Por José Maurício Guimarães
Não
paramos para pensar, questionar ou refletir sobre a tradicional proibição
de se discutirem assuntos sobre religião e política nas Lojas maçônicas. A
razão é muito simples: a moderna Maçonaria (1717) foi estruturada pelos súditos
da Coroa Inglesa, uma estrutura monárquica atrelada à Igreja Anglicana.
Explicando:
A Igreja da Inglaterra separou-se da Igreja Católica Romana em 1534 por
iniciativa do rei Henrique VIII e por causa de um desentendimento dele com
o papa Clemente VII que lhe negava o pedido de anulação do seu casamento com
Catarina de Aragão. O desejo do rei por Ana Bolena e a ideia de que, variando o
leito conjugal pudesse gerar filhos varões, motivou a cisão da Inglaterra com
Roma e o confisco de todas as propriedades que a Igreja Católica possuía na
Inglaterra. E o Anglicanismo, nascido da concupiscência real, impera até hoje,
como Igreja e religião oficial dos ingleses.
Foi
esse o cenário onde viviam os maçons de 1717, em Londres, ao estruturarem
a Maçonaria da Grande Loja da Inglaterra quando reinava George I da
Grã-Bretanha (também rei da França e da Irlanda, Arquitesoureiro e
Príncipe-Eleitor do Sacro Império Romano-Germânico, idem Duque de
Brunsvique-Luneburgo) e expoente máximo da Igreja Anglicana.
Consequentemente,
James Anderson (escocês, ministro da Igreja da Escócia e pastor
presbiteriano em Londres), juntamente com Jean Théophile Désaguliers
(francês e pastor anglicano) cuidaram de redigir os cânones da moderna
Maçonaria como "negócio de Estado" submisso à linhagem religiosa
oficial. O texto completo das Constituições de Anderson (das quais só se
divulga um resumo para ser entregue aos neófitos) tem, como abertura, 48
páginas onde se descreve a história Bíblica (desde Adão) e dos reis ingleses
(desde Guilherme I até John de Montague) estabelecendo assim o caráter
monárquico da nova Maçonaria e a escolha de uma vertente religiosa: a Bíblia judaico-cristã.
Assim
sendo, falar sobre religião nas novas Lojas era visto como ameaça à Igreja
Anglicana; discutir sobre política, um malefício contra a monarquia e
atentado à segurança da descendência real. Os bispos ingleses e a nobreza
bateram seus carimbos sobre a nascente sociedade de "homens livres"
para que assim permanecesse tudo em paz no país das maravilhas, naquela que é a
melhor das ilhas deste que é o melhor dos mundos possíveis. A Commonwealth
of Nations, além de seu caráter imperialista, colonialista e
escravagista, prosseguiu sua caminhada explorando, sob a égide da religião
oficial e dos "homens livres", o Zimbabwe, Granada, Gâmbia, Fiji,
Egito, Costa do Ouro, Córsega, Chipre, Ceilão, Canadá, Camarões, Bornéu,
Birmânia, Belize, Barbados, Bahamas, Austrália, Antígua e Barbuda, Guiana, Hong
Kong, Ilhas Gilbert e Ellice, Ilhas Salomão e Tuvalu, Índia, Jamaica,
Malásia, Nigéria, Nova Guiné, Nova Zelândia, Papua, Quênia, Rodésia, Santa
Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Singapura, Territórios
Árticos, Trindade e Tobago, etc., etc., etc.
Desse
modo e por herança histórica alheia à nossa cultura, carregamos sobre os
ombros, até hoje, passados trezentos anos daquelas proibições imperialistas, o
incômodo fardo de nos silenciarmos sobre os dois maiores pilares da civilização
e do pensamento humano: a Política e a Religião.
Percebam
que, no parágrafo anterior, escrevi Política e Religião com iniciais
maiúsculas, não me refiro à política nanica (politicagem) nem às igrejas cujo
caráter é sectário. Política com "P" maiúsculo vem do grego "politiké"
e "politeía" relativos à "pólis", ou
cidade-estado, isto é: a arte ou a ciência do governo, o estudo dos
comportamentos intersubjetivos, a doutrina do Direito e da moral e a teoria do
Estado, conforme exposto na Ética de Aristóteles. A Religião (ou melhor:
Religiosidade), com "R" maiúsculo, vem do latim "religio",
conjunto de crenças na garantia supernatural de salvação ou transformação
humana.
Por
outro lado, a política e a religião, com "p" e "r"
minúsculos, quando aplicadas à metodologia do estudo maçônico, dizem respeito
aos fuxicos e arengas dos parlamentos e igrejas, ao conluio entre Oficiais da
Ordem e politiqueiros, assim como aos ajustes maléficos das Lojas com facções
clericais e mexericos da política partidária.
A
Política, em sua expressão mais nobre e filosófica, é fundamental à atividade
da Maçonaria. Foi o pensamento Político dentro das Lojas que possibilitou o
surgimento de propostas para o aperfeiçoamento das instituições democráticas,
republicanas, legislativas, judiciárias, e mesmo àquelas revolucionárias. Cito
como exemplos a Maçonaria norte-americana e a Independência dos Estados Unidos
liderada por maçons, notadamente George Washington; a Maçonaria francesa sob
cuja égide se desenvolveram os ideais republicanos na Europa e no resto do
mundo. A partir de l786, no Brasil, os "rebeldes" da Inconfidência
Mineira eram maçons. Apesar da execução de Tiradentes em 21 de abril de l792, o
projeto de libertação cresceu dentro das Lojas. Em 17 de junho de l822, no Rio
de Janeiro, os obreiros da Loja Comércio e Artes criaram o Grande Oriente. Com
forte poder Político, o movimento maçônico conspirou para a Independência,
movimento esse fortalecido pela presença de D. Pedro I, eleito Grão-Mestre. A
abolição da escravatura, a imprensa livre no Brasil, a Proclamação da República
e tantos outros movimentos, tiveram suas origens nas DISCUSSÕES POLÍTICAS
dentro das Loja maçônicas.
Na
mesma esteira, as verificações, investigações e exames de temas levados ao
debate sobre questões psicológicas e de Religiosidade concernentes à formação
cultural do povo e para seu benefício tiveram origem nas Lojas da Europa e dos
Estados Unidos. A defesa do Estado laico (conquista da Maçonaria) partiu da boa
polêmica sobre a intervenção ou não das igrejas (religiões institucionalizadas)
na condução dos negócios do Estado.
A
palavra DISCUSSÃO, do latim 'discussio,onis', tanto pode
significar perturbação, abalo, agitação, desentendimento, briga e altercação
como, por outro lado, o exame, a investigação e verificação de assuntos postos
em debate. A busca constante da verdade está na boa polêmica onde cada
participante defende pontos de vista opostos.
Não
precisamos temer essas discussões, pois a qualidade, a boa educação e formação
intelectual dos membros das Lojas, assim como a competência de suas
diretorias é que farão a diferença entre balbúrdia e estudo. Se ainda não alcançamos
essas boas condições... é outra questão, e vale a pena questionarmos o que
estamos fazendo aqui. Somos uma Ordem Iniciática ou um clube de amigos?
Onde estão os líderes que apregoamos serem formados entre colunas?, eis a
questão.
Portanto,
proibir a abordagem de temas Políticos ou de Religiosidade nas Lojas é castrar
a Maçonaria de sua missão prístina: a busca da verdade e o exercício do
processo civilizatório da sociedade.
Não
paramos para pensar, questionar ou refletir, ainda mais, sobre um outro aspecto:
a tal proibição sobre Política e Religião só aparece entre os monarquistas
Ingleses. Nos Landmarks, compilados por Albert Mackey (1807-1881), não
existe nenhuma objeção a tais assuntos. Claro, Albert Galatin Mackey era
norte-americano, republicano de Charleston, Carolina do Sul, e não devia
favores à Grande Loja Inglesa. Acompanhou o sistema de Grandes Lojas estaduais
independentes e confederadas conforme proposto por George Washington. Daí
a liberalidade dos Landmarks que compilou. Se a questão Religiosa ou
Política fosse impeditiva, Mackey teria cuidado de elencá-la nos Landmarks;
no entanto ele apenas fez uma alusão, no Landmark XXI, ao dizer:
"É indispensável a existência, no Altar, de um Livro da Lei, o livro
que, conforme a crença, se supõe conter a Verdade revelada pelo Grande
Arquiteto do Universo. Não cuidando a Maçonaria de intervir nas peculiaridades
de fé religiosa dos seus membros, esses livros podem variar de acordo com os
credos. Exige, por isso, este Landmark que um Livro da Lei seja parte
indispensável dos utensílios de uma Loja". O texto é claro: a
Maçonaria não toma parte nas peculiaridades religiosas dos seus membros; mas
também não proíbe esses assuntos.
Não
podemos permanecer submetidos apenas às iniciativas de consenso público,
aplaudindo e dizendo amém. Isso seria perpetuar uniformidades de opinião
ou crenças de uma minoria que pretende controlar a Ordem. Precisamos, comurgência,
apresentar PROPOSTAS (ou projetos, como queiram) para a saída dos impasses
social, político e econômico no qual o Brasil está mergulhado.
PERGUNTO:
temos propostas para uma reforma eleitoral no Brasil? temos propostas para a
reforma fiscal ou tributária? temos propostas para a reformas judiciária,
partidária, ou de segurança pública? temos propostas para uma reforma
educacional, que é a mais urgente de todas?
Não,
não temos.
As
Lojas, confinadas num modelo velho de três séculos, desperdiçam sessões e seu
precioso tempo na escolha do refrigerante e dos salgadinhos para as festinhas
do fim de ano. Aliás, é exatamente isso que alguns de nossos dirigentes
querem: que as Lojas continuem simplesmente a bater malhetes, inconscientes do
drama e das angústias pessoais, ignorantes a respeito de nossa missão
individual, a tal ponto de tentarem nos transformar em autômatos sem a
consciência de sabermos o porquê e a finalidade de estarmos juntos, conforme já
assinalou eminente escritor maçônico transcrito por mim em diversas ocasiões.
O
Brasil é hoje um país dividido pela intolerância, pela má formação educacional,
pela péssima distribuição de renda e pelos sofismas partidários. A Maçonaria
brasileira, cuja missão consiste em combater a tirania, a ignorância,
os preconceitos e os erros, glorificar o Direito, a Justiça e a Verdade
promovendo o bem estar da Pátria e da humanidade, também encontra-se
dividida por questões alheias aos interesses do povo maçônico, e vocês sabem do
que estou falando.
Muitos
parecem ansiar por uma "posição oficial" da Maçonaria sobre o atual
momento político. A rigor, nenhum de nós, maçons individualmente, pode se
arvorar nesse terreno, uma vez que só os Grão-Mestres, após ouvirem
"o povo maçônico" em suas respectivas Potências, podem emitir a
"palavra oficial" sobre este ou aquele aspecto. Ou seja: os
Grão-Mestres falam pela maçonaria praticada em suas jurisdições, após uma
consulta às bases, depois de os Obreiros, através de suas respectivas Lojas,
terem se manifestado sobre o assunto submetido à avaliações plenárias.
Por
que ainda não criamos fóruns, seminários e mesas-redondas setoriais e gerais
para auscultarmos nossos membros e levantarmos projetos e propostas de governo?
Haveria, por acaso, o receio de que tais assembleias e debates acabassem
apontando novas propostas para a modificação política também no âmbito da
Maçonaria?
As
escolas maçônicas, as Lojas de pesquisas, as academias e círculos de estudos,
de onde deveriam brotar novas diretrizes condizentes com nossa realidade, são
colocados em plano secundário dentro do protagonismo maçônico, quando não
sabotados em suas atividades.
Infelizmente,
o que vemos em alguns segmentos da Ordem (felizmente poucos, mas
significativos) é uma pregação aberta pela democracia, sendo que, da porta para
dentro, prevalecem regimes nitidamente autoritários.
Talvez
eu não esteja dizendo nada de novo. Mas, com certeza, estou expressando o
anseio de milhares de maçons imobilizados pela inércia geral.
Por
onde começar?
Pelo
estudo detalhado das Instruções do três Graus Simbólicos e pela identificação
minuciosa das claras posições e ensinamentos sobre a Política e a Religiosidade
no pensamento maçônico. Tais posições tornam-se ainda mais exigentes,
contundentes e específicas, nos Graus além do Mestre Maçom; mais exigentes
e contundentes nos dias de hoje, para que possamos sair às ruas e desfilarmos
nossos paramentos com CONHECIMENTO DE CAUSA.
Convido
você para conhecer o meu site
e
inscrever-se nele
(*)O
Irmão José Maurício Guimarães é Venerável Mestre e fundador da Loja Maçônica de
Pesquisas “Quatuor Coronati, Pedro Campos de Miranda”, jurisdicionada à Grande
Loja Maçônica de Minas Gerais
RECEBA NOSSA NEWSLETTER
0 Comentários