Fundo
histórico
O
que a Maçonaria tem a ver com o holocausto promovido pelos nazistas contra os
judeus, levando seis milhões de infelizes filhos de Israel a uma horrível morte
nos campos de concentração e nas câmaras de gás construídas especialmente para
promover a chamada “solução final”, ou seja, o extermínio total e definitivo de
um grupo étnico, que há mais de três milênios vem incomodando um bocado de
gente pelo mundo afora? Qual a verdadeira origem do conflito entre maçons e
jesuíta? Qual a verdadeira origem do anti-semitismo que envenenou as ditaduras
totalitárias da Europa na primeira metade do século vinte?
Humberto
Ecco, em o Cemitério de Praga, nos responde a essas e outras questões, nos
mostrando o subterrâneo de um mundo desconhecido e sinistro, que nós pensamos
existir apenas na imaginação dos literatos e dos produtores de cinema.
O
autor anteriormente já havia nos brindado com clássicos como o Nome da Rosa e O
Pêndulo de Foucald, que, de algum modo abordam temas recorrentes a este. O
Cemitério de Praga é certamente de um romance, escrito no estilo desse
conhecido filósofo e escritor, mas que trabalha fatos reais e verdadeiros
acontecimentos históricos que marcaram a história recente da civilização
ocidental e ainda hoje repercutem na política e nas crenças das pessoas,
gerando um mundo inseguro e confuso, onde as causas dos conflitos já se
perderam na memória dos povos, mas continuam informando seus
comportamentos.
Em
o Nome da Rosa o autor imagina uma conspiração sendo desenvolvida num mosteiro
medieval, para esconder e evitar que um livro perdido de Aristóteles seja
divulgado e acabe prejudicando a crença de alguns setores da Igreja nas
virtudes do ascetismo e no valor do sacrifício e do sofrimento como caminho
para o céu. Em o Pêndulo de Foucald ele aborda a paranóia dos cultores do
misticismo, que não vacilam em cometer os mais terríveis crimes para botar a
mão no chamado “Tesouro dos Templários”, que eles acreditam existir e
constituir uma das chaves para o poder mundial.
Em
o Cemitério de Praga, Humberto Ecco volta a focalizar a mixórdia que se
desenvolve nos subterrâneos da mente humana quando os homens começam a misturar
política, religião, poder, superstição e a própria vontade natural do ser
humano de prevalecer sobre os demais. E com todos esses ingredientes ele cria
um sinistro ambiente onde a loucura prevalece sobre a razão e a história passa
a ser escrita, não pelos fatos que a natural interação humana costuma provocar,
mas pela intenção deliberada e consciente de pessoas, cuja fixação é fazer prevalecer
suas crenças sobre as demais e mais que isso, tirar proveito pessoal de tudo.
A
história se desenvolve na segunda metade do século XIX, envolvendo os diversos
movimentos revolucionários que sacudiram a Europa. Estão aí retratados os
subterrâneos do pensamento que levaram à unificação da Itália, a criação do
moderno estado da Alemanha, os conflitos que se seguiram à Revolução Francesa e
que fizeram a França moderna, passando pelas Comunas de Paris, a Reconstituição
do Império com Luis Napoleão, a guerra Franco-Prussiana e até as intervenções
russas na política européia, e a conseqüente ascensão do regime comunista, que
foi um dos principais pontos de desequilíbrio na conturbada vida social e
política no velho continente em todo o século XIX.
Nesse
estranho romance iremos encontrar seitas satânicas que tramam conspirações para
tomar o poder, um curioso retrato do herói italiano Giusepe Garibaldi, uma
interessante visão de como foi tramado e desenvolvido o dossiê do famoso caso
Dreyfus, a descrição dos acontecimentos e tramas subterrâneas que levaram á
famosa revolução da Comuna de Paris, com suas barricadas que serviram de tema
para o famoso romance de Vitor Hugo, os Miseráveis, além de uma divertida e
pouco conhecida história sobre a guerra de unificação da Itália, na qual se
envolvem maçons, comunistas, jesuítas, judeus e outros grupos com interesses
subterrâneos e pouco confessáveis, matando-se uns aos outros numa cena e
conspirando conjuntamente em outra. Nele também encontraremos um jovem doutor
Sigmund Freud prescrevendo tratamentos à base de cocaína e hipnose e o famoso
escritor Alexandre Dumas, como maçom e financista da guerra de unificação
italiana. Curiosidades históricas bastante significativas.
Entre
cadáveres nos esgotos de Paris, punhaladas em becos escuros de Turim, Palermo,
Moscou e outras cidades, agentes secretos que fazem jogo duplo, Irmandades
diabólicas que não se detém ante os mais horrorosos crimes para atingir suas
finalidades, missas negras, e principalmente competentes falsários fabricando
documentos, dossiês e outras informações falsas, o cenário para as guerras que ensanguentaram
a Europa no século XX foi preparado.
Utilizando
a forma muito em voga na literatura do fim do século XIX e começo do século XX,
ou seja, folhetim, Humberto Ecco nos mostra como se desenvolveu o espírito dos
homens que produziram as grandes tragédias do século, e principalmente a
filosofia da superioridade das raças que levou ao genocídio de mais de dez
milhões de pessoas, entre judeus, ciganos, eslavos e outras minorias raciais,
consideradas “dispensáveis” pela nova ordem mundial de “super-homens” arianos.
Os
Protocolos dos Sábios de Sião
O
fulcro central da história é a elaboração do famoso dossiê conhecido como
“Protocolo dos Sábios de Sião”, atribuído a um grupo de rabinos reunidos num
cemitério de Praga. Nesse documento, os judeus elaboram uma espécie de carta de
intenções, na qual se projeta as estratégias judaicas para o domínio futuro do
mundo. Nesse documento se descreve como os judeus pretendem manipular as
comunicações, os sistemas educacionais, a ciência, a política, as relações
sociais e trabalhistas, a filosofia, enfim, toda forma de controle do espírito
humano. E isso poderia ser feito através da manipulação da imprensa e da mídia
em geral, dos sindicatos, dos partidos políticos e principalmente pela
exploração dos vícios das pessoas, especialmente a sua propensão para o álcool,
as drogas, o sexo, o prazer irresponsável e a natural alienação das pessoas com
relação aos seus próprios destinos.
Onde
entram os maçons
Um
dos atores mais importantes nesse esquema todo, segundo o enredo do romance,
seriam os maçons. Afinal, a relação entre a Maçonaria e a tradição judaica é
inegável. Não que a Maçonaria seja uma criação exclusiva dos sionistas, como
pareciam acreditar os anti-semitas que perpetraram o holocausto, mas que ela
tem uma identificação cultural e filosófica com a tradição judaica isso não se
pode negar. É da própria filosofia corporativa que informa a criação de grupos
“eleitos” dentro de uma sociedade o fato de que, para sua sobrevivência e até
para manter a mística que os faz atraentes, esses grupos estejam sempre ligados
a uma idéia de conspiração e segredos iniciáticos ligados á uma idéia de
controle da mente humana. Daí o caráter de satanismo que sempre se atribuiu a
esses grupos.
Essa
mística tem acompanhado os judeus por toda sua longa história, e está na origem
da idéia de “povo eleito” que eles a si próprio atribuíram, e também se aplica
aos maçons, enquanto sociedade secreta e iniciática, que congrega pessoas
importantes em todos os sistemas políticos e sociais do mundo, e que parece
sempre estar na base dos movimentos mais importantes da História.
Dessa
forma, todo governo totalitário, quando toma o poder, suas primeiras vítimas
são esses grupos. Napoleão, quando tomou o poder na França, a sua primeira
medida foi colocar os judeus sob uma estrita vigilância e fechar as Lojas maçônicas,
conquanto ele mesmo tivesse sido iniciado em uma delas. Essas medidas também
foram imitadas pelos comunistas quando tomaram o poder na Rússia, por Getúlio
Vargas quando se tornou ditador do Brasil, por Mussolini na Itália e por outros
governos autoritários pelo mundo afora.
Na
Alemanha de Hitler não foi diferente. A par da perseguição e extermínio
sistemático dos judeus, Hitler também fechou as Lojas maçônicas da Alemanha e
jogou nos campos de concentração um grande número de maçons. Segundo ele, a
Maçonaria fazia parte da conspiração mundial dos judeus para a tomada do poder
e a maioria dos maçons era de origem judia. Destarte, ele suprimiu a maçonaria
oficial e criou a sua própria Irmandade, na forma das diversas sociedades
místicas que se desenvolveram na Alemanha nazista.
Hitler
usou as declarações do suposto Protocolo dos Sábios de Sião e os pressupostos
fundamentais da maçonaria para justificar o seu ódio racial pelos judeus e sua
aversão á maçonaria. Evidentemente ele sabia que o tal Protocolo era uma
grosseira falsificação, feita por agentes anti-semitas, da mesma forma que
também tinha consciência de que a Maçonaria não tinha nenhum plano de oposição
ao regime nazista. Mas o poder espiritual e econômico dos judeus era temível e
a inclinação libertária da maçonaria sempre poderia representar um perigo.
Maçons
e judeus tiveram o mesmo tratamento tanto no regime comunista de Lenine Stalin
quanto no regime nacional-socialista de Hitler. Segundo esses arquiinimigos do
espírito humano, eles eram sócios no mesmo empreendimento. Por isso deviam ter
o mesmo destino.
O
romance de Humberto Ecco nos mostra como tudo isso foi preparado. Pelo menos
como se desenvolveu nos bastidores da política e dos interesses escusos dos
grupos e das pessoas que foram responsáveis por esse que foi talvez o mais
triste e lamentável período da história humana, o cenário propício para que
esses acontecimentos ocorressem.
O
Cemitério de Praga não é um livro fácil de se ler. É preciso ter um certo
conhecimento da história contemporânea e um mínimo de informação sobre as
crenças e a filosofia que norteou o pensamento da época. Como o próprio autor
diz, trata-se de um romance escrito à maneira dos folhetins oitocentistas, e
como tal deve ser lido. Só tem um detalhe que precisa ser considerado: todos os
personagens, com exceção do narrador, são verídicos e fizeram o que lhes é
atribuído no romance. Até o protagonista, embora fictício, faz coisas que
realmente foram realizadas.
De
tudo isso o autor nos deixa uma mensagem inquietante: Muitas vezes a História é
construída em cima de mentiras bem ou mal urdidas por interesses de grupos. E o
que vai para os livros ou sobrevive nos resumos nunca é o fato em si, mas a
opinião de quem sobreviveu a eles.
De
qualquer modo é um romance que merece ser lido. Principalmente pelos Irmãos
maçons que da sua Ordem só sabem o que constam dos rituais e dos resumos
apresentados no “quarto de hora de estudos”.
Resenha
do livro “O Cemitério de Praga- Humberto Ecco- Ed. Record, Rio de Janeiro, 2012
João
Anatalino
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