Da Redação
Em 19 de março de 1314, ao pôr do sol, Paris
testemunhou o desfecho de uma das maiores tragédias da história. Numa pequena
ilha do Sena — a Île des Juifs, próxima ao palácio real — ergueu-se uma pira
improvisada pelos soldados do rei Filipe, o Belo, onde dois homens, acusados de
heresia, foram lentamente consumidos pelo fogo.
Ali tombavam Jacques de Molay, Grão-Mestre da Ordem
do Templo, e Geoffroi de Charney, Mestre da Normandia. Recusando-se a renegar
sua fé e sua honra, suportaram o martírio com uma serenidade sobre-humana.
Envoltos pela fumaça e pelo crepitar das chamas, receberam, como última bênção,
o beijo do sol poente e a compaixão silenciosa da multidão que os cercava.
Diz a tradição — e nenhum historiador jamais
conseguiu refutar — que De Molay dirigiu suas últimas palavras ao povo,
invocando São Jorge, o santo dos cavaleiros, e proclamando a inocência da
Ordem. Então, lançou sua maldição profética: convocou o papa Clemente V a
comparecer diante do tribunal divino em um mês e o rei Filipe IV dentro de um
ano.
A profecia se cumpriu com precisão inquietante:
Clemente V morreu pouco mais de um mês depois, consumido pela doença e, talvez,
pelo remorso; e Filipe, o Belo, sucumbiu sete meses depois, vítima de um
acidente de caça.
O
Julgamento dos Templários
O processo contra os Cavaleiros Templários é um
dos episódios mais sombrios da Idade Média.
Conforme observou H. C. Lea, em sua monumental História
da Inquisição na Idade Média, o julgamento dos Templários representa o exemplo
clássico do mecanismo inquisitorial — um processo sem defesa, movido por
fanatismo, tortura e falsificação.
As acusações contra a Ordem, formuladas por Filipe,
o Belo, e legitimadas pelo inquisidor da França, eram tão grotescas quanto
absurdas: negavam a Cristo, cuspiriam na cruz, beijariam-se de modo profano e
cultuariam uma misteriosa cabeça barbuda chamada Baphomet.
Essas confissões, arrancadas sob tortura, foram
apresentadas como provas irrefutáveis de heresia.
Na madrugada de 13 de outubro de 1307, todos os
templários do reino foram presos simultaneamente. Em Paris, 140 cavaleiros,
liderados por De Molay, foram aprisionados — e o vasto tesouro da Ordem caiu
nas mãos do rei, endividado até a alma com aqueles mesmos cavaleiros que
outrora o haviam protegido.
Dos 138 templários presos na capital, apenas
três resistiram sem confessar. Trinta e seis morreram sob tortura.
Os demais, esgotados e temerosos, foram
forçados a jurar que suas confissões haviam sido “livres e voluntárias” — uma
amarga ironia, pois todos sabiam que a recusa significava mais tormento ou a
fogueira.
A
Supressão da Ordem
Apesar das incoerências e das confissões
obtidas sob suplício, Clemente V — pressionado por Filipe IV — convocou o Concílio
de Viena (1311-1312), que resultou na abolição da Ordem do Templo.
O Papa reconheceu que não havia provas
canônicas suficientes para uma condenação, mas alegou o “escândalo público” e
decretou sua extinção.
Os vastos bens templários foram transferidos
aos Hospitalários de São João de Jerusalém, embora grande parte tenha sido
desviada pela ambição dos príncipes.
Em 19 de março de 1314, após sete anos de
cativeiro, Jacques de Molay, Geoffroi de Charney, Hugues de Peraud e Godefroy
de Gonneville foram levados diante da catedral de Notre-Dame para ouvir sua
sentença de prisão perpétua.
Mas, ao invés de se calarem, De Molay e Charney
ergueram-se e proclamaram publicamente a inocência da Ordem. Sabiam o destino
que os aguardava: pela lei canônica, um herege reincidente deveria ser queimado
vivo.
Naquele mesmo pôr do sol, a fogueira foi acesa.
E as chamas libertaram as duas grandes almas
templárias do peso da carne.
A chama que os consumiu iluminou também o crepúsculo da Idade Média.
A
Questão da Heresia Templária
Seis séculos depois, a dúvida permanece: os
Templários eram realmente hereges?
A ganância de Filipe e a covardia de Clemente
explicam o crime, mas não encerram o mistério.
É possível que, por trás da ortodoxia aparente,
existisse entre os líderes templários uma forma de espiritualidade independente,
um ideal de fé interior, livre da autoridade papal — heresia para a Igreja, mas
elevação para o espírito.
A Regra da Ordem do Templo, inspirada por São
Bernardo de Claraval, admite, no parágrafo 12, o ingresso de cavaleiros
excomungados — um gesto de fraternidade que poderia ter abrigado heréticos e
dissidentes religiosos.
Há ainda paralelos intrigantes entre os
Templários e os Assassinos do Oriente, conhecidos por sua obediência cega ao
“Velho da Montanha” e por uma estrutura hierárquica secreta semelhante.
Essa autonomia espiritual talvez explique o
temor que o Templo inspirava em reis e papas.
E também a simpatia de Dante Alighieri, que na Divina
Comédia exalta os Templários e condena Clemente V e Filipe, o Belo, à punição
eterna.
A veste branca com cruz vermelha — sinal de pureza e sacrifício — reaparece em sua alegoria como símbolo de justiça e redenção.
O
Legado Templário
Diz a tradição que Jacques de Molay, prevendo
seu martírio, transmitiu o comando da Ordem a Jean-Marc Larmenius, perpetuando
uma linhagem secreta de Grão-Mestres.
Segundo registros preservados em Paris e no Grande
Priorado de Helvétie, os Templários que escaparam refugiaram-se na Escócia,
Irlanda, Suécia e Noruega, onde se ocultaram sob as corporações de pedreiros —
origem simbólica da Franco-Maçonaria.
Com o tempo, a Maçonaria herdou não apenas os
símbolos e ideais templários, mas também seu espírito de liberdade e justiça.
O 30º Grau do Rito Escocês Antigo e Aceito, o Cavaleiro
Kadosh, é uma homenagem direta ao martírio de De Molay — e conserva, em sua
essência, o clamor por vingança divina contra a tirania e a corrupção.
Séculos depois, o destino cobraria seu preço: o
último rei da França, Luís XVI, foi executado exatamente no antigo recinto do
Templo.
A lenda conta que, ao cair o sangue real, uma
voz bradou da multidão:
“Povo da França, eu vos batizo em nome de Jacques de Molay e da Liberdade.”
Epílogo
A chama que consumiu os Templários jamais se
extinguiu.
Ela sobreviveu nos rituais, nos símbolos e na
busca interior de todo homem livre que aspira à verdade.
A Ordem do Templo foi destruída pela força, mas
o espírito templário — herético, corajoso, iluminado — renasceu na Maçonaria e
nas consciências que não se curvam à tirania.
A vingança que Jacques de Molay invocou foi
mais do que uma maldição: foi o anúncio da justiça inevitável.
Pois o fogo que o devorou não foi o da
destruição, mas o da purificação.
E dele renasceu, como fênix imortal, o ideal do
Templo Interior.
Esse artigo é baseado em texto original
de por Arturo Reghini


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