O CAMINHO DE SANTIAGO

Por João Anatalino

O “Caminho de Santiago” na verdade são várias rotas de peregrinação religiosa que levam os místicos adeptos dessa prática iniciática à verdadeira jornada mística por caminhos inóspitos e difíceis, até o santuário de São Tiago Maior, localizado na cidade espanhola de Compostela. São percursos percorridos a pé pelos peregrinos, numa tradição que já vem desde o século XI, quando, segundo dizem, os restos mortais desse discípulo de Jesus foram encontrados no local onde hoje se ergue a sua monumental basílica.
São caminhos que se espalham por toda a Europa e vão desembocar numa rota situada na costa nordeste da Espanha. Portanto, não há apenas um “Caminho de Santiago”, mas vários, que começam em diversos países, como Portugal, França e Inglaterra, e vão se entroncar na rota espanhola, que afinal termina em Compostela.


A tradição que se refere à esse santo diz que esse discípulo, após a morte de Jesus, foi pregar o cristianismo na Espanha. A terra dos espanhóis era, nessa época uma província romana onde o paganismo estava muito entranhado. Dessa forma, São Tiago só conseguiu fazer nove discípulos na Espanha. Desiludido com os espanhóis ele voltou à Judéia onde continuou o seu apostolado. Na Judéia, onde seus companheiros cristãos estavam sofrendo terrível perseguição, além de fazer vários discípulos, ele converteu um sujeito chamado Hermógenes, o qual tinha fama de mago. Muita gente o procurava para resolver seus problemas, de sorte que a sua conversão à doutrina cristã provocou a ira dos habitantes da cidade onde ele vivia, pois a partir dai Hermógenes deixou de atender ao povo que se valia de suas artes. Perseguido pelos coléricos judeus que se viram privado do seu mago, São Tiago foi  denunciado às autoridades romanas. Preso e sentenciado à morte, ele foi decapitado. Seus discípulos, no entanto, tendo Hermógenes á frente, tomaram seus restos mortais e os transportaram para a Espanha, mais precisamente para a região da Galícia, onde eles foram depositados numa gruta de pedra.

Diz-se que  a pedra onde se situava a gruta amoleceu como cera e se tornou um sarcófago natural, onde os restos mortais do apóstolo foram envolvidos. Esse sarcófago foi levado por seus discípulos ao alto de uma colina, onde eles o enterraram, marcando o local com uma cruz. Logo começaram as peregrinações a esse local, onde se dizia, milagres eram produzidos. As pessoas eram curadas de suas doenças físicas e morais, cegos recuperavam a visão, e todos aqueles que procuravam a paz de espírito a encontrava naquele local. Logo foi construída ali uma grande catedral, e o local se transformou em um magnífico santuário, visitado pelos cristãos de todo o mundo.

A LENDA
Abstraindo o fato de que São Tiago tenha realmente pregado na Espanha e que seus restos mortais repousem de fato sobre a colina onde se situa o imponente Santuário de Compostela, a verdade é que o Chamado “Caminho de Santiago”  é hoje considerado muito mais um simbolismo ligado à tradições espirituais do que um costume fundado em um fato histórico.

“Caminhos de Santiago”, era, nos primeiros séculos do cristianismo, a designação que os viajantes que vinham do norte da Europa em direção à costa da Espanha davam à Via Láctea. Essa constelação de estrelas que aponta na direção norte-sul, servia de orientação para todos os peregrinos que se metiam em viagens por mar e por terra.

A Via Láctea, para os povos antigos, sempre foi um símbolo místico de grande significação. Era considerada uma espécie de estrada no céu. Segui-la era sinônimo de encontro do caminho procurado, fosse ele um caminho geográfico, natural, ou místico, de fundo espiritual. Os indígenas da América do Norte e os sacerdotes maias, incas e astecas viam nela o caminho das almas em sua peregrinação pelo céu, em busca do seu destino final. Por isso ela era um símbolo de grande veneração entre a maioria dos povos antigos, que nela viam uma estrada mística, uma árvore celeste, uma serpente cósmica, um rio no céu, enfim, diversos símbolismos, sempre conectados com aspectos místicos.
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Não se encontrou, até hoje, nenhuma prova documental de que o apóstolo São Tiago tenha realmente estado na Espanha, ou que seus restos mortais repousem no solo da Basílica de Compostela. Bernard Rogers levanta a hipótese de que a Lenda de São Tiago e a tradição de percorrer os “Caminhos de Santiago”, sejam, na verdade a expressão de uma crença mística que se origina na tradição alquímica. Percorrer os “Caminhos de Santiago”, para esse autor seria, de fato, uma metáfora do processo que um alquimista devia seguir para obter a Pedra Filosofal. Nesse sentido, toda a lenda possuiria um conteúdo metafórico que deve ser interpretado segundo a linguagem simbólica da alquimia.[1]

No caso, São Tiago é a matéria prima do alquimista que “morre” em virtude de ter convertido o mago Hermógenes ao cristianismo. Hermógenes, como o próprio nome indica é aquele que é derivado de Hermes. Hermes é o símbolo do mercúrio filosófico, a essência da Pedra Filosofal. Levado para a Espanha(terra do sol, o fogo), os restos mortais do santo “derretem” a pedra onde é depositado. A transformação da pedra em cera, realizada pelos restos mortais do santo, realizada pelo mago Hermógenes, e depois a erecção de uma catedral no local onde esses restos mortais foram encontrados representa a etapa final do sonho alquímico, ou seja a obtenção da Pedra filosofal. Não é por outra razão que o local passou a denominar Compostela, pois esse nome significa “compos” ( o que obteve) e stela (estrela), ou seja, aquele que obteve a estrela, metáfora do alquimista que conseguiu sintetizar o composto que resulta na Pedra Filosofal.

Segundo ainda uma variante da lenda, foi uma estrela, que pairando sobre o local onde estava a cruz, denunciou ao primeiro peregrino o lugar exato onde os restos mortais do santo estariam enterrados. Na tradição alquímica, também é uma “estrela”, que indica que o composto filosófico que resultará na Obra está foi finalmente sintetizado.

O CARÁTER INICIÁTICO DA LENDA
Hoje, percorrer os “Caminhos de Santiago” tem o sentido de uma jornada iniciática que é preciso fazer para se obter a iluminação espiritual. Místicos de todas as partes do mundo fazem essa jornada e confessam os benefícios espirituais que advém dessa fantástica aventura espiritual.[2]Trata-se de uma jornada iniciática por excelência, onde o peregrino, ao longo do caminho, é submetido a muitas provas de superação física e grandes desafios psíquicos, nos quais, tal qual uma experiência iniciática de profunda significação mística, ele encontra a sua iluminação. Dessa experiência ele sai transformado, como um iniciado nos Grandes Mistérios, ou analogamente, o crente que se converte após uma profunda experiência espiritual.


Dizem que a igreja onde o corpo do apóstolo foi inumado é um local onde a terra se comunica com o céu. Diziam o mesmo os iniciados nos Mistérios de Ísis e Osíris e os iniciados nos Mistérios de Elêusis, a respeito dos seus santuários. Por isso, as analogias entre a tradição do “Caminho de Santiago” e as antigas iniciações são tão evidentes, bem como as alusões à Via Láctea. Todas essas metáforas são, no fundo, anseios da alma humana na procura de um caminho que leve o seu espírito ao chamado “eixo do mundo”, onde ele encontra o equilíbrio consigo mesmo e efetua um religamento com o centro cósmico de onde emana toda a virtude.

Essa também, como sabemos, é a função da iniciação maçônica, onde o neófito, ao realizá-la, encontra, ao final, a Luz que estava a procurar.

Fonte:Cerberus Magazine
Bibliografia:
[1] Descobrindo a Alquimia, Ed. Círculo do Livro, 1988
[2] Como o escritor Paulo Coelho, que descreveu essa experiência na sua obra “Diário de um Mago”.


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