Por
Irmão Carlos Alberto Carvalho Pires*
Em
427 a.C., na Grécia antiga, nascia um inquieto pensador chamado Aristócles.
Mais conhecido como Platão, devido a seu vasto conhecimento (ou a sua imensa
fronte cefálica), foi discípulo de Crátilo, da escola de Heráclito, e de
Sócrates. Falecido em 347 a.C. é considerado um dos grandes responsáveis pelo
surgimento da Filosofia. Estabeleceu uma vasta doutrina que se divide em trinta
e seis trabalhos, agrupados em nove volumes. Esta robusta obra, chamada de
teoria platônica, passou a ser ensinada na pólis de
maneira sistemática e eficaz a partir de 380 a.C., com a fundação da famosa
Academia – que visava aperfeiçoar os cidadãos nas diversas artes, para que bem
conduzissem os destinos de Atenas.
O
que nos chama a atenção, enquanto praticantes da Arte Real, é que grande parte
de nossa tradição pode ser interpretada e compreendida à luz dos ensinamentos
mais elementares desenvolvidos por este profeta em seu poderoso templo erigido
próximo ao bosque em homenagem ao herói grego Academos. Alguns inquestionáveis
pontos de intersecção doutrinária entre o nosso Simbolismo e a filosofia matter da
Humanidade eclodem com força e vigor à medida que aprofundamos nossa visão
sobre estas concepções. Em meio às meditações transcendentais dos mestres do
Peloponeso as primeiras pedras das Colunas de Hiram já estariam sendo
lapidadas? Vejamos cinco pensamentos que gravitam em torno destas
1-PLATÃO E A ESCADA
DE JACÓ
Platão
ensina que existem duas formas de se interpretar a realidade: uma pelos nossos
sentidos (o mundo dos sentidos) e outra pela nossa intelectualidade (o mundo
das idéias). As pessoas comuns viveriam em uma realidade ilusória, uma vez que
tem uma noção precária do universo, pois o apreendem apenas através dos cinco
sentidos, que são susceptíveis a erros e falhas na interpretação dos fenômenos.
Este nível, que utiliza apenas estes instrumentos de nosso corpo, seria o
patamar mais primário, elementar e acessível de captação do cosmos. Somente
possibilita a formulação de opiniões (a “doxa”) acerca do “ser”, baseadas ou
criadas pela imaginação humana (a “eikasia”)
estimulada a partir dos vetores sensoriais ou por suas crenças (a “pistis”). Neste caos de sentidos e
significados, tudo é passageiro, tudo muda, ou como dizia Heráclito (540 a 470
a.C.), “tudo flui”.
A
essência das coisas, porém, estaria além da capacidade física dos nossos
órgãos. Começaria a ser captada só a partir do segundo nível do saber, nomeado
por Platão como “dianóia” ou
“noesis”, que
incorpora métodos discursivos e dedutivos no processo de entendimento. Estamos
em um patamar intermediário, quase adentrando ao universo das idéias
elementares. Aqui, os modelos basilares de estruturação das concepções são as
figuras matemáticas puras, que existem apenas na dedução intelectual das formas
idias – um quadrado perfeito, por exemplo, jamais é visto na natureza.
Acima
deste nível intermediário, situado entre o olhar pelos sentidos e a visão
abstrata da mente, resplandece o degrau máximo de conhecimento, a “episteme”. Atingindo este nível, dominamos
o “mundo das idéias”, que surge e só é apreensível em função da inteligência.
Sua dinâmica ou fisiologia independe das conjecturas do tempo, uma vez que se
cristaliza pela dimensão do eterno, daquilo que “é” – como afirmaria o digno
representante da tradição pré-socrática, Parmênides (530 a 470 a.C.).
A
trajetória evolutiva dos filósofos, buscando ultrapassar o mundo sensível e
conquistando, assim, o universo das idéias, se apresenta claramente em nossas
Lojas, quando regularmente constituídas. Em todas nossas Sessões Ritualísticas
representamos exatamente esta jornada rumo ao aperfeiçoamento humano, onde as
verdades mais puras e inequívocas se estabelecem. Saindo do mundo profano (o
pavimento mosaico) vamos escalando degrau a degrau os níveis do conhecimento,
que cintila exatamente no mundo das idéias. O processo de asceze intelectual,
tão bem descrito por Platão, foi traduzido pelos Mestres-Maçons como a metáfora
da jornada pelos degraus da escada de Jacó, que se apruma simbolicamente entre
as Luzes Emblemáticas e orienta nossos trabalhos.
2-O MITO DA CAVERNA
E A INICIAÇÃO
Platão,
no capítulo VII de sua obra “A República”, nos apresenta uma alegoria sobre a
condição existencial humana que se constitui na mais famosa e conhecida
construção mitológica da Filosofia, chamada de parábola ou mito da Caverna.
Propõe o mestre que imaginemos uma imensa caverna na qual homens permanecem
acorrentados pelos pés, mãos e pescoços, de costas para a entrada e de frente a
uma grande parede – o fundo da gruta. Ali eles nasceriam, viveriam e morreriam,
por sucessivas gerações. Tudo que enxergavam era a grande murada a frente,
similar a uma tela ou pano de fundo de um palco. Lá fora, um pouco além
da embocadura, haveria uma monumental fogueira, gerando muita luz que iluminava
continuamente as pessoas e os objetos do mundo externo, interpostos entre o
fogo escaldante e a caverna. Nesta condição, sombras destes entes seriam
projetadas para o interior, chegando até a parede. Os sons emitidos pelas falas
e demais eventos também seriam enviados e refletiriam como ecos, pelas pedras.
Assim, qual seria a percepção da realidade captada pelos homens acorrentados?
Afirma Platão que eles enxergariam apenas um eterno desfile de imagens virtuais
e ecos que não se constituiriam na realidade das coisas – seriam apenas
projeções, artefatos ou simulacros da verdade. Eles estariam nas trevas, no
caos e no terror da ignorância e da obtusidade da mente humana que ainda não
teria assimilado a capacidade de ver além das aparências.
De
repente, porém, ocorre um fato insólito. Uma pessoa que permanecia ali, inerte,
toma uma atitude. Dotada de uma capacidade moral e intelectual diferenciadas,
sente uma inefável necessidade de ir além. Cria instrumentos para romper os
grilhões e assim se liberta, girando vagarosamente sua cabeça em direção à
fonte das imagens projetadas, onde está o fogo, depois se levantando e
caminhando serenamente rumo à saída da caverna. Ali recebe a Luz esplendorosa
do Sol, e adquire a Sabedoria, tendo contato pela primeira vez com a verdade.
Este processo é doloroso, pois seus membros e músculos nunca haviam sido
exigidos, assim como seus olhos, que se irritam e lacrimejam com a forte
luminosidade natural. Os raios solares do Meio-Dia chegam a queimar sua pele
sensível, deixando uma marca inequívoca de que o homem, agora, está
transformado. Jamais será o mesmo, pois trilhou um caminho sem volta.
Passado
algum tempo, nosso bravo companheiro resolve retornar à caverna, para encontrar
seus antigos parceiros de cárcere. Ali chegando, porém, fica claro que a
metamorfose em sua alma foi além do que sua vã filosofia podia supor. Ele não
consegue mais se comunicar adequadamente com os outros, pois sua linguagem está
inacessível à capacidade de interpretação dos que permaneceram nas sombras.
Suas experiências no mundo real soam como mentiras, e geram estresse e
descontentamento aos presos, que passam a maltratá-lo. Nosso herói conclui que
deve permanecer calado, no mais profundo silêncio sobre tudo que se passou lá
em cima, quando estiver visitando os ambientes de penumbra.
3-A GEOMETRIA
PLATÔNICA
Platão
afirma que para acessarmos os dois degraus iniciais da escala rumo ao
conhecimento supremo, dependemos apenas de nossos cinco sentidos, como vimos anteriormente.
Portanto, o “mundo das crenças e das opiniões” está à disposição de qualquer
pessoa, mesmo aquela que ainda permanece acorrentada no fundo da caverna. Mas,
para começarmos a traduzir os ideogramas primários do “mundo das idéias”,
perseverando na disposição de compreender a realidade, necessitamos interpretar
o significado das formas matemático-geométricas que existem exatamente neste
plano inicial da asceze para
além da capacidade sensorial. Surge, então, não mais apenas a alegoria do
“homem-comum”. Vemos eclodir a figura do pensador-matemático, que abstrai
sua mente levando-a a círculos improváveis de raciocínio puro. Em outras
palavras: a Geometria se firma como ciência primeira, aquela que rompe os
pórticos de entrada dos templos da verdadeira sabedoria.
Seguindo
a tradição de tantos filósofos que já haviam prenunciado o valor abstrato das
formas poliédricas para o entendimento das realidades além do universo
concreto, Platão desvenda e explica porque há tanta valorização dos mistérios
desta nobre arte por parte dos especuladores contemporâneos. Indo muito além
das questões relacionadas à arquitetura e construções em si, compreender o
sentido das formas geométricas significa entender o próprio processo de
autoconhecimento e de compreensão do Cosmos.
4-DO CAOS AO COSMOS
No
princípio existia o caos, que era a matéria amorfa e sem definição. Depois,
surgiu a organização arquitetural destas estruturas e o cosmos se estabeleceu.
Este conceito global de formação do universo, trabalhado alegoricamente em
nossa ritualística, se apresenta em detalhes na doutrina platônica. A dualidade
entre os dois grandes mundos, o sensível e o das idéias, volta ao cerne nesta
proposição. Para Platão, a causa verdadeira da existência do chamado “mundo
sensível” seria o “mundo inteligível”, ou seja, este gera aquele. As idéias,
que podem ser definidas como sendo os princípios formais de tudo que existe,
estruturam a matéria ilimitada e indeterminada de caráter físico, o receptáculo
sensível chamado também de “chora”.
Mas,
como se processa esta transformação rumo ao equilíbrio? Nosso doutrinador não
nega a existência dos deuses pessoais – comuns na Antiguidade clássica – mas
diz que há uma entidade indefinida, impessoal, estruturalmente múltipla, que se
estabelece na possibilidade de encarar a divindade na perspectiva do
supra-sensível, ou seja, além/acima dos sentidos. Claramente este agente se
refere diretamente ao “mundo das idéias” e às suas infinitas possibilidades.
Este ente determinaria que um deus-pessoal ou artífice plasmador, batizado como demiurgo, se incumbisse de trabalhar a
matéria bruta de acordo com os moldes imutáveis e elementares (as idéias)
criando as cópias que se apresentam no campo sensível.
Em
nossa cosmo-visão, o mundo inteligível ou sensível seria o habitáculo ou a
representação do Grande Arquiteto do Universo, pois dali se extrai as formas
primordiais, e o demiurgo seria
a sabedoria, ou a inteligência – que dá forma justa e perfeita a cada detalhe
do projeto arquitetural da grande obra.
5-A EXISTÊNCIA DO
BEM
Trabalhamos
sempre em busca do aprimoramento moral e intelectual da humanidade. Para que
isso seja possível é necessário que acreditemos na existência de uma força
concreta que impulsione, oriente e determine nossas condutas sempre pela trilha
do reto e justo. Platão, de certa forma, define este vértice condutor de nossos
caminhos e o denomina de “Bem”. Este seria o princípio supremo, estabelecido no
livro “A República”. Nas tradições esotéricas mais antigas tratava-se do número
um, ou unidade.
O
sistema platônico das idéias se forma de acordo com uma hierarquia perfeita,
com ordem e organização, ficando as “idéias inferiores” abaixo das
“superiores”. Temos assim o surgimento de uma pirâmide virtual cujo ápice é
formado pela idéia elementar, unitária ou essencial: o Bem. Este não seria
condicionado por nada mais, pois tem autonomia e potência absoluta, e se
constitui no fundamento que torna todas as outras idéias cognoscíveis à mente
humana. Ele não se equipara à substância (a matéria da qual são extraídas as
coisas) nem à essência (as formas ou idéias elementares), pois está acima de
tudo isso, transcendendo a estes planos de forma inequívoca e eterna.
CONCLUSÃO
Fica
claro que Maçonaria e Filosofia são frutos da mesma árvore da sabedoria
ancestral. Ambas se entrelaçam em uma complexa simbiose de símbolos e
significados, interpretando as inúmeras concepções criadas pela mente humana
para entender o sentido do universo. Analisamos apenas as cinco passagens
acima, que expõe parte do pensamento de Platão, temos a confirmação flagrante
que existem evidentes congruências entre estas duas formas de
Dentre
as várias escolas filosóficas, a chamada Filosofia Antiga, que floresceu na
Grécia em meio às assembléias e debates, exerceu significativa influência
na estruturação de nossa doutrina, cuja essência foi estabelecida em tempos
imemoriais.
Concluímos, portanto, que ser reconhecido como um legítimo iniciado na sublime
Ordem Maçônica equivale a ser considerado, simbolicamente, um digno e valoroso
discípulo do grande mestre Platão.
Irmão Carlos Alberto Carvalho Pires, M.M.
ARLS
Acácia de Jaú 308 Glesp SP – Or Jaú SP
REFERÊNCIAS:
1-
Dinucci, A. “Platão, entre a Filosofia e a Retórica” revista “Prometeus
–Filosofia em revista” ano I, n.2, Julho-Dezembro 2008, pág 1-15;
2-
Jaeger, W. “Paidéia – a Formação do Homem Grego” cap “A Imagem de Platão na
História”, Editora Martins Fontes, 1995, pág 581-591;
3-
Moravcsik, J. “Platão e o Platonismo”, 1ª edição, editora Loyola, 2.006;
4-
Platão, “A República”, Editora Atenas, 6ª edição, 1.956, pág 286-291;
5-
Reale, G. “Para uma Nova Interpretação de Platão” 2ª edição, editora Loyola,
2004;
6-
Reale, G. “História da Filosofia – Antiguidade e Idade Média”, quarta parte,
“Platão e o Horizonte da Metafísica”, Editora Paulus,1990;
7-
Ritual do Simbolismo do Aprendiz Maçom – Rito Escocês Antigo e Aceito, editado
pela GLESP, SP, 2003
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