Por Ir.'. José Maurício Guimarães(*)
Quem
se preocupa com o bem estar da Maçonaria e o progresso de nossas instituições
já deve ter percebido que uma parte dos que pedem iniciação nas Lojas o fazem
por motivos opostos aos padrões de nossa Ordem. Haja vista a quantidade de
obreiros que abandona as Lojas entre o Primeiro e o Segundo Graus. Essas
estatística ninguém tem ânimo de revelar, mesmo para uma pesquisa interna
fundamentada em causas e motivos. Uma ilusão de ótica pode entreter os
sentidos, mas é insustentável ˗ principalmente para pedreiros (maçons) que têm
o olhar refinado pelo duplo parâmetro do Esquadro e do Compasso.
Quando
abordo assuntos como este, alguns se preparam para "vestir
carapuças", mas a atitude correta seria a de submeterem à discussão e à
pesquisa séria o controverso, ao invés de desprezarem algo que nos aflige e
consome parte das nossas energias.
O
problema não para por aí. Dos que permanecem nas Lojas, muitos insistem em
lutar por uma fatia daquilo que erradamente consideram ser nossa Ordem ˗ uma
organização que distribui benesses ou vantagens que não derivam de esforço ou
trabalho.
Não
me canso de falar sobre os reais objetivos da Maçonaria: em primeiro lugar,
propiciar uma Iniciação com "i" maiúsculo, capaz de proporcionar
àqueles que foram introduzidos no simbolismo as condições de conhecerem a si
mesmos. Só depois de Conhecer a Si Mesmo o iniciado estará
apto a prosseguir nos segredos revelados pelo Grau de Mestre ou prosseguir além
do III. Do contrário, a Exaltação será apenas mais uma representação de
princípios metafísicos inatingível para o discípulo despreparado.
Pergunto:
o que é "conhecer a si mesmo" e quantos têm realizado essa
"alquimia"?
O
que é levantar Templos à Virtude? Façamos um exame de consciência; meçamos a
profundidade das masmorras onde deveríamos sepultar os vícios:
˗
O vício ou "doença do endurecimento mental e espiritual; a doença
da rivalidade e da vanglória; da vida dupla, fruto da hipocrisia típica da
mediocridade e do vazio espiritual; das bisbilhotices, das murmurações e dos
mexericos; da indiferença para com os outros; o vício dos círculos fechados; o
vício ou doença do proveito mundano" ˗ este texto em negrito e
entre aspas pertence ao discurso proferido pelo Papa Francisco à Cúria Romana
(cardeais, bispos e monsenhores que formam que formam a estrutura da Igreja)
nas vésperas do Natal de 2014, numa segunda-feira 22 de dezembro, classificando
como doenças os desvios que arrastam as mais sublimes instituições para o
abismo do materialismo.
Entre
nós, os Graus de Aprendiz e o de Companheiro são feitos às pressas e no único
intuito de exaltarem "a toque de caixa" um novo Mestre para compor os
minguados quadros da Loja. As instruções são lidas de qualquer jeito e os
trabalhos para aumento de salário, com raríssimas exceções, são
cópias impessoais dos rituais, plágios de livros, cópias malfeitas da internet e
arremedo do que se diz nos corredores frequentados por falsos instrutores. Mas
se faltam Mestres ou Obreiros nas colunas, o motivo deve ser procurado também
nos processos eleitorais que não suportam chapas de oposição nas Lojas por
receio de o debate, a democracia e o contraditório esvaziarem as instituições e
provocarem cisões. Pelo contrário ˗ quanto mais acirradas forem nossas
discussões, mais fortalecida sai a Maçonaria. Depende também de uma legislação
mais rigorosa não permitir criação de novas Lojas com minguados Obreiros;
depende de as Potências estimularem a fusão e/ou incorporação daquelas que, por
infelicidade, acharem-se momentaneamente impossibilitadas de cumprirem suas
obrigações.
Dito
isso, estou preparado para enfrentar caras amarradas e gente tola me virando as
costas. Mal sabem que não estou servindo a mim mesmo e sim à Ordem em cujos
altares jurei fidelidade.
Precisamos
enfrentar a realidade e sairmos das zonas de conforto.
É
por causa dessas maneiras equivocadas de se tratar o processo iniciático (salvo
honrosas exceções, repito) que a Maçonaria brasileira ficou confinada à
contemplação do próprio umbigo, repetindo os mesmos equívocos do passado e
agindo como Narciso ˗ personagem da mitologia que, encantado com a
própria beleza, deitou-se na margem de um lago e definhou-se contemplando seu
reflexo, até que, apaixonado por si mesmo, atirou-se na água e morreu afogado.
Um
rápido olhar sobre o desenvolvimento da Maçonaria brasileira revela os
fatores externos e a ambição dos "profanos de avental" que
dessacralizaram nossos Templos com discursos enviesados.
Na
primeira na década de 1830, marcada pelas hostilidades dos políticos
brasileiros contra os portugueses, houve a "queda de braço" entre
Gonçalves Ledo e José Bonifácio somadas às sucessivas trocas ministeriais que
levaram o Grão-Mestre, D. Pedro I, a afastar-se do Grande Oriente e abdicar do
trono. O poder maçônico e imperial caíram nas mãos de José Bonifácio que
conduziu a Maçonaria brasileira a seu modo discricionário.
Esse
estado de coisas permaneceu até a Proclamação da República ˗ segunda fase ˗ a
partir de quando os dois primeiros Presidentes ˗ de 1889 a 1894 ˗ foram maçons
militares, Deodoro e Floriano ˗ este último denominado "marechal de
ferro" por ter praticado uma "ditadura de salvação nacional",
salvação essa que colocou os melhores e mais esclarecidos maçons da época na
periferia, com a consequente guindagem de personalidades inexpressivas
(exatamente como acontece hoje, em alguns setores da Ordem e da República,
quando os mais capazes são hostilizados em tudo o que pretendem empreender).
Tanto Deodoro quanto Floriano foram mais militares a serviço das elites do que
maçons a serviço do povo brasileiro. Os Irmãos José do Patrocínio (jornalista e
abolicionista) e Carlos Gomes, imortal compositor, foram vítimas da retaliação
maçônico-republicana. Patrocínio foi "marcado" pelo "irmão"
marechal que o deportou para Cucuí, no alto Rio Negro. Para o longínquo norte
também foi "despachado" o genial Carlos Gomes por ter se recusando
compor um hino para a República; apesar do estrondoso sucesso alcançado na
Europa com a ópera "Il Guarany", Carlos Gomes teve suspensa sua
nomeação para o Conservatório de Música do Rio de Janeiro, sendo despedido para
o Pará, sendo vigiado pelo governo de Lauro Sodré, também maçom, etc. e
tal (1)
Na
terceira fase ˗ que vai de Prudente de Morais (1894) até Washington Luís (1930)
˗ oito entre os onze Presidentes da República foram os chamados "poderosos
Irmãos", mais preocupados em acumular a tríplice função de chefe do
governo republicano, Grão-Mestre do simbolismo e Grande Comendador de algum
Rito. Ainda hoje os desavisados usam o tratamento "poderoso irmão"
sem se darem conta da infeliz conotação dessa expressão nascida do abuso de
poder e ilegítima acumulação de funções na nascente República do Catete (2).
Essa
situação confusa e incoerente terminou em 1930 quando Getúlio Vargas destituiu
o Presidente maçom, Washington Luís, e mandou que os ministros militares o
prendessem no Forte de Copacabana. No mesmo período, Mário Behring ˗ já
distanciado do GOB ˗ vinha consolidando as Grandes Lojas (1927) como Potências
independentes desvinculadas de disputas políticas no âmbito da República.
A
quarta fase durou uma geração inteira, aproximadamente 35 anos, arrastando-se
penosamente até a década de 60, época em que a Maçonaria brasileira cuidou
apenas de conflitos internos, arengas e bate-bocas. As Grandes Lojas e o Grande
Oriente não fizeram mais do que administrarem acusações, chiliques e melindres
entre homens com "barba na cara" (mais ou menos como ainda hoje, em
pleno Século XXI, quando vicejam as camélias, plantas da família das Theaceae,
cuja flor mimosa pode durar vários dias, desde que não se lhes toque as
graciosas corolas, pois quando tocadas, cobrem-se de manchas amarronzadas que
comprometem a livre expressão do pensamento). Enfim: essas suscetibilidades, a
inveja e os afetados impediram que qualquer projeto verdadeiramente maçônico
fosse levado adiante.
A
quinta fase coincide, por conseguinte, com os anos de chumbo da ditadura
militar (de 1964 até a promulgação da Lei da Anistia em 1979). Diante da
repressão, os valentões de nossa Ordem emudeceram e dedicara-se às comemorações
festivas; houve pouquíssimas e pontuais reações.
Vivemos
hoje a sexta fase em solo brasileiro: uma jovem democracia de 37 anos inserida
em quase 200 anos de Maçonaria... e 127 de República: uma organização
construída sobre os escombros de lutas fratricidas e na disputa pelos primeiros
cargos em todos os seus segmentos ˗ uma "autofagia"(3), no conceito
dos historiadores Marco Morel e Françoise Jean de Oliveira Souza.
A
sociedade de hoje ˗ acostumada com a ideia de que nós maçons somos os paladinos
da Liberdade ˗ vem perguntando sobre o que temos feito de concreto, nos últimos
50 anos, pelas causas sociais e o desenvolvimento harmonioso da República
Brasileira; vem questionar sobre projetos sólidos para o futuro... e temos que
reconhecer nosso despreparo, seja em orientarmos a geração atual, e as
próximas, quanto ao protagonismo e direitos próprios dos cidadãos ˗ mesmo
porque não é papel da Maçonaria fazer lobby(4) ou tentar exercer influência
direta nos poderes da República. Não temos projeto algum, apenas ações pífias e
de consenso, levadas adiante penosamente pelos grandes idealistas.
Só
quando levantarmos os olhos dos próprios umbigos e tivermos coragem de dizer
NÃO aos "donos da Maçonaria" e ao mesmismo é que
ficaremos conscientes das areias movediças nas quais fomos abandonados.
a)
O senso de pertencimento como se fossemos "paladinos de alguma
coisa". Infelizmente só alguns se destacam por utilizarem os "canais
iniciáticos" da Maçonaria como mecanismos de atribuição pessoal,
"validando" uma proeminência que, de outra forma, não conseguiriam.
São atitudes, espalhafatosas e extravagantes, mórbidas e risíveis demonstrações
da superestima de suas potencialidades. Só não as percebem os que, destituídos
de ponderação, cometem tamanha imprudência.
b)
A falta do diálogo interno, pela superabundância de instâncias mal copiadas do
mundo profano, e o descuido com o que de mais sagrado é assegurado ao
postulante no Grau de Aprendiz: a garantia da busca constante da verdade sem
obstáculos institucionais ou censuras, mediante o constante exercício da
tolerância e defesa da liberdade de pensamento.
c)
O crescente predomínio dos meios da comunicação eletrônica e a velocidade das
informações diminuiu nossa capacidade de concentração e estudo. De todas as
classes sociais acorre uma geração informatizada antes de ser completamente
educada ou instruída, especialistas em manipular celulares ligados durante as
Sessões. Somos muitos grupos em WhatsUp e poucos interessados
no profícuo convívio da Instrução, a exemplo do que realizam as Escola
Maçônicas e as Lojas de Estudo e de Pesquisas, também levadas adiante por
idealistas que não se curvam no altar da subserviência.
A
própria Maçonaria nos aconselha o melhor antídoto para a cura desses males ˗O
VOTO (secreto e universal), livre e corajoso. Esta é a "arma"
pacífica contra o continuísmo para que, no futuro, haja avaliações de
desempenho e valorização do mérito (que é princípio universal maçônico). Por
que não? Não é dessa forma que funcionam as instituições democráticas e as
normas constitucionais republicanas?
Somos
todos responsáveis pelos Irmãos que, desavisados, frequentam as Lojas 'como
terapia de alívio da sobrecarga existencial, encarando a Maçonaria como o
refúgio para a prática inconsciente do drama de suas angústias pessoais a ponto
de se transformarem em "autômatos freudianos", praticando a
solidariedade apenas pela necessidade de estarem juntos, sem a consciência de
saber o porquê e a finalidade de estarem juntos' (conforme o alerta de Rosemiro
Pereira Leal em seu livro "Morfologia do Rito Maçônico", p. 150;
citado no meu livro "Grande Loja Maçônica de Minas Gerais-História,
Fundamentos e Formação", p. 29).
Ilusões
de ótica não se sustentam.
"Pode-se
enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas
não se pode enganar a todos por todo tempo". Dizem que a frase é de
Abraham Lincoln; se não for de Lincoln, fica sendo minha, e pronto.
..................................................................................................
(1)
embora alguns evitem falar no assunto ou "esquecer o fato", Floriano
Vieira Peixoto foi iniciado na Loja “Perfeita Amizade”, de Maceió, em
1871, confirmando o que já foi dito sobre os aventureiros que
"entram" na Sublime Ordem em busca de vantagens que não demandem
esforço, trabalho ou inteligência.
(2)
Catete: nome de um bairro nobre da Zona Sul, no município do Rio de Janeiro,
onde o Palácio do mesmo nome, outrora sede do presidência da república.
(3)
autofagia: ato de autodestruição pelo nutrir-se da própria carne. Marco Morel
usou o termo em entrevista a O Estado de S. Paulo após o lançamento do livro
"O Poder da Maçonaria" (Editora: Nova Fronteira, 2008); e define a
Maçonaria brasileira como "um espaço de disputa, de embate. Os chamados
republicanos da época e outras tendências também estavam no espaço maçônico,
disputando." É dever de cada um de nós estarmos preparados e bem
instruídos para apagarmos essa ideia que faz de nós a sociedade.
(4)
"lobby" é a "atividade de pressão de um grupo organizado sobre
políticos e poderes públicos, que visa exercer sobre estes qualquer influência
ao seu alcance, mas sem buscar o controle formal do governo" (Dicionário
Houaiss).
(5)
refiro-me à instrução maçônica em sentido amplo: ritualística, moral,
cavalheiresca, espiritual e organizacional (não confundir cavaLHeiresca com
cavaleiresca; enquanto cavaLHeiresco refere-se à pessoa educada, digna e
ilustre, cavaLEIresco é relativo ao que cavalga, o montador, próprio de
quem dirige o cavalo, muar ou burro, arrastando-o pela rédea, estimulando pelo
chicote ou acicatando pelas esporas. Vejam como um sutil letra 'H' pode
estragar tudo.
(*)O Irmão José Maurício Guimarães é Venerável Mestre e fundador da Loja Maçônica de Pesquisas “Quatuor Coronati, Pedro Campos de Miranda”, jurisdicionada à Grande Loja Maçônica de Minas Gerais.
0 Comentários