ou não as Águas
de Meribá, como querem os jordanianos, e refutam os israelenses, são mesmo uma
dádiva de Deus. Só Ele pode dar aos homens força e inspiração para fazer
surgir, num lugar como aquele, coisas tão maravilhosas. Vale a pena conhecer
essa fantástica obra maçônica dos nossos antigos Irmãos operativos.
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