Por Kennyo Ismail
O
título deste artigo, “Palavrões aos Grão-Mestres”, foi escolhido, obviamente,
pela sua capacidade atrativa. Porém, o emprego do termo “palavrões” no título
não se refere ao significado mais usual, de “palavras obscenas ou grosseiras”,
mas sim no sentido de “termo empolado”. E nesse caso, para ser mais claro,
“empolado” no sentido de pomposo. Ou seja, o artigo trata dos axiônimos, termos
corteses de tratamento e reverência utilizados ao se dirigir a um Grão-Mestre,
também conhecidos como pronomes de tratamento.
Essa
é uma questão intrigante na Maçonaria brasileira. O Grande Oriente do Brasil e
a maioria dos Grandes Orientes Independentes confederados à COMAB adotam o
termo “Soberano” como pronome de tratamento de seus Grão-Mestres. Já as 27
Grandes Lojas brasileiras adotam oficialmente o termo “Sereníssimo” para seus
Grão-Mestres, assim como alguns poucos Grandes Orientes confederados à COMAB.
Não havendo consenso no axiônimo utilizado no meio maçônico brasileiro ao se
dirigir aos Grão-Mestres, inquire-se qual é a origem do uso dos termos
“Soberano” e “Sereníssimo” na Maçonaria brasileira. Esse é o objetivo principal
deste breve estudo.
Termo Original: Most Worshipful
O
termo maçônico comumente utilizado para se referir a um Grão Mestre é o de
“Most Worshipful”, que pode ser traduzido como “Mui Respeitável”, “Mui
Venerável”, “Venerabilíssimo” ou mesmo o “Mais Venerável”. A adoção desse termo
na Maçonaria data de, pelo menos, 1721, quando Desaguliers resolve entregar o
comando da Grande Loja de Londres (dos Modernos) à Nobreza, tendo sido o
primeiro nobre Grão-Mestre o Duque de Montagu.
Ao
Duque de Montagu é creditada a solicitação para que James Anderson compilasse o
Livro de Constituições, o qual seria publicado em 1723. Porém, as evidências
apontam que tal iniciativa partiu de Desaguliers, que serviu como Adjunto do
Duque de Montagu, e quem de fato dirigia a instituição.
É
fácil compreender a adoção desse termo já nos primeiros anos da primeira Grande
Loja Especulativa. Se o Mestre de Loja recebe o tratamento de “Worshipful”, ou
seja, de “Venerável”, não seria correto que o Grão-Mestre da Grande Loja fosse
tratado como “Most Worshipful”, ou seja, “Mui Venerável”? Um tanto quanto
lógico.
Interessante
observar que Grandes Lojas Estaduais brasileiras em algum momento foram
influenciadas por essa nomenclatura. Sendo as Grandes Lojas dos EUA comumente
chamadas de “Most Worshipful Grand Lodge of…”, muitas Grandes Lojas no Brasil
optaram por adotar a mesma nomenclatura. Porém, traduziram “Most Worshipful”
como “Mui Respeitável”. Isso parece inicialmente um equívoco visto que, no meio
maçônico, a tradução do termo inglês “Worshipful” para o Português sempre foi
“Venerável”. Porém, muitas Grandes Lojas de outros países latino-americanos já
haviam optado por tradução similar do inglês para o espanhol, adotando o termo
“Muy Respetable Gran Logia…”, o que pode ter influenciado na escolha do termo a
ser adotado em português.
Sereníssimo: Século XVIII
O
primeiro registro que se tem do uso do termo “Sereníssimo” ao se referir a um
Grão-Mestre da Maçonaria foi na França, em 1743. Com a morte do Duque de Antin,
primeiro Grão-Mestre da Grande Loja da França, uma reunião emergencial de
Veneráveis Mestres elegeu Louis de Bourbon, o Conde de Clermont, como
Grão-Mestre.
O
Conde de Clermont era um príncipe de sangue, e por isso detinha o direito de
receber o tratamento de “Sereníssimo”, assim como os demais príncipes de sangue
da França. Esse direito foi devidamente observado na Grande Loja da França
durante sua gestão, em que foi chamado de “Sereníssimo Grão Mestre”, ou seja,
um príncipe que ocupa o posto de Grão-Mestre.
Dois
anos após sua morte, em 1773, a Grande Loja da França foi dividida em duas: o
Grande Oriente de França e a Grande Loja de Clermont. Essa última quase não
resistiu à Revolução Francesa, chegando a suspender seus trabalhos. Quando do
término da Revolução, a Grande Loja de Clermont foi incorporada pelo Grande
Oriente de França.
Voltando
ao Grande Oriente de França, que se declara sucessor da Grande Loja de França,
seu primeiro Grão-Mestre foi Louis Philippe d’Orleans, Duque de Orleans e
também príncipe de sangue. Logicamente que, sendo um príncipe, recebia o
tratamento de “Sereníssimo” no Grande Oriente de França. O Duque de Orleans
permaneceu como Grão-Mestre do Grande Oriente de França até 1793, quando fez
uma declaração contra os mistérios e reuniões secretas e acabou sendo
destituído de seu posto, ao qual, diga-se de passagem, nunca fez questão nem
deu a mínima atenção.
Porém,
após 50 anos tratando os Grão-Mestres por “Sereníssimo” (1743-1793), a
Maçonaria francesa passou a considerar esse axiônimo como maçônico. Nada a
impedia quanto a isso, visto então estar vivendo numa República.
O
termo “Sereníssimo”, então consagrado na Maçonaria francesa, berço da Maçonaria
latina, foi amplamente adotado pela Maçonaria de língua espanhola e portuguesa,
muito mais influenciada e próxima dos maçons franceses do que dos britânicos ou
dos norte-americanos. Não é por acaso que ainda é utilizado oficialmente pela
Grande Loja da Bolívia, Grande Loja do Chile, Grande Loja de Cuba, Grande Loja
da República Dominicana, Grande Loja Simbólica do Paraguai, etc. Isso pode ter
influenciado as Grandes Lojas brasileiras que, fundadas a partir de 1927,
adotaram o mesmo axiônimo.
Soberano: Século XIX
Como
se sabe, em Junho de 1822 foi fundado o Grande Oriente Brasílico, o qual
sucumbiu em Outubro do mesmo ano.Entre Outubro e Novembro de 1831 alguns dos
remanescentes desse primeiro se reúnem, “reerguendo suas colunas”, no jargão
maçônico, com o nome de Grande Oriente do Brasil.
Importante
registrar que, em 1830, no ano anterior ao referido “reerguimento”, outro grupo
de maçons já havia fundado um novo Grande Oriente, o Grande Oriente Brasileiro,
com o objetivo de impulsionar o trabalho maçônico no país, e que foi instalado
em Junho de 1831. Porém, personalidades como José Bonifácio e outros partícipes
daquele primeiro Grande Oriente, de 1822, haviam ficado de fora e, aparentemente,
não gostaram nem um pouco disso, partindo rapidamente para a reinstalação do
Grande Oriente Brasílico, agora Grande Oriente do Brasil. Podemos dizer que
essa foi a primeira divisão maçônica por vaidade ocorrida no Brasil.
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É
interessante observarmos que a justificativa apresentada por José Castellani e
William Carvalho para a (re)instalação do Grande Oriente do Brasil ter sido
posterior à instalação do Grande Oriente Brasileiro é a de que os reerguedores
aguardavam “um clima mais liberal, o qual seria propício aos trabalhos
maçônicos”. Digo interessante porque no dia 07 de Abril de 1831 Dom Pedro I
abdicou do trono e nomeou José Bonifácio como tutor do príncipe regente. Isso
significa que durante os meses de abril, maio, junho, julho, agosto e setembro
o “clima” estava bastante “propício” para José Bonifácio, que nenhuma pressa
tinha acerca da Maçonaria. É curioso observar que os líderes do mesmo movimento
maçônico revolucionário de 1822, que em um curto espaço tempo reergueram uma
Loja, iniciaram dezenas de membros, dividiram a Loja em três e fundaram o
Grande Oriente Brasílico com o intuito de promover a independência do Brasil,
que esses mesmos líderes aguardassem “um clima mais liberal” para reerguê-lo.
Essas observações apenas reforçam a teoria de que a motivação foi,
exclusivamente, a tão conhecida vaidade humana, impulsionada pela instalação do
Grande Oriente Brasileiro, liderado por Irmãos considerados “rivais”, em Junho
de 1831.
Mas
voltando aos axiônimos, apesar de desconhecido para muitos maçons brasileiros,
o pronome de tratamento originalmente adotado pelo Grande Oriente do Brasil
referente à Obediência e ao Grão-Mestre era o de “Sapientíssimo”. Durante
quarenta e cinco anos do Século XIX (1832-1877), o líder maior dessa obediência
maçônica do país era predominantemente chamado de Sapientíssimo Grão Mestre do
Sapientíssimo Grande Oriente do Brasil.
O
termo “predominantemente” não foi escolhido à toa. Como se sabe, desde poucos
meses após sua reinstalação até 1951, o Grande Oriente do Brasil era uma
obediência maçônica mista, no sentido de não separação do governo dos graus
simbólicos e dos altos graus, o que era (e ainda é) considerado uma
irregularidade pela comunidade maçônica internacional. Foi no dia 23 de Maio de
1951, por meio do decreto No. 1641, que o então Grão-Mestre do Grande Oriente
do Brasil, Irmão Joaquim Rodrigues Neves, desfez essa irregularidade, ao
promulgar a nova constituição maçônica do GOB.
Entretanto,
no período em que a irregularidade existiu, o Grão-Mestre acumulava o posto de
Soberano Grande Comendador. Os termos corretos empregados no referido período
de quarenta anos do Século XIX eram: “Sapientíssimo” para Grão-Mestre e “Mui
Poderoso” para Soberano Grande Comendador. O “Mui Poderoso”, apesar de
largamente utilizado junto aos Soberanos Grandes Comendadores no restante do
mundo, acabou entrando em desuso no Brasil, talvez pela extensão do título do
cargo (Sapientíssimo Grão-Mestre e Mui Poderoso Soberano Grande Comendador.
Ufa!), ou mesmo pela possível interpretação de que o cargo era de “Grande
Comendador” e que o termo “Soberano” era distintivo. Por isso, durante o
período, o líder maior do GOB era comumente chamado de “Sapientíssimo
Grão-Mestre e Soberano Grande Comendador”. Logo, com o termo “Soberano” supostamente
sendo interpretado como um axiônimo, e não como parte do título, começaram as
aparições da variação “Soberano Grão-Mestre e Grande Comendador”. A partir de
Março de 1877 o uso do termo “Soberano” passou a ser predominante.
Uma
hipótese para a boa aceitação dessa mudança é o fato de que o termo
“Sapientíssimo” era compartilhado por todos os membros da Alta Administração,
não havendo na época um termo distintivo exclusivo para o Grão-Mestre no GOB, o
que pode ter estimulado o uso do “Soberano” em detrimento desse.
COMAB: Soberano ou Sereníssimo?
Os
Grandes Orientes Independentes surgiram a partir da desfiliação de dez Grandes
Orientes Estaduais do Grande Oriente do Brasil, ocorrida em 27 de Maio de 1973
e liderada por Athos Vieira de Andrade, de Minas Gerais, e Danylo José
Fernandes, de São Paulo.
A
partir de 1973, tendo como referências os termos de tratamento de “Soberano” no
Grande Oriente do Brasil e “Sereníssimo” nas Grandes Lojas, os Grandes Orientes
recém-libertos parecem não ter chegado a um consenso. O GOSC – Grande Oriente
de Santa Catarina, por exemplo, adota o termo “Sereníssimo” desde sua fundação.
Já o GOP – Grande Oriente Paulista parece ter inicialmente adotado o termo
“Soberano”, mas optado pelo termo “Sereníssimo” a partir de 2003. Entretanto, a
maioria dos Grandes Orientes confederados à COMAB adota o termo “Soberano”,
herdado do Grande Oriente do Brasil, o que é logicamente natural, visto
manterem a mesma nomenclatura, ritos praticados, e até, em muitos casos, a
mesma estrutura administrativa, basicamente apenas se desfiliando do GOB e
declarando suas soberanias.
Durante
o desenvolvimento deste artigo, algumas autoridades da COMAB foram contatadas e
indagadas se há alguma decisão ou recomendação da COMAB em busca de uma
padronização nos modos de tratamento. A informação obtida foi de que não houve
ainda alguma deliberação nesse sentido, o que parece significar que cada Grande
Oriente tem total autonomia para definir o axiônimo a ser utilizado.
Considerações Finais
Este
artigo não tem a intenção de dizer qual o axiônimo correto ou mais adequado a
ser utilizado ao se referir a um Grão-Mestre. Isso simplesmente é impossível de
ser feito na Maçonaria, especialmente na Maçonaria Latina. Se nem mesmo nos
Estados Unidos, em que as Grandes Lojas costumam chegar a um consenso, não há
unanimidade no assunto, por que esperar isso no Brasil, cuja Maçonaria regular
tem três distintas vertentes e pratica oito diferentes ritos?
Por conta dessa Maçonaria “cosmopolita” praticada no Brasil, não há que se dizer em certo e errado. O que se pode fazer, ou melhor, o que é dever de todo maçom, é buscar a verdade, ou seja, pesquisar e identificar a real origem e razão daquela ação ou interpretação, buscando compreender o contexto de sua ocorrência. E isso sem qualquer julgamento de mérito.
Por conta dessa Maçonaria “cosmopolita” praticada no Brasil, não há que se dizer em certo e errado. O que se pode fazer, ou melhor, o que é dever de todo maçom, é buscar a verdade, ou seja, pesquisar e identificar a real origem e razão daquela ação ou interpretação, buscando compreender o contexto de sua ocorrência. E isso sem qualquer julgamento de mérito.
O
objetivo deste artigo é simples e creio que foi alcançado. Se “Sereníssimo” ou
“Soberano”, pouco importa. São apenas “elogios oficiais”, como, por exemplo,
“Excelentíssimo” para as principais autoridades civis ou “Magnífico” para Reitores
de Universidades. No entanto, um maçom, pela própria natureza da instituição,
não deveria pronunciar ou escrever quase que diariamente um termo maçônico sem
nem ao menos querer saber seu significado, sua origem, sua adoção. Seria o
mesmo que dizer palavras que não se sabe o significado no meio de frases em
conversas na rua. Algo, no mínimo, bizarro.
Fonte: No Esquadro
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