Por
Kennyo Ismail
Um
ensaio sobre o medo na iniciação maçônica
A
Maçonaria foi e ainda pode ser dividida dualmente de várias diferentes formas:
Antigos e Modernos, Graus Simbólicos e Graus Superiores, Regular e Irregular,
etc. Mas outra dualidade muito clara que se tem na Maçonaria e ainda é pouco
observada, dualidade essa presente em sua estrutura filosófica, está
relacionada ao medo. Existe muito claramente na Maçonaria Ritos cuja Iniciação
é baseada no medo e aqueles que não o são.
O
que define um maçom? O que difere um maçom de um não-maçom? A Iniciação. Sendo
a Maçonaria uma Escola Iniciática, é a cerimônia de Iniciação que promove a
transformação do indivíduo, de um não-maçom para um maçom. Mesmo aqueles que se
afastam da Maçonaria, voluntaria ou involuntariamente, continuam sendo maçons.
Podem ser chamados de maçons adormecidos (saída voluntária) ou maçons excluídos
(saída involuntária), mas não deixam de ser maçons. Isso porque se considera
que a Iniciação é um ritual de renascimento, de passagem, que modifica moral e
espiritualmente o ser humano, não podendo jamais ser desfeito. Não há,
portanto, como “desiniciar” um maçom, voltando-o ao homem que era antes de ser
iniciado.
A
iniciação pode ser compreendida pelo mito da caverna de Platão. Após enxergar o
mundo fora da caverna, não há como voltar ao estado anterior daquela crença nas
sombras e ruídos. Não há volta. Assim como na alegoria, a iniciação age sobre a
dualidade entre a ignorância e o conhecimento. O ignorante, ao tomar
conhecimento, deixa de ser ignorante naquilo. Mesmo que ele não utilize do
conhecimento adquirido, ele agora conhece e, portanto, não está mais submerso
na ignorância. Assim como não há retorno à caverna para o liberto, não há
retorno à escuridão da ignorância para o maçom. E com base nessa compreensão
ontológica, entende-se que existe o maçom e o não maçom, não havendo
possibilidade de existência de ex-maçom,
meio-maçom ou semi-maçom.
Entretanto,
a Iniciação na Maçonaria, apesar de possuir um núcleo comum presente em todos
os ritos, é composta de diversos elementos que a diferem de um rito maçônico
para outro, elementos esses ligados à proposta, história, culturas e valores de
cada rito. E nos ritos que possuem o medo como um de seus princípios
iniciáticos, muitos desses elementos próprios refletem isso: os momentos
pré-iniciação promovidos tradicionalmente pelas Lojas; a câmara das reflexões,
suas frases, objetos e escuridão; os testes físicos durante a iniciação, com
seus riscos simbólicos; etc.
Essas
iniciações “amedrontadoras” são a base dos ritos que podemos chamar de
“latinos”, os quais sofreram forte influência de outras escolas iniciáticas,
místicas e esotéricas. Todos esses elementos presentes nesses Ritos, e que
claramente não são heranças da Maçonaria Operativa, servem para incutir no
candidato o medo, testando sua coragem e força de vontade. Muitos desses
elementos têm simbolicamente caráter eliminatório, ou seja, a reprovação pode
acarretar na não iniciação do candidato. Na verdade, são empréstimos feitos de
outras Ordens, devidamente modificados e “maçonificados” quando da construção
de tais ritos. Trata-se de algo até de certa forma incoerente com a Maçonaria,
uma fraternidade em que, tradicionalmente, os candidatos são devidamente
escolhidos, garantidos, aprovados e convidados antes da Iniciação, estando ali
de livre e espontânea vontade deles e de todos os maçons presentes, não havendo
motivo para testá-los.
O
único conteúdo genuinamente maçônico que, de alguma forma, pode ser considerado
como relacionado ao medo são as penalidades, essas similarmente presentes em
todos os ritos. Porém, não se trata de uma vivência de medo, como nas situações
impostas nos ritos “latinos”, e sim da pura e simples ciência da existência de
uma penalidade simbólica no caso de infração. Em outras palavras, dá-se
conhecimento de um código de conduta a ser seguido e da penalidade simbólica
aos infratores. Esse é o único elemento que pode ser considerado relativamente
“amedrontador” nos ritos maçônicos anglo-saxões, como o York e o Schroeder, por
exemplo.
Para
se ter uma ideia da preocupação de algumas Grandes Lojas no mundo em realizar
iniciações em que reine a sensação de confiança, e não de medo, aproximando-se
ainda mais do espírito iniciático da Maçonaria Operativa, há alguns anos atrás
a Grande Loja Unida da Inglaterra tomou a iniciativa de, mais uma vez,
modernizar seus rituais, suprimindo tal trecho do juramento. Dessa forma,
extinguiu-se dos rituais ingleses qualquer passagem pela qual possa ser criada
uma sensação de medo no candidato.
De
qualquer forma, como registrado anteriormente, é aquele núcleo comum que torna
a iniciação verdadeiramente maçônica, distinguindo-a das demais iniciações. E
como uma sociedade de pensadores livres, os grupos maçônicos organizados e
regulares tiveram a liberdade de, na devida forma, construírem seus ritos,
acrescentando a eles os elementos condizentes com os valores e crenças que
compartilhavam. Resumindo, não há rito bom e rito ruim, não há rito melhor que
o outro, e sim constructos diferentes sobre a mesma base maçônica. Cabe ao
maçom, como um verdadeiro pesquisador da verdade, compreender tais formações
epistemológicas, optando por aquela ou aquelas mais condizentes com suas
crenças, seu modo de pensar, e respeitando os princípios que as regem. Com ou
sem medo.
Fonte: No Esquadro
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1 Comentários
Engraçado chamar de relativamente “amedrontador”o juramento dos Ritos anglo-saxões.
ResponderExcluirVeja apenas uma diferença. O efeito "medo" no candidato está, nos ritos Latino: durante a iniciação e, nos Ritos anglo-saxões: no Juramento.
Mas o autor é feliz em dizer: "Resumindo, não há rito bom e rito ruim, não há rito melhor que o outro, e sim constructos diferentes sobre a mesma base maçônica."
Ainda bem que temos uma pluralidade de Ritos no Brasil.