Diversos
historiadores maçons se dedicaram a contar e recontar a história do surgimento
da Maçonaria Especulativa como conhecemos hoje. As versões são geralmente
bastante similares entre si e, pelo conteúdo, se parecem com as histórias
contadas para crianças antes de dormir:
“Era uma vez, há muito tempo atrás, os maçons
operativos, que construíam castelos e catedrais. Eles começaram a aceitar
nobres, burgueses e intelectuais na Maçonaria, chamados de “Aceitos” ou
“Especulativos”. Esses se apaixonaram pela Maçonaria e trouxeram outros nobres,
burgueses e intelectuais. Em pouco tempo, eles se tornaram maioria. E com o
passar dos anos, a Maçonaria foi se aprofundando nos aspectos filosóficos e
intelectuais, até que não se via mais maçons operativos na Maçonaria. E os
maçons especulativos viveram felizes para sempre.”
Parece
uma ótima história para explicar ao seu filho de cinco anos de idade o motivo
de você ser um “pedreiro-livre” e não construir casas. Mas, definitivamente,
não serve como História da Maçonaria, em pleno século XXI, a ser ensinada ao
novo maçom de hoje, que possui nível superior e um mínimo de senso lógico e crítico.
Não
se pode contar a história da Maçonaria e de sua transição de Operativa para
Especulativa sem considerar o contexto histórico e os aspectos socioeconômicos
da época. A extinção da Maçonaria Operativa não se deveu por um simples
processo de evolução interna dentro da Maçonaria, que teria então evoluído para
Especulativa. Não foi um movimento interno, impulsionado pelos membros
“aceitos”, que assumiram a liderança da instituição e promoveram seu
desenvolvimento por uma via mais intelectual e elitista. Na verdade, foi um
movimento estritamente externo e incontrolável pela Maçonaria. Para se
compreender o fenômeno, deve-se, antes de tudo, contextualizá-lo:
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A
Maçonaria, sendo antiga e ocidental, teve logicamente origem no Velho Mundo: a
Europa. Documentos históricos como a “Carta de Bolonha” (Século XIII), o “Poema
Regius” (Século XIV), os Manuscritos de “Cooke” e “Estrasburgo” (Século XV) e
alguns outros confirmam essa teoria, apresentando a Maçonaria Operativa, com
suas cerimônias e Antigos Costumes, antes mesmo do descobrimento do Novo Mundo.
Assim sendo, nada mais natural do que as primeiras Grandes Lojas terem surgido
na Europa, nas primeiras décadas do Século XVIII.
O
documento mais antigo citado, a “Carta de Bolonha”, evidencia que, já no século
XIII, maçons especulativos conviviam com os operativos. Quando do surgimento da
primeira Grande Loja, na Inglaterra de 1717, é sabido que, das quatro Lojas
fundadoras, três eram compostas predominantemente por maçons operativos. Há
inúmeros relatos e documentos que indicam que, durante quase todo o século
XVIII, Lojas Operativas conviveram com Lojas Especulativas em boa parte da
Europa. Isso significa que, por pelo menos 500 anos, meio milênio, os maçons
operativos conviveram com os especulativos, sendo os operativos maioria.
Afinal, o que então aconteceu com os maçons operativos? Por que eles
desapareceram da Maçonaria no final do século XVIII?
O
que exterminou a Maçonaria Operativa não foi a Especulativa, nem mesmo um
processo de evolução cultural. O que pôs fim à Maçonaria Operativa foi… a
Revolução Industrial. A mudança no processo produtivo, originada pelas
invenções de máquinas e impulsionada pelo surgimento das indústrias, pôs fim à
era de produção manual baseada nas guildas. O trabalho estritamente manual
foi substituído pelo trabalho de controle de máquinas. A iniciativa inglesa
rapidamente se espalhou pela Europa, promovendo um êxodo rural e o abandono dos
ofícios artesanais e manuais para atender a demanda por mão-de-obra industrial.
Ao fim do século XVIII, o maçom operativo não teve outra escolha a não ser se
tornar operário fabril e trabalhar uma média de 80 horas por semana.
Muitos
dos países europeus, preocupados em consolidar o novo modelo econômico,
chegaram a adotar leis proibindo a Maçonaria Operativa. Esse foi o caso do
famoso Ministro Turgot, da França, que determinou que:
“Proibimos todos os mestres e companheiros,
operários e aprendizes do direito de formar associações, ou mesmo assembléias
entre eles, sob qualquer pretexto. Em conseqüência, suprimimos todas as
confrarias que possam ter sido estabelecidas tanto pelos mestres dos corpos e
comunidades, como pelos companheiros e operários, das artes e ofícios”.
Fonte: Recueil
Général des Anciennes Lois Françaises. 1774-1776.
Leis
como essa foram o tiro de misericórdia para as poucas Lojas Operativas que
ainda tentavam sobreviver aos primeiros anos da Revolução Industrial. Dessa
forma, a Maçonaria Operativa desapareceu de vez, ficando a Maçonaria
Especulativa como única e legítima herdeira de sua essência, responsável por
preservar e passar adiante seus ensinamentos.
Essa
é a história real. Sem contos de fadas.
Fonte: No Esquadro
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