Por Jean-Michel Mathonière (*)
Liderando as perguntas que são feitas com
maior frequência sobre o Companheirismo existe a de seu parentesco com a
Maçonaria. Para os não iniciados, o uso do mesmo símbolo – o esquadro e
compasso entrelaçados – reforça a ideia induzida pelo lado misterioso e
elitista das duas organizações, que seriam de alguma forma duas faces da mesma
entidade oculta. Para os maçons, há a firme convicção de que existe um
parentesco estreito e que eles seriam primos-irmãos dos Companheiros. Muitos
admitem até mesmo a ideia de que a Maçonaria teria pedido emprestado do
Companheirismo a maioria de seus graus azuis… O fato de que por algum tempo os
historiadores dessas duas sociedade tenham combatido essa ideia perturba um pouco
os espíritos sem, contudo, conseguir fazer tábula rasa das ideias recebidas. Os
Maçons continuam fascinados pelos descendentes dos construtores de catedrais
seriam os Companheiros, uma tradição que permanece evidente para o espírito,
mas que continua a ser vista historicamente em termos de filiações iniciáticas. Sem voltar aos velhos tempos
onde faltam arquivos cruelmente, qual é
exatamente essa relação entre o Companheirismo e a Maçonaria? Concentremo-nos
em alguns aspectos desta questão complexa.
A Dupla
filiação
Sem dúvida, não é inútil lembrar que, antes
de nossos dias, as potências maçônicas e as sociedades de companheirismo não
tinham qualquer ligação. E mesmo que um grande número de companheiros
cultivassem um antimaçonismo pelo menos sólido – atitude herdada do período
Vichista durante o qual o companheirismo francês conheceu uma profunda revolta
e dissensões. Assim, em um grande número de Sociedade do Dever, a dupla
filiação é estritamente proibida e descobrir que esta regra foi violada leva à
expulsão. Em outros companheirismos, esta é uma escolha que se enquadra,
felizmente na esfera da liberdade individual e não provoca outra observação que
avisar o companheiro que quer se tornar um maçom da dificuldade que ele poderá
encontrar para cumprir todas as suas obrigações, tanto companheiristicas e
maçônicas quanto familiares. Sábia atitude caso exista… Podemos também observa
que a dupla filiação é, por assim dizer, tradição em alguns círculos da União
de Companheirismo (muitos de seus fundadores, em 1889, eram maçons), enquanto
que é mais rara no seio da Federação de Companheirismo de Ofício da Construção,
inclusive junto aos Gavots (Companheiros carpinteiros e serralheiros do Dever
da Liberdade, às quais era filiado o famoso Agricol Perdiguier, ele mesmo
iniciado em Maçonaria em 1845).
Se voltarmos no passado, esse fenômeno de
dupla filiação sofreu mudanças substanciais, dependendo do ofício e dos ritos
dos companheiros, e também segundo os
períodos. Assim, ao longo do século XIX, a filiação à Maçonaria é muito
comum, se não quase sistemática entre os canteiros Companheiros Estrangeiros (o
ramo que se afirma de Salomão), enquanto relativamente comum entre os canteiros
Companheiros Itinerantes (o outro ramo, o dos “filhos” Mestre Jacques) antes da
Revolução de 1789 e sob o Império, ela então torna-se muito rara. Mesmo entre
os Companheiros carpinteiros, onde a dupla filiação é moeda corrente entre os
“Índios”, sem ser desconhecida entre os
“Soubise”
Quais eram as razões para a dupla filiação no
passado? Trata-se do reconhecimento implícito de um parentesco? Não. Dois casos
principais parecem emergir a partir do estudo de fontes documentais: de um
lado, é um fato relativamente bem conhecida a partir de meados do século XIX, o
desejo dos Companheiros que concluíram seu Tour de France e não tendo,
portanto, nesta altura, mais contatos com a sua sociedade, de cultivar uma
sociabilidade fraterna baseada em símbolos em parte comuns; por outro lado, e
esse é um fato que ainda não foi provado, a necessidade de os artesãos
itinerantes de ter um máximo de “rede”, a fim de lidar com os perigos do Tour
de France. Claramente, muitos Companheiros do início do século XIX ingressam na
Maçonaria antes mesmo da sua partida no caminho ou durante o mesmo, não só para
ter uma rede de assistência mútua – esta é a vocação primária das sociedades de
companheirismo -, mas duas! Em uma cidade onde seu companheirismo não tem uma
sede e onde eles não podem receber garantia de
caminho seguro se estiverem sem emprego – sacramento precioso lhes é
“devido” se eles estão regulares – e lhes resta ainda o recurso à fraternidade
maçônica … Juntemos a esses dois motivos, para o período do Império, o ingresso
na Maçonaria através de lojas militares, muitos Companheiros tendo passado
pelas forças armadas.
Semelhanças
verdadeiras e falsas
Se é indiscutível que o emblema básico do
esquadro, da régua e do compasso entrelaçados, acompanhado nos Companheiros de
outros elementos que caracterizam o ofício foi usado por algumas corporações,
desde antes da chegada da Maçonaria em França, é importante não ver nisso uma indicação de uma a
influência de uma sobre a outra, e muito menos ainda a prova de uma origem Companheiristica
da Maçonaria. Na verdade, os Companheiros assim como os maçons usavam esse
símbolo para se referir à quinta Arte Liberal, a Geometria, o que para uns como
para os outros era fundamental. Porque considerar este símbolo comum como uma
indicação de um parentesco orgânico, quando
é simplesmente um dos sinais da existência de um substrato cultural
comum, o da arquitetura? Os mesmos instrumentos geométricos foram usados na
época, assim como mais recentemente, como símbolos de Artes e das Ciências, ou
como emblemata moral, sem, no entanto que esse seja o emblema de organizações
pouco ou menos iniciáticas. Não nos esqueçamos que o compasso é, assim como a
serpente, o símbolo da Prudência …
Mais preocupante para os maçons estão alguns
trechos de rituais dos Companheiros que foram publicados, principalmente em
1901 na obra clássica de Etienne Martin Saint-Leon, Le Compagnonage. Painéis de
ritual inteiros podiam ser colocado em paralelo com o ritual maçônico! Diabos!
Não é essa, conforme acreditava Jean-Pierre Bayard, a prova incontestável de
parentesco entre as duas ordens? Não; simplesmente, são os muitos empréstimos
feitos pelas corporações de companheiros, ao longo do século XIX, de fontes
maçônicas, fossem elas iconográficas, rituais ou lendárias. Porque, ao
contrário das ideias recebidas da maioria dos maçons, foram os companheiros que
se “abeberaram” de suas tradições, e não o inverso!
Por quê? São esses empréstimos o resultado do
fenômeno da dupla filiação acima mencionado? Ao fazê-lo, os Companheiros teriam
reconhecido a anterioridade da tradição maçônica sobre a sua própria? Não e não
… Não havia necessidade que os companheiros de “dupla filiação” traíssem seus
juramentos maçônicos: desde o final do século XVIII, era possível para quem
quer que pudesse ler encontrar em biblioteca a essência dos rituais maçônicos.
E muitos Companheiros sabiam ler … Em testemunho existem nas bibliotecas,
exemplares clássicos, tais como obras de Guillemain de Saint Victor, revestidas
de ex-libris companheiristicos. Um pouco mais tarde, eles farão da pitoresca
história da Maçonaria e as sociedades secretas antigas e modernas de Clavel
(1843) um dos seus livros favoritos, como evidenciam os empréstimos que fazem
as estampas companheiristicas dessa
época nas belas gravuras que ilustram essa obra (cf. Laurent Bastard, Imagens
dos Companheiros do Tour de France).
Por que esses empréstimos? Os antigos ritos e
lendas Companheiristicas eram relativamente sóbrios, de essência cristã. O que
está descrito na resolução dos doutores da Sorbonne em 1655 sobre “práticas
pecaminosas, sacrílegas e supersticiosas” de Companheiros seleiros, sapateiros,
chapeleiros, cortadores e alfaiates, eram em sua maior parte encenações da
Paixão, o neófito sendo assemelhado ao Cristo que deveria sofrer antes de
morrer e depois renascer. A chegada da Maçonaria especulativa e a evolução das
mentalidades sob a Revolução vão abalar essa estrutura ritual que se manteve
estável até o final do século XVIII. Naturalmente, os Companheiros tentarão dar
aos seus ritos e lendas a moda e a mentalidade do seu tempo, e enriquecê-los
com muitos detalhes e aventuras. Um pouco antes de 1870, lemos em uma carta de
Jules Napoleão Bastard, um companheiro tanoeiro, que viria a se tornar maçom
alguns anos mais tarde, as seguintes linhas relativas às reformas a serem
introduzidas na sociedade Companheiristica (principalmente estendendo a
recepção para dar-lhe mais carga emocional) e que resumem muito bem o fascínio
exercido então pelo modelo maçônico sobre os Companheiros:
“Mas o que temos para poder ensinar um homem?
Nada, nossos escritos não são tão complicados; faltam grandes coisas […] O que
é preciso? Um livro perfeitamente escrito, contendo detalhes de onde se
originam as sociedades companheiristicas, a classificação de cada corpo de
Estado, ampliar a recepção, aumentar nossos reconhecimentos […] Caminhemos
sobre as pegadas dos maçons, sem imitar os princípios; nada há a ser emprestado
deles […] Para a nossa recepção, assistamos a ela com uma vestimenta adequada,
isto é, vestidos de casaco, cartola, munidos de nossas cores. Tenhamos também o
avental azul bordado em branco e vermelho, onde as ferramentas do ofício
estarão abaixo, as duas colunas do templo e o compasso e o esquadro […] um véu
representando as duas colunas do templo, o ramo de oliveira, um compasso e um
esquadro […] o cão de Pérignan, um
túmulo atrás do véu, todos os companheiros sentados e o primeiro da cidade
interrogará o neófito, o introduzirá com os olhos vendados na referida câmara,
o deixará entregue a estas reflexões, tendo diante de si um esquife coberto com
uma mortalha e duas cores brancas representando a cruz, duas varas sobre o
esquife, uma arma e um punhal, o sol e a lua pintados no vidro em forma de
lanterna. Estes são os Passos de que precisamos. ”
Devemos ressaltar que, precisamente, apesar
das precauções de oratória em relação à Maçonaria, os detalhes que são dados
sobre vestir um avental e a decoração do templo são empréstimos puramente
maçônicos…
O
substrato cultural comum
Na verdade, o primeiro erro a ser cometido
quando se discute esta questão sensível do parentesco entre a Maçonaria e o
Companheirismo é considerá-la como um todo homogêneo. Ora, este não é
absolutamente o caso, especialmente se você volta nos séculos. É mais
apropriado falar de companheirismos, no plural. Na verdade, se alguma forma de
parentesco deve ser procurada, ele não é entre a tradição maçônica e todos os
companheirismos indistintamente, mas em primeiro lugar com as sociedades de
canteiros, ou cortadores de pedras (os “maçons” no velho sentido da palavra ).
Não é também entre a Maçonaria especulativa, como ela se europeizou em meados
do século XVIII e as guildas de companheiros franceses (os Itinerantes e os
Estrangeiros), mas entre as lojas operativas escocesas e Inglesas das quais se
reivindica à tradição especulativa e as corporações de companheiros europeias
de cortadores de pedras.
E o problema não é ficar obcecado sobre o
parentesco ritual, mas identificar e compreender melhor o substrato cultural de
todas essas organizações, se elas possuíam ou não um caráter iniciático, que é
o de o ofício e as artes e ciências estar relacionados com ele. Esta
exploração, sérias e metódicas, promete com certeza belas descobertas. Foi isso
que procurei mostrar na exposição A Regra e o
Compasso, onde se descobrem principalmente as extraordinárias fontes
francesas de um símbolo como a pedra cúbica…
(*) Jean-Michel
Mathonière
Diretor do Centro de
Estudo das guildas de companheiros (Avignon)
Tradução de José
Filardo
Fonte: Bibliot3ca
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