Por Alain
Bernheim - Tradução José Filardo
Bem conhecidos pelos maçons, o “REAA” é
hoje um dos rituais mais praticados no mundo. Mas de onde ele vem? Para
entender a origem dos rituais das lojas do Rito Escocês Antigo e Aceito devemos
abordar duas áreas intimamente interligados, a história e os “altos graus” que
eles preferem chamar de “graus adicionais”. A menção a esses graus adicionais é
quase tabu em loja simbólica, porque a sua organização é hoje hermeticamente
separada das Grandes Lojas. Mas, nem sempre foi assim. Ao longo do século 18,
as lojas azuis irlandesas trabalhavam com muitos graus adicionais e os
comunicavam aos seus membros. A separação entre os três primeiros graus e todos
os outros, na maioria dos países do mundo, ocorre somente depois de 1813, data
essencial história maçônica. Por quê?
O século 18 além
da Mancha
Durante a segunda metade do século 18,
duas Grandes Lojas rivais compartilhavam a Inglaterra. Uma foi fundada em 1717.
É a ela que devemos as Constituições de Anderson. A outra foi criada também em
Londres, em 1751. Essa criação não foi apenas o resultado de um cisma, porque
os fundadores dessa segunda Grande Loja nunca tinham feito parte da Grande Loja
de 1717. Trabalhadores imigrantes irlandeses, de origens modestas, eles estavam
convencidos de que seu rito era o único autêntico. Eles tiveram a brilhante
ideia de se auto-denominar Grande Loja dos Antigos e atribuir à sua
antecessora, a Grande Loja de 1717 o apelido de Grande Loja dos Modernos. Essas
duas Grandes Lojas excomungaram-se reciprocamente por mais de sessenta anos,
devido às diferenças entre os respectivos rituais, não só na Inglaterra mas
também nas colônias inglesas na América que se emanciparam em 1776 para se
tornar os Estados Unidos da América.
Note-se que as Grandes Lojas da Irlanda
e da Escócia tinha relações apenas com a Grande Loja dos Antigos com a qual
eles estavam de acordo para afirmar que os Modernos não respeitavam os
Landmarks. As duas Grandes Lojas rivais decidiram se unir e fundaram a atual
Grande Loja Unida da Inglaterra. O Ato de União foi assinado em Londres em 25
de Novembro 1813 e ratificado ao som de trombetas em 27 dezembro seguinte. Esse
Ato decretava em seu artigo II: a pura maçonaria antiga consiste em três graus
e não mais, aprendiz, companheiro e mestre, incluindo nela a Suprema Ordem do
Arco Real.
Fórmula admirável ilustrando o senso de
compromisso e a falta de lógica britânica: existem apenas três graus … que são
quatro. É que, para a Grande Loja dos Antigos, a de 1751, a Maçonaria incluía
não três, mas quatro graus, sendo o quarto o do Royal Arch.
O século 18 na
França
Desde 1728 ou 1729, existia a primeira
Grande Loja da França da qual ignoramos a data exata em que foi fundada. A
Maçonaria francesa foi, então, ela também dividida. Em 1773, a maioria das
lojas decidiu que os Veneráveis agora seriam eleitos, enquanto que antes, pelo
menos em Paris, eles eram veneráveis vitalícios. Uma minoria recusou esta nova
disposição e sobreviveu como o Grande Oriente de Clermont. A maioria assumiu o
nome de Grande Oriente de França, que existe ainda hoje. Diferentemente da
Inglaterra, é uma modalidade administrativa a eleição do Venerável de Loja e
não uma questão de ritual, o que separou essas duas Grandes Lojas na França.
Em 1782, o Grande Oriente da França
criou uma Câmara dos Graus que enviará às suas lojas, antes da Revolução de
1789, o texto dos rituais com os quais ela concordava. A união das duas Grandes
Lojas francesas será alcançado em 1799, mas durou apenas cinco anos. Para
entender os motivos, precisamos voltar aos graus adicionais e à fundação do
Supremo Conselho da França em 1804.
O século 18 no
outro lado do Atlântico
No século 18, quando um Maçom recebia um
grau adicional, ele tinha o direito de o transmitir a outro irmão. Na Europa,
esses graus não estavam ainda constituídos em rito ou sistema, e não estavam
sob a autoridade nacional com possibilidade de controlar a sua evolução, com
exceção do Grão Priorado da Helvetia fundado em 1779.
Um comerciante francês, nascido em
Cahors por volta de 1717, Étienne Morin, desempenhou um papel fundamental no
desenvolvimento da Maçonaria em Bordeaux. Ele viajava com frequência entre a
França e Santo Domingo, então uma colônia francesa. Ele recebeu em Paris em
1761 uma carta constitutiva que lhe dava o direito de atribuir os “graus
sublimes” então conhecidos da primeira Grande Loja da França, onde ele fosse.
Voltando a Santo Domingo, ele auferiu lucros com inteligência notável
acrescentando outros graus que ele possuía e fundou na Jamaica em 1769 um
Capítulo abrangendo um sistema de vinte e cinco graus que ele havia criado, a
que chamou Ordem do Real Segredo. Morin morreu na Jamaica, em novembro de 1771.
A Ordem do Real Segredo foi trazida para a América do Norte pelas mãos do braço
direito de Morin, Henry Andrew Francken. Ele prosperaria ali por várias
décadas, mas manteve-se desconhecido na Europa.
A Declaração de Independência dos
Estados Unidos foi escrita em 04 de julho de 1776, na Filadélfia. A guerra
durou seis anos. Em junho 1781 foi realizada uma reunião na Filadélfia, durante
a qual Grandes Inspetores foram nomeados para supervisionar a Ordem do Real
Segredo em vários estados norte-americanos.
Quando a revolta dos negros expulsou os
colonizadores franceses de Santo Domingo, muitos se refugiaram na Carolina do
Sul, em Charleston. Este pequeno porto na costa leste tinha, então, 16.000
habitantes, dos quis um terço de negros. Ali existiam como na Inglaterra duas
Grandes Lojas rivais, os Antigos e os Modernos. Havia, igualmente, desde 1783
uma Loja de Perfeição, desde 1788 um Grande Conselho de Príncipes de Jerusalém
e um Consistório de Príncipes do Real Segredo fundado um pouco mais tarde, um
Capítulo da Rosa Cruz de acordo com o rito do Grande Oriente da França e um
Capítulo da Ordem Real da Escócia.
O Conde de
Grasse-Tilly
Entre os refugiados franceses em
Charleston em 1793 estava um francês 28 anos, o Conde de Grasse-Tilly, cujo
pai, o almirante de Grasse havia ajudado os americanos durante a Guerra da
Independência. Com seu padrasto, Jean Baptiste Marie Delahogue, o Conde de
Grasse fundou em Charleston, em 24 de julho de 1796 uma loja independente, La
Candeur, que somente se filiaria à Grande Loja do Estado da Carolina do Sul
(dos Modernos) em Janeiro de 1796.
No mês de novembro seguinte, chegaria a
Charleston médico da Jamaica, Hyman Isaac Long, Inspector Geral da Ordem do
Real Segredo, que tinha consigo um caderno dos vinte e cinco graus do rito. Ele
estava morrendo e arruinado e a loja La Candeur o ajudou financeiramente. Para
mostrar sua gratidão, Long conferiu os graus do rito a alguns membros da loja
La Candeur, nomeou-os Inspetores Gerais Adjuntos e criou sob a sua autoridade
uma “loja” de Kadosh. Parece que essa ‘loja’ viria a se transformar em Conselho
de Príncipes do Real Segredo depois da morte de Long.
Em 04 de agosto de 1799, Grasse-Tilly
demitiu-se da loja La Candeur e fundou uma nova loja, La Reunion Française sob
os auspícios da Grande Loja dos Antigos. Esta era, de longe, a mais numerosa da
Carolina do Sul, a que pertenciam os membros dos “altos graus” de Charleston,
incluindo os Príncipes do Real Segredo, cujo Consistório tinha anteriormente
sido fundado sob a autoridade de Filadélfia. É provável que discussões tenham
ocorrido entre eles, Grasse-Tilly e Delahogue, mas nada sabemos.
O primeiro
Supremo Conselho
O que se sabe é que em 1 de Janeiro de
1803, o Supremo Conselho dos Estados Unidos anunciou sua criação de 31 de maio
de 1801 em Charleston por meio de uma circular enviada em nível mundial. Essa
Circular listava os 33 graus de seu rito, sob a autoridade de seus Soberanos, Grandes
Inspetores Gerais, e afirmava que a Grande Constituição do grau 33 tinha sido
ratificada em 01 de maio de 1786 por Frederico II, rei da Prússia, então
“Grande Comandante da Ordem do Real Segredo”.
Grasse-Tilly e Delahogue eram membros
desse Conselho Supremo que lhes forneceu credenciais em 21 de fevereiro de
1802. Graças a elas, retornando a Paris em 1804, Grasse-Tilly criou ali o
Supremo Conselho da França. Imediatamente, algumas lojas ditas “escocesas”, que
não reconheciam a autoridade do Grande Oriente da França, colocaram-se sob a
sua autoridade. Em outubro, elas se constituíram se em uma Grande Loja Escocesa
que se reuniu apenas seis vezes. Por meio de uma Concordata que ela assinou com
o Grande Oriente da França, em dezembro, essa Grande Loja desapareceu.
É no texto dessa Concordata que aparece
pela primeira vez a expressão Rito Escocês Antigo e Aceito, expressão que
permaneceu ignorada por muito tempo nos Estados Unidos.
A Concordata foi denunciada e o Supremo
Conselho da França criou lojas azuis sob a sua autoridade. Mas era preciso
distinguir o rito que essas lojas iriam utilizar nos graus simbólicos, e para
fazer isso, elas adotaram, modificando pouco o rito da Grande Loja dos Antigos
que os frances, retornando da América, haviam praticado.
Basta comparar as primeiras divulgações
inglesas dos anos 1760, Three Distinct Knocks e Jachin and Boax, aos rituais
dessas lojas para encontrar sua semelhança e muitas vezes a sua perfeita
identidade.
Antigos e
Modernos, a eterna rivalidade
Quando o Grande Secretário dos Antigos,
o pintor irlandês Laurence Dermott publicou em 1764 a segunda edição de seu
Aimã Rezon, livro que é para usa Grande Loja o que o de Anderson é para a dos
Modernos, vejamos como ele descreve o início de seus rivais:
“Por volta de 1717, alguns companheiros alegres que
tinham recebido o grau de Companheiro (ainda que de maneira rudimentar)
resolveram constituir um Lodge para colocar-se em memória (fazendo) o que lhes
havia sido ensinado anteriormente; ou, se isso revelou-se impossível, para
substituir algo novo que poderia mais tarde passar entre eles por Maçonaria.
Nesta reunião foi feita a pergunta: Alguém conhece o ritual de Mestre? A
resposta sendo negativa, foi decidido, sem objeção, que isso seria sanado por
uma nova redação … ”
Na terceira edição, com seu senso de
humor irlandês, Dermott adicionaria isso:
“Depois de observar durante anos os seus engenhosos
métodos para se mover, concluo que o primeiro foi inventado por um homem que
sofre de dor ciática severa. O segundo por um marinheiro muito acostumados ao
balanço de um navio. E o terceira por um homem que, como uma piada ou porque
ele havia bebido demais, costumava dançar um camponês bêbado.”
Artigo publicado originalmente na Revista Franc-Maçonnerie
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