Por
Barbara Plett Usher – Correspondente da BBC News na África
Na
cidade sitiada de El-Fasher, em Darfur Ocidental, a guerra civil do Sudão se
transformou em uma tragédia humanitária. Sem acesso a alimentos básicos há
meses, famílias sobrevivem com ração animal enquanto a fome, a cólera e os
bombardeios destroem o último reduto do Exército sudanês na região.
“Nossos
filhos estão morrendo diante dos nossos olhos”, disse uma mãe à BBC em uma
cozinha comunitária. “Eles não têm ligação com o Exército nem com os
paramilitares da RSF. São inocentes. Mas estão sendo condenados.”
A fome como arma de guerra
A
escassez de alimentos elevou os preços a níveis impensáveis: o que antes
garantia uma semana de refeições hoje não cobre sequer um dia. Voluntários em
El-Fasher têm transformado ambaz — um subproduto do amendoim usado como ração
animal — em mingau para alimentar centenas de pessoas.
“Chegamos
ao ponto de comer ambaz. Que Deus nos livre desta calamidade”, disse o gerente
de uma cozinha comunitária.
Organizações
internacionais, como o Conselho Norueguês para Refugiados e Médicos Sem
Fronteiras (MSF), acusam os grupos armados de usarem a fome como arma
deliberada de guerra.
Epidemia de cólera
A
crise alimentar é agravada pelo pior surto de cólera em anos, segundo a MSF:
quase 100 mil casos e 2.470 mortes no último ano. A destruição da
infraestrutura de água potável e as inundações da estação chuvosa alimentam a
epidemia.
Nos
campos de deslocados, como o de Tawila, há apenas três litros de água por
pessoa por dia — menos da metade do mínimo necessário. A maioria depende de
fontes contaminadas.
Zubaida
Ismail Ishaq, grávida de sete meses, chegou ao campo após fugir de El-Fasher.
Seu marido foi capturado, a filha ferida e, pouco depois, ela e a mãe
contraíram cólera. “Não me restou nada”, disse.
Hospitais sem recursos
Poucos
hospitais ainda funcionam em El-Fasher. Os que restam sofrem com falta de
remédios e suprimentos básicos.
“Temos
muitas crianças desnutridas internadas, mas não há um único sachê de alimento
terapêutico”, relatou o pediatra Ibrahim Abdullah Khater, do Hospital Al Saudi.
Segundo ele, várias delas já estão apenas “esperando a morte”.
O cerco da RSF
O
bloqueio imposto há 14 meses pelas Forças de Apoio Rápido (RSF) — grupo
paramilitar que disputa o poder com o Exército desde 2022 — transformou
El-Fasher em um epicentro de destruição. A RSF nega atacar civis e acusa o
Exército de usar moradores como escudos humanos, mas relatos de campo apontam o
contrário: estradas bloqueadas, extorsão, violência e ataques contra quem tenta
fugir.
Centenas
de milhares abandonaram a cidade e o campo de deslocados de Zamzam, tomado pela
RSF em abril. Para quem permanece, a luta é sobreviver a cada dia.
Apelo ignorado
A
ONU pressiona por uma trégua humanitária para permitir a entrada de comboios de
alimentos. O Exército já autorizou, mas a RSF mantém o bloqueio. Conselheiros
do grupo paramilitar afirmam temer que a pausa seja usada para “reabastecer as
milícias sitiadas”.
Enquanto
negociações fracassam, a população de El-Fasher clama por socorro.
“Estamos
exaustas. Queremos que este cerco acabe”, disse Faiza Abkar Mohammed, uma das
mulheres da cozinha comunitária. “Mesmo que lancem comida do ar, qualquer coisa
— estamos completamente exaustas.”
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