Por Fulvio Conti Tradução José Filardo
O fim da Primeira
Guerra Mundial deixou a Itália presa em uma morsa, entre a ameaça comunista,
“os vermelhos” e uma Igreja sonhando em reencontrar sua onipotência, defendendo
um retorno aos Estados Pontifícios. O movimento fascista nascente aparece como
libertador para todos aqueles herdeiros de Garibaldi, que exaltam a República
secular e a unidade italiana. Os maçons serão então numerosos a se juntar às
fileiras dos camisas negras. Mas a partir de 1922, Mussolini, que assume a
liderança do movimento lhes promete um mundo melhor.
Considera-se
a reunião que teve lugar em Milão em 23 de março de 1919, e que decidiu a
fundação dos Fascios de Combate (Fasci di Combattimento) como o nascimento
oficial do fascismo. Esta reunião teve lugar em um edifício na Piazza San
Sepolcro – daí o nome “de são-sepulcristas” (sansepolcristi) dado então aos
fascistas ditos de “primeira hora” – e mais especificamente em uma sala do
Círculo industrial e comercial que o seu presidente, o empresário Cesare
Goldmann, colocou à disposição de Mussolini. Nunca se chegou a conhecer o
número exato de participantes desta reunião de importância histórica: com toda
a probabilidade, eles eram apenas algumas dezenas, e talvez menos de cem. No
entanto, é certo que muitos maçons estavam entre eles. Assim, o próprio
Goldmann era filiado havia muitos anos ao Grande Oriente d’Itália (GOI) do
palácio Giustiniani, a maior e mais antiga potência maçônica italiana: ela
tinha cerca de vinte mil membros em quatrocentas e oitenta e duas lojas, das quais
quatrocentas e dez na Itália e setenta e duas no exterior. A segunda potência,
em ordem de importância, era a Grande Loja da Itália (Gran Loggia d’Italia),
chamada “de la Piazza del Gesù”, fundada em 1908, depois que um grupo de maçons
do Rito Escocês deixou o GOI. Em 1919, ela incluía entre seis e sete mil
membros e centenas de lojas.
Apoios
de influência
Os
mais famosos dos maçons são-sepulcristas era Roberto Farinacci: iniciado em uma
loja de Cremona em 1915, ocupou de 1925 a 1926 o cargo de secretário do Partido
Fascista Nacional (Partito Nazionale Fascista, PNF); representante do fascismo
mais radical e mais violento, ele foi condenado à morte e executado por
resistentes em abril de 1945. Outro nome que merece destaque é o do industrial
Federico Cerasola, venerável em 1919 da loja regional Lombarda do rito
simbólico. No rescaldo da Marcha sobre Roma (28 de outubro de 1922), foi ele
quem transferiu a Mussolini uma quantidade considerável de dinheiro arrecadado
junto aos maçons para apoiar o partido fascista. Ele tinha organizado a
operação em colaboração com Domizio Torrigiani, Grão-Mestre do GOI, que tinha
dado o seu total apoio a esta iniciativa. Finalmente, notemos que Ambrogio
Binda, o médico pessoal de Mussolini, também era um dos muitos maçons presentes
na reunião na Piazza San Sepolcro. Entre março de 1919 e o final de 1922, o
número de maçons fascistas continuaria a crescer. Em sua História do Partido
Fascista (Storia del Partito fascista), Emilio Gentile mostrou, com o apoio de
documentação, que dos cento e trinta e seis secretários provinciais do PNF em
seus cargos de 1921 até a Marcha sobre Roma, vinte e dois eram maçons. E este
também era o caso dos “quadrumvirs” que conduziram esta mesma Marcha: Michele
Bianchi, Emilio de Bono, Cesare Maria De Vecchi e Italo Balbo, famoso por sua
travessia do Atlântico em avião pertenciam de fato à potência da Piazza del
Gesù. Eles são representados, ao lado de Mussolini, em uma pintura famosa de
autoria de Giacomo Balla, hoje preservada na Pinacoteca Agnelli de Turim, que o
artista futurista pintou por ocasião do décimo aniversário da Marcha sobre
Roma, na parte de trás de sua tela intitulada Velocidade Abstrata. Sobre esta
obra, onde Balla pretendia expressar sua admiração pelo regime fascista,
reconhecem-se outros hierarcas, incluindo Giuseppe Bottai, futuro Ministro de
Assuntos Corporativos e da Educação Nacional e Giacomo Acerbo, ele mesmo também
várias vezes ministro e autor em 1923, de uma nova lei eleitoral que suavizaria
o caminho das listas fascistas ao triunfo. E Bottai e Acerbo também pertenciam
à Grande Loja da Piazza del Gesu. Esta potência abraça mais apertado que o GOI,
e sem hesitação, a causa do fascismo; havia, além disso, entre os seus membros
várias outras personagens de vanguarda deste movimento político: era, por
exemplo, o caso de vários “squadristi” muito violentos, tais como os toscanos
Italo Capanni e Amerigo Dumini, que ficou tristemente famoso por ser o
executor, em 1924, do assassinato de Giacomo Matteotti.
Entre
os muitos maçons fascistas membros do GOI, vale a pena mencionar Aldo Oviglio,
ministro da Justiça do primeiro governo de Mussolini, e Achille Starace,
secretário nacional do PNF de 1931-1939. Capturado em Milão por resistentes em
28 de abril de 1945, Starace foi então fuzilado e seu cadáver exposto na
Piazzale Loreto, perto dos corpos de Mussolini e de outros hierarcas.
Vermelhos
e Negros
Como
explicar que a Maçonaria italiana, que se gabava de suas gloriosas tradições
democráticas e que havia até mesmo tido Garibaldi com Grão-Mestre, sentisse
simpatia pelo fascismo em seu início? Por que ela deu o seu apoio a um
movimento liderado por Benito Mussolini, que em 1914, enquanto ainda militava
no Partido Socialista, conseguiu fazer com que fosse declarado incompatível ser
membro desse partido e da Maçonaria ao mesmo tempo? Especialmente entre 1919 e
1922, este mesmo Mussolini continuou a manifestar desconfiança em relação à
Maçonaria: ele aceitou seu apoio e financiamento, é verdade, mas temia o poder
e a capacidade de condicionamento que ela poderia exercer sobre o Partido
Fascista.
A
resposta a essas perguntas envolve um flashback. Refundada em 1859 graças ao
nascimento do GOI, a Maçonaria italiana sempre foi uma instituição altamente
politizada. A exemplo da Maçonaria francesa, ela se caracterizava por uma
orientação democrática e progressista muito acentuada e uma forte conotação
secular e anticlerical; no entanto, ao contrário do Grande Oriente da França,
ela nunca chegou a uma profissão de fé abertamente ateísta e nunca renunciou ao
Grande Arquiteto do Universo. Havia também entre os seus membros, muitos
representantes do socialismo e do anarquismo. Os primeiros quinze anos do
século XX corresponderam ao período de maior influência sobre a vida política
italiana: nas principais cidades da península, via-se então formar governos
locais muitas vezes inspirados diretamente pela Maçonaria e fundados sobre uma
aliança entre radicais, republicanos e socialistas, os famosos “blocos
populares.” O mais famoso era liderado por Ernesto Nathan republicano, antigo
Grão-Mestre do GOI e prefeito de Roma entre 1907 e 1913.
Assim
como a maçonaria do resto da Europa, a Maçonaria italiana havia cultivado a
ideia de fraternidade universal e apoiou o movimento pela paz e pela arbitragem
internacional. No entanto, ao mesmo tempo, ela tinha se identificados
completamente com os valores nacionais do Risorgimento e tinha desenvolvido um
sentimento de patriotismo visceral; patriotismo este que a levou a lutar contra
todos os adversários da unidade e independência da Itália, na primeira fila dos
quais estavam os católicos, partidários da restauração dos Estados Pontifícios.
Em 1911, ela avia, portanto, dado o seu apoio à guerra contra a Turquia visando
a conquista da Líbia, e em 1914, ela havia dados entusiasticamente seu apoio à
ideia de uma intervenção da Itália ao lado de França e da Inglaterra.
Mas
a Grande Guerra trouxe mudanças radicais. Os socialistas tinham adotado
posições extremistas e revolucionárias, hostis a qualquer forma de colaboração
com a burguesia maçônica. Seu slogan era então “Fazer como na Rússia” e, em
1919-1920, eles haviam assumido a liderança de um surto sem precedentes de
greves e movimentos de agitação social, conhecidos como os “Dois anos
vermelhos” (Biennio rosso). A outra grande novidade subsequente ao primeiro
conflito mundial foi a união definitiva de massas católicas à nação, massas
essas que tinham apoiado o esforço de guerra e começado a se identificar com os
valores patrióticos. O ano de 1919 também viu o nascimento de um partido
católico, o Partido Popular (Partito Popolare): abertamente apoiado pela
Igreja, ele tinha conseguido nas eleições parlamentares daquele mesmo ano,
eleger uma centena de membros do Parlamento. A Maçonaria encontrou-se,
portanto, confrontada por uma dupla ameaça inédita, a dos “vermelhos” e a dos
“negros”: de um lado, os socialistas pró-bolcheviques e anti-maçons, inimigos
dos interesses nacionais; de outro, o partido católico recém-nascido, que se
propunha derrubar todas as muralhas do Estado Secular. Durante a crise que
derrotou os antigos partidos liberais e democráticos, o movimento fascista,
caracterizado em sua origem por uma conotação secular bem marcada, constituiria
aos olhos de muitos maçons italianos uma solução válida e um ponto de ancoragem
sólido. Muitos deles fecharam os olhos aos seus aspectos violentos e
subversivos, e apoiaram Mussolini, em quem eles viam um defensor da ordem
social e dos interesses nacionais. Mas também é verdade que muitos outros
“irmãos” denunciaram imediatamente a brutalidade do fascismo e defenderam as
tradições democráticas da Maçonaria italiana. Este foi particularmente o caso de
Ubaldo Triaca, garante de amizade da Grande Loja de França: após a Marcha sobre
Roma, ele fez um pronunciamento antifascista violento na Loja Italie de Paris.
Meia-volta
e ruptura
O
entusiasmo dos maçons pelo movimento fascista conheceu um arrefecimento brusco
a partir do mês de junho de 1921, quando o primeiro discurso de Mussolini na
Câmara dos Deputados trouxe a confirmação final de sua mudança de orientação em
relação à sua posição original sobre as relações entre a Itália e a Santa Sé.
Ele, de fato, distancia-se da Maçonaria e de sua cultura secularista: “O
fascismo, declara ele, não prega nem pratica o anticlericalismo. O Fascismo […]
não tem qualquer vínculo com a Maçonaria. […] para mim, a Maçonaria é uma
enorme tela atrás da qual se escondem, em geral, as pequenas coisas de pequenos
homens. ” Mussolini acrescenta, em seguida, algumas frases que horrorizaram os
maçons do Palazzo Giustiniani: “A tradição latina e imperial é agora
representada pelo catolicismo”; “A única ideia universal existente hoje em Roma
é o que se irradia do Vaticano. “Se o papado, afirma ainda o orador,
renunciasse à restauração de seu poder temporal, o Estado lhes forneceria”
ajuda e facilidades materiais para escolas, igrejas, hospitais e outras
instalações de que dispõe um poder secular. ”
Este
discurso do verão de 1921 já delinearia a ideia de uma “reconciliação” com a
Igreja Católica, destinada a se concretizar em 1929 na forma do Tratado de
Latrão. E foi precisamente a respeito disso que se produziu a ruptura
definitiva entre a Maçonaria e Mussolini, que não decidiu por acaso incluir
membros do Partido Popular em seu primeiro governo. Em 13 de fevereiro de 1923,
o Grande Conselho do Fascismo estabelece a incompatibilidade entre pertencer ao
PNF e ser filiado à Maçonaria; poucos dias depois, o partido fascista fundiu-se
com o Partido Nacionalista que sempre fora inimigo implacável dos maçons.
Começaria então uma campanha antimaçônica feroz, amplamente veiculada pela
imprensa e marcada por atrocidades e agressões de squadristi ou indivíduos
contra lojas, muitas vezes vítimas de agressões e espancamentos e até mesmo
assassinatos. Enquanto a Grande Loja d’Itália se mantinha fiel a Mussolini, o
GOI, tomaria então o partido a defesa da legalidade democrática e adotaria
posições antifascistas. No verão de 1924, após o assassinato de Giacomo
Matteotti, o protesto da oposição tomou a forma de uma retirada do parlamento
liderada por um ex-ministro maçom, Giovanni Amendola. Em julho do mesmo ano, o
Grão-Mestre Torrigiani foi a Paris para fazer contato com os netos de Giuseppe
Garibaldi (Ricciotti, Peppino e Sante), que, depois de fundar as Legiões
Garibaldianas do Sena, colaboravam com o comitê de ação dos refugiados
antifascistas na França para preparar uma expedição à Itália para derrubar o
regime autoritário.
Sangrenta
repressão e exílio
Mas
agora era tarde demais. Em novembro de 1925, Mussolini lançou o seu ataque
decisivo contra a Maçonaria e fez aprovar uma lei sobre as sociedades secretas
que levaram a dissolução de facto de todas as potências maçônicas italianas.
Muitos membros militantes do GOI nas fileiras dos partidos democráticos,
particularmente entre os republicanos e os radicais viram-se obrigados a tomar
o caminho do exílio, principalmente na França, na Suíça ou na Bélgica. Outros
preferiram, ao contrário, o caminho da oposição corajosa ao regime em sua terra
natal, que lhes valeu a prisão ou banimento: Domizio Torrigiani cumpriu assim
cinco anos de prisão domiciliar em Lipari e depois em Ponza; em 1929, o
Grão-Mestre Adjunto Giuseppe Meoni e o futuro Grão-Mestre Ugo Lenzi foram
condenados à mesma pena. Durante a sua estada forçada em Ponza em 1931,
Torrigiani conseguiu fundar ali uma loja batizada de Carlo Pisacane, o nome de
um herói mártir do Risorgimento. Ela tinha como membros, entre outros “irmãos”
condenados à residência, Placido Martini e Silvio Campanile, cuja vida terminou
em circunstâncias dramáticas: em 1944, em Roma, eles figuram, de fato, entre as
vítimas do massacre perpetrado pelos nazistas nas Fossas Ardeatinas. Forçados a
cessar toda atividade maçónica, a maioria dos vinte mil membros do GOI adotou o
comportamento dos respectivos grupos sociais a que pertenciam, a saber os
círculos da pequena e média burguesia composta por comerciantes, funcionários e
profissionais liberais que decidiram aderir ao regime, ou se fechar em uma
atitude reservada e prudente distanciamento.
Envolvimento
Internacional e pós-fascismo
Os
maçons também trouxeram uma contribuição significativa ao movimento
antifascista estabelecido no estrangeiro e as suas diferentes organizações: na
França, através da Liga italiana de Direitos Humanos (Lega Italiana dei Diritti
dell’Uomo) e o GOI reconstituído no exílio em 1930; na Inglaterra, através da
Loja Ettore Ferrari de Londres; e em Lugano e Genebra, através das atividades
de maçons como Giuseppe Chiostergi e Randolfo Pacciardi, heróis das Brigadas
Internacionais que participaram na Guerra Civil Espanhola para defender ali o
governo democrático; na Argentina e na Tunísia através do engajamento de
colônias de emigrantes italianos que haviam fundado lojas cujas crenças
democráticas não deixavam nenhuma dúvida. Em 1937, o GOI no exílio também
promoveu a constituição de um organismo de ligação entre as diferentes
potências perseguidas. Apesar da brevidade da sua existência, esta organização
testemunhou a vontade dos maçons italianos exilados de dar aos seus membros uma
orientação claramente democrática e antifascista.
Os
mesmos ideais inspiraram a Maçonaria italiana entre 1943 e 1945, quando um grande
número de lojas e potências se reconstituíram rapidamente à medida que a Itália
era libertada da ocupação nazifascista. Seu processo de refundação começou no
dia 26 de julho de 1943 após a destituição de Mussolini. Alguns antigos membros
da loja do Palazzo Giustiniani fundariam em Roma um “Governo da Ordem Maçônica
Italiana” (Governo dell’Ordine massonico italiano), que declarou ter a
finalidade de “aplicar o princípio democrático nos domínios social e político,
sem se identificar com nenhum partido.” Em 10 de junho de 1944, na sequência da
libertação de Roma, a Ordem recuperou o seu antigo nome de Grande Oriente
d’Itália.
Publicado
em Franc-Maçonnerie Magazine – No. 45
– Jan/Fev 2016
0 Comentários