Por Barbosa Nunes
Segundo o mestre Aurélio, ele é “tocador de boiada, capataz
de gado, comprador de gado para revenda, marchante”.
Nossos filhos e netos, quase todos, não presenciaram uma
boiada passando pela sua cidade. Lembro-me que pelas ruas do meu querido
Itauçu, onde nasci, a passagem de uma boiada era uma grande atração, ao som
manhoso do berrante. Volto então a este tempo, do saudoso boiadeiro do
estradão, que o poema de Edson Amorim, revela sua tristeza:
“Fui um boiadeiro do estradão. Esta foi minha querida
profissão. Levava e trazia grandes boiadas, cortando lugarejos do antigo
sertão. Era uma vida sofrida, porem animada, montado em meu cavalo alazão!”.
“Saudades sinto da comitiva estradeira e de toda peonada
amiga e campeira, que minha vida de peão muito marcou. Sinto cheiro da poeira e
da boiada marchando, e pareço até ouvir o som do berrante tocando e os encantos
do toque que ele repicou”.
“E o gado caminhava numa toada constante ao comando do toque
do encantado berrante, que quebrava o silêncio do ermo sertão. A frente ia o
boiadeiro ponteiro guiando, e acenando um pano vermelho, avisando que grande
boiada vinha no estradão”.
“Relembro as mocinhas com lenço acenando nos vilarejos que a
comitiva ia passando. Sem malícia os boiadeiros adoravam, e a noite os
solteiros com elas sonhavam. Hoje saudoso e com o corpo cansado, relembrar o
passado, me faz renovado. Rastros de saudade pelo Brasil deixei nas estradas
sem fim que andei. De cada viagem restou uma recordação”.
Esta é uma história de um velho boiadeiro que começou desde
cedo a trabalhar. Hoje cansado, abandonado é “um boiadeiro sem boiada”.
Busquei no trabalho de Maria Oliveira Ferreira Leite e Sueli
Ângelo Furlan, da Universidade de São Paulo, o amparo para falar do boiadeiro, figura
típica dos sertões de São Paulo, Minas e Goiás. Hoje representa parte dos
trabalhadores na região pantaneira, montando em burros, viajando por diversas
paisagens conduzindo boiadas que pertencem a pecuaristas. Esta forma de manejo
se extinguiu com a modernização tecnológica, mas no Pantanal persiste,
principalmente devido ao alagamento de sua planície e em muitas ocasiões é a
única alternativa de transporte.
Conduzindo grandes boiadas por centenas de quilômetros,
viajam meses montados em burros, transportando boiadas que valem milhões e
recebendo cerca de um salário mínimo por mês.
Quantos são os boiadeiros? Estão desaparecendo. Homens que
costumam acordar antes de o sol nascer. Desfazem o acampamento, retiram redes,
encilham a tropa e partem para apanhar o gado. Só irão parar no ponto de
almoço, iniciando nova jornada, onde irão pousar. Em volta do fogo costumam
contar anedotas, cantando músicas sentimentais e algum deles, tristemente
tocando uma viola.
Vestem calça, cinto e botas de couro, guaiaca e a faca, com a
pedra de amolar, camisa, chapéu de feltro. Outro ofício exercido pelo boiadeiro
é o do cozinheiro. Ele conduz a tropa de cargueiros com mantimentos e viaja a
frente da boiada, devendo chegar ao ponto de parada com a refeição pronta para
os boiadeiros. Ali, após “queimado o alho”, os boiadeiros matam a sede, com o
chamado tereré. Bebida feita com infusão de erva-mate com água fria, e a fome
com arroz de carreteiro, feijão gordo, paçoca de carne feita no pilão e carne
assada no “folhão” (chapa). No dia seguinte, o berranteiro avisa que é hora de
“comer poeira” na estrada e a aventura continua até chegar ao destino.
Algumas modas de viola têm como tema o peão de boiadeiro,
como “Boi Soberano”, “Ponteiro de Boiada”, “Menino da Porteira”, “Boi Fumaça”,
“Os Três Boiadeiros”, “A Volta do Boiadeiro”, “Saudosa Vida de Peão”, “Berrante
de Ouro”, “Velho Peão”, “Travessia do Araguaia”, ”Boiadeiro Errante” e muitas outras.
Encerrando este artigo que me possibilita e espero a todos de
cada sábado, uma volta a tempos bons, lembranças muito caras, transcrevo e
sugiro aos que têm voz afinada, que cantem a letra de Indio Vago e Nono
Basílio, já interpretada por inúmeros e expressivos cantores e duplas,
intitulada “Mágoa de Boiadeiro”, em homenagem ao “Boiadeiro sem boiada”.
“Antigamente nem em sonho existia tantas pontes sobre os rios,
nem asfalto nas estradas. A gente usava quatro ou cinco sinuelos prá trazer o
pantaneiro no rodeio da boiada. Mas hoje em dia tudo é muito diferente, com
progresso nossa gente nem sequer faz uma idéia. Que entre outros fui peão de
boiadeiro, por esse chão brasileiro os heróis da epopéia. Tenho saudade de
rever nas currutelas as mocinhas nas janelas acenando uma flor. Por tudo isso
eu lamento e confesso que a marcha do progresso é a minha grande dor.
Cada jamanta que eu vejo carregada, transportando uma boiada
me aperta o coração.
E quando eu vejo minha tralha pendurada, de tristeza dou risada prá não chorar de paixão. O meu cavalo relinchando pasto a fora, que por certo também chora, na mais triste solidão. Meu par de esporas, meu chapéu de aba larga, uma bruaca de carga, o berrante e o facão. O velho basto, o cinete e o mateiro, o meu laço e o cargueiro, o ginete e o gibão. Ainda resta a guaiaca sem dinheiro deste pobre boiadeiro, que perdeu a profissão.
E quando eu vejo minha tralha pendurada, de tristeza dou risada prá não chorar de paixão. O meu cavalo relinchando pasto a fora, que por certo também chora, na mais triste solidão. Meu par de esporas, meu chapéu de aba larga, uma bruaca de carga, o berrante e o facão. O velho basto, o cinete e o mateiro, o meu laço e o cargueiro, o ginete e o gibão. Ainda resta a guaiaca sem dinheiro deste pobre boiadeiro, que perdeu a profissão.
Não sou poeta, sou apenas um caipira e o tema que me inspira
é a fibra de peão. Quase chorando, encolhido nesta mágoa, rabisquei estas palavras
e saiu esta canção. Canção que fala da saudade, das pousadas que já fiz com a
peonada junto ao fogo de um galpão. Saudade louca de ouvir um som manhoso, de
um berrante preguiçoso nos confins do meu sertão”.
Barbosa Nunes, advogado,
ex-radialista, membro da AGI, delegado de polícia aposentado, professor e
maçom do Grande Oriente do Brasil – barbosanunes@terra.com.br
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