Por João Anatalino
Maçonaria,
sociedade discreta
Falar
de esoterismo na maçonaria é se meter em meio a um grande poço de areia
movediça do qual é difícil de sair. Até porque há uma grande confusão quando ao
que a maçonaria é e que ela não é. Em primeiro lugar ela não é uma sociedade
secreta, como querem muitos Irmãos e como comumente alegam os seus detratores.
Que sociedade pode ser secreta quando ela tem estatutos, regras e CNPJ
registrados em cartório e interage regularmente com a sociedade civil, em
muitos casos, até patrocinando e administrando entidades filantrópicas?
A
maçonaria não é uma sociedade secreta, mas sim uma sociedade discreta. Já foi
muito mais no passado, mas atualmente ela está tão pouco discreta que qualquer
pessoa pode saber tudo sobre a Ordem sem precisar ser iniciado. É claro que ela
não vai ser reconhecida como maçom, mas de ordinário poderá conversar com um
Irmão sobre assuntos da maçonaria como se o fosse. A velha ideia da “goteira” é
hoje mais uma curiosidade cultural do que uma forma de preservação de
“segredos” corporativos que não existem, mas que sempre se agiu como se
existissem.*
Como
disse a historiadora inglesa Frances Yates em seus dois estudos clássicos sobre
as correntes místicas de pensamento que deram origem ao Iluminismo propriamente
dito, [1]a Maçonaria foi a herdeira natural do pensamento Rosacruz, e como
instituição ela é relativamente nova, pois só aparece na história no inicio do
século XVIII após a fusão das Lojas londrinas. Mas teve seus antecedentes
históricos, que se perdem na bruma dos tempos. Segunda essa historiadora, esse
é um assunto muito confuso para ser tratado academicamente, com o que
concordamos plenamente.
A
confusão, em nosso entender, vem da própria estrutura que a maçonaria
desenvolveu ao longo da sua história recente (desde que se tornou uma
organização). Pois ao deixar os canteiros de obra medievais, ela se tornou uma
espécie de sociedade com objetivos um tanto ambíguos, que ora pende para o
academismo filosófico, ora se inclina para a ação social, e não raras vezes, se
confunde com partidos políticos, nos quais se trabalham temas de interesse
partidário. Este último objetivo foi característico da maçonaria durante todo o
século XVIII, XIX e inicio do século XX, quando dela saiu a grande maioria dos
líderes que fizeram a história política das nações ocidentais, especialmente a
do Brasil.[2]
Uma idéia, uma
prática e uma instituição
O
problema é que na história da maçonaria, propriamente dita, se confundem três
objetos de estudo que muitas vezes são tratados como se fosse uma coisa só. O
primeiro é a ideia que nutre a formação da sociedade maçônica; o segundo é a
prática que leva ao comportamento considerado maçônico e o terceiro é a
instituição chamada Maçonaria.
O
primeiro desses objetos é a ideia que está na origem da maçonaria. Essa idéia é
a Utopia, aqui considerada como sendo um desejo do espírito humano de alcançar
uma ordem social perfeita, na qual a justiça seja feita e a felicidade geral da
sociedade seja garantida. Por isso se diz que a maçonaria é tão antiga quanto a
sociedade, e existe desde que se formaram os primeiros grupamentos humanos. O
próprio Anderson, ao escrever as Constituições, livro que até hoje é
considerado a Carta Magna da Maçonaria institucional, diz que Adão, no paraíso
já possuia conhecimentos maçônicos, pois segundo ele “os repassou para seu
filho Seth, que construiu para seu filho Enoch, uma cidade chamada
“Consagrada”. [3]
Evidente
que Anderson não acreditava literalmente que Adão já era um maçom, nem ele era
um místico irresponsável que estava divulgando ideias estapafúrdias a respeito
de uma prática, que naquele momento, já estava conquistando toda a
intelectualidade da Europa. Anderson estava se referindo á ideia que nutre a
sociedade maçônica, que é a ideia da Utopia, ou seja, a da construção da ordem
social perfeita. Que aliás, é o paraíso.
Essa
ideia tem animado os espíritos das pessoas mais sensíveis desde a aurora dos
tempos. No antigo Egito ela era cultivada através do culto á deusa Maat. Esse
culto, que era também uma escola de moral, ensinava que todos os homens de
responsabilidade na sociedade egípcia deviam cultivar a Maaty, ou seja, uma
vida com retidão e justiça, para poderem ser julgados com benevolência no Tribunal
de Osiris [4] Vários filósofos gregos também se ocuparam dessa idéia, com
especial destaque para Platão, que em sua República, deu historicidade ao
conceito da Utopia como realização social e política. No início da Idade
Moderna, a grande maioria dos filósofos que precederam os Iluministas também
trabalhou com esse conceito. A Utopia, portanto, é a ideia que está no cerne do
conceito de maçonaria.
Toda
ideia, cedo ou tarde, gera uma prática. A ideia da Utopia gerou uma série de
práticas sociais que deram estrutura ás sociedades antigas. No Antigo Egito,
por exemplo, deu origem ás Irmandades, como as que existiam em Heliópolis e
Karnac. Eram fraternidades que congregavam as elites do povo egípcio, de onde
saiam seus líderes, inclusive os faraós. Na Israel antiga eram os levitas que
detinham esse poder. Na Grécia antiga existiam as frátrias, grupos familiares
que dominavam a politica e a economia das cidades. [5] Em Roma eram as famílias dos patrícios.
Essa
prática evoluiu mais tarde para a formação das sociedades corporativas. Já na
fase mais desenvolvida do Império Romano vamos encontras os chamados “Collegia
Fabrorum” que eram corporações que administravam e controlavam o trabalho dos
profissionais. Todas as profissões reconhecidas tinham o seu “Collegia”, que
funcionava mais ou menos como um moderno sindicato ou associação de classe.
Aqui, o objetivo era a preservação do mercado e a proteção social do membro da
associação. Foi dessa prática que evoluíram, já na Idade Média, as chamadas
guildas, corporações de ofícios, que congregavam os profissionais dos diversos
ramos econômicos das sociedades da época.
O esoterismo na maçonaria
Todo
historiador que se mete a escrever sobre a história da maçonaria acaba
esbarrando em um problema muito sério, que é a falta de documentos confiáveis,
e principalmente a mistificação que alguns autores naturalmente fazem com um
assunto desses. Historicamente há uma concordância geral entre os estudiosos de
que a Maçonaria originou-se entre os profissionais de construção civil
medievais, especialmente entre aqueles que construíam igrejas. Nestes, a
necessidade de preservar seus segredos corporativos os forçou a criar uma
espécie de cadeia iniciática muito particular, semelhante á uma seita
religiosa, na qual se praticava uma linguagem e uma liturgia própria, que
somente os iniciados dessa confraria de pedreiros podiam compartilhar.
Se
formos estudar os documentos mais antigos que ainda subsistem, vamos ver que o
esoterismo praticado por esses nossos Irmãos mais antigos se resumia á uma
pálida ideia do Pitagorismo que lhes foi inspirado, provavelmente por
arquitetos muçulmanos, que por volta do século VIII trouxeram para a Europa as
primeiras manifestações do estilo gótico na construção dos seus templos. O
Pitagorismo, como se sabe, parte do principio de que Deus constrói o universo
com três elementos fundamentais, que são o som, a forma e o número. Serão esses
três elementos que irão fornecer aos nossos Irmãos operativos o essencial da
sua espiritualidade, pois no seu trabalho de construtor eles irão refletir na
construção das igrejas exatamente essas ideias. De fato, a estrutura da igreja
gótica é um todo que deve contemplar um ideal de sonoridade, forma geométrica
apurada e proporção aritmética perfeita, por que, segundo a crença desses
Irmãos, a igreja gótica era uma maquete do próprio pensamento de Deus, como
Grande Arquiteto cósmico. Ao construir uma igreja, eles estavam imitando a obra
divina na construção do universo. Por isso, o maçom medieval era chamado de
“Pedreiro do Bom Deus”.[6]
A
antiga maçonaria que era praticada nos canteiros de obras medievais não
resistiu ás mudanças trazidas pela Idade Moderna. As próprias organizações que
existiam dentro da Igreja Católica se viram contaminadas pelas correntes de
pensamento que a abertura cultural da Renascença prodigalizou. Uma dessas
correntes foi o Neoplatonismo, que trouxe de volta o gnosticismo, que a Igreja
Católica havia banido da cultura ocidental desde o século IV da era cristã,
quando o Vaticano adotou o credo paulino, no Concílio de Nicéia, como único
credo verdadeiro dos cristãos.[7]
Com
o Neoplatonismo ganharam força dentro da maçonaria várias correntes de
pensamento da chamada filosofia oculta, tal como o Hermetismo (alquimia) e a
Cabala filosófica, que acabaram sendo introduzidas na Ordem através dos
chamados “maçons aceitos”, que na verdade eram intelectuais e pessoas de altos
postos dentro das sociedades da época. Essas pessoas acabaram sendo seduzidas
pela ideia “rosa-cruciana” de uma nova Utopia, mas agora inspirada pelos ventos
da Reforma Protestante e principalmente pelas ideias libertárias do Iluminismo.
[8]
Foi
assim que a maçonaria, a partir do início do século XVIII, quando ela se
organizou como instituição, formalmente reconhecida, incorporou todas as
temáticas que hoje encontramos em seus rituais. Assim, hoje, a Maçonaria
institucional, no seu lado esotérico, nada mais é que o pensamento esotérico
rosa-cruz, na forma como idealizado pelo fundador desse movimento, o lendário
Cristhian Rosencreutz, que na verdade era um famoso alquimista alemão chamado
Johan Valentin Andreas em seus trabalhos Fama Fraternitatis e Núpcias Químicas
de CR..[9]
Nota:
"goteira" é um termo que designa a presença de uma pessoa não maçom
entre maçons.
( RESUMO DA PALESTRA PROFERIDA NO SEMINÁRIO
MAÇÔNICO DE BOA VISTA -RORAIMA 22 DE AGOSTO DE 2015)
[1]
Giordano Bruno e a Tradição Hermética e o Iluminismo Rosacruz, ambos publicados
no Brasil pela Ed. Cultrix.
[2][2]
Vide a trilogia 1808,1822 e 1889, escrita pelo historiador e jornalista
Laurentino Gomes, publicada pela Ed. Globo, 2010/11/12
[3]
ANDERSON, James. As Constituições, Ed. Fraternidade, 1982.
[4]BUDGE,
Ernest Wallis. The Gods of Egipcians, Vol I e II. New York, Ed. Dover, 1969.
[5]
Da palavra frátria originou-se o termo “fraternidade”. Heródoto diz que esses
grupos eram tão fortes na antiga Atenas que Sólon, o seu primeiro legislador,
teve que reduzir o número de frátrias em 30 grupos.
[6][6]
FULCANELLI. O Mistério das Catedrais. Lisboa, Ed. Esfinge, 1964
[7]Concílio
realizado na cidade de Nicéia, atual Turquia, em 325 e C, no qual a Igreja
decidiu que os únicos evangelhos confiáveis eram os quatro evangelhos oficiais
(Mateus, Marcos, Lucas e João) e que os ensinamentos mais corretos acerca da
doutrina de Jesus eram os contidos nas obras do apóstolo Paulo. Por isso o
credo católico é chamado Credo Paulino. Nesse Concílio todos os demais
evangelhos foram censurados e considerados apócrifos.
[8]
Nesse rol incluem-se os grandes pensadores da época, inspiradores da maçonaria
moderna. Entre eles Giordano Bruno (De l’infinito universo e mondi, Spaccio de
la Bestia Trionfante) , Roger Bacon (Nova Atlantis) Tommaso Campannela ( A
Cidade Mágica do Sol) John Milton ( O Paraíso Perdido), Thomas Mórus(Utopia)
Voltaire ( Candido ou o Otimismo) todos trabalhos que se referem á Utopia ou á
ordem social perfeita.
[9]
Para a integra desse pensamento veja-se as obras fundamentais, já citadas de
Frances Yates, Giordano Bruno e a Tradição Hermética e o iluminismo Rosacruz.
João Anatalino
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