Quanto
vale hoje uma vida humana? A violência parece ser a tônica de nosso tempo. Mães
que, contra a natureza, matam seus próprios filhos; filhos adolescentes que
matam seus pais e se tornam piores no ambiente das ruas, onde criminosos
vulgares matam por quase nada.
Alpha
Emergindo
de séculos e milênios de violências de todos os tipos (o cume talvez tenha
acontecido durante o século XX, com uma guerra de ferocidade nunca vista)
esperava-se que o Terceiro Milênio fosse, finalmente, a era da Unidade e de uma
paz duradoura entre os povos. Os primeiros sinais são todos negativos; a
sociedade contemporânea parece verdadeiramente dominada por um profundo caos
que não isenta nenhum país, nenhuma localidade. Por que tudo isso?
Provavelmente porque as pessoas estão cada vez mais drogadas pela orgia
imediatista crescente, que lhes impede de recolherem-se em si mesmos, de
meditar sobre suas intenções e suas ações.
Na melhor das hipóteses, não vivemos, mas sim existimos como sombras,
que não conhecem nem trégua, nem pausa. Bem diverso da sociedade tradicional,
na qual a família ainda é o carro-chefe de todos os valores educativos, com uma
escola sã, pronta para sua elevada tarefa pedagógica. Esquecemos que quando viemos
ao mundo somos postos diante de uma dupla opção: viver a vida ou ser carregado
pela vida. A maioria dos homens opta pela segunda solução, que simplesmente, é
mais cômoda, embora com prenúncios de muitos infortúnios: os isenta de
responsabilidades, tira o seu legítimo exercício do livre arbítrio, os impede
de pensar, de refletir.
Poucos
optam por ter idade para viver a vida, de serem sujeitos e protagonistas da sua
própria e de outras histórias. Com a força da determinação, da vontade, aqueles
são construtores de um mundo alternativo e melhor, como construtores do Grande
Templo da humanidade.
Diria
o Vangelo: A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. É assim mesmo.
Mas, feito o diagnóstico, desconfortável para nossos dias, é oportuno proceder à
análise das causas. Se este mundo vai mal, isto se deve ao absoluto desacordo
sobre os possíveis valores. É um fato bem conhecido que não se encontrem duas
ou três pessoas que entendam a mesma palavra, do mesmo modo. É como um diálogo
entre surdos ou entre cegos.
A
situação fica agravada ao colapso, ainda ideal, quando se trata de instruções
escolares. Quando acabaram os educadores de outros tempos? Quem pode dizer
alguma coisa para corrigir a semântica, que fundamentalmente é a ciência que
estuda e que esclarece o significado original das palavras? E cheguemos ao ponto: na verdade não pode
haver valores compartilhados sem significados compartilhados; o desacordo
conduz ao litígio ou ao contencioso, na melhor hipótese. É bem curioso notar
que mesmo na sociedade iniciática dedicada ao esoterismo construtivo, há
ausência de qualquer reflexão sobre um grande mito construtivo que está envolto
em relevante valor simbólico. (Nota deste editor: observo que há um Grau nos
graus superiores da Maçonaria do REAA onde se discute à Torre de Babel).
Trata-se do mito da Torre de Babel. A história e a arqueologia revelam muitas
dessas torres cuja função originária era a de aproximação do plano terrestre
com o plano celeste, de levar o humano ao divino. Chamavam-se ziqqurat, com a raiz
sumérica zakr – alto, elevado. A mais célebre chamava-se Dur-anki – ligação
entre o céu e a terra. No topo dessa torre acontecia anualmente o ieros gamos o
conúbio sagrado entre o Rei e a Rainha ou entre seus delegados, o Grande
Sacerdote e a Grande Sacerdotisa de Ishtar. O acoplamento tinha por objetivo
garantir a manutenção da ordem cósmica, o retorno das colheitas com uma boa
produção, de maneira a satisfazer a exigência de toda a sociedade da época.
Narra
o mito, ilustrado no Antigo Testamento, que um rei maldoso, Nemrod, construindo
sua ziqqurat, queria fazê-la tão alta que chegasse ao céu, ao Onipotente. Para
a execução do trabalho foi empregada uma grande quantidade de trabalhadores,
com milhares de operários, pedreiros e equipes de arquitetos. O Criador não
ficou muito impressionado, e decidiu punir de modo exemplar a arrogância
(precursor da grega ybris) do soberano mesopotâmico. Como? Criando a confusão
de línguas. Não se compreendendo mais uns aos outros, todos operários fugiram
loucamente em todas as direções. Mesmo o Rei, não entendia mais nada que
falavam seus mais fiéis colaboradores.
Foi
um verdadeiro desastre ontológico. Até essa época, toda a humanidade falava a
mesma língua originária, a qual, como diz a Tradição, permitia compreender perfeitamente
a língua das aves, de todos os animais e de captar o ritmo da harmonia das
esferas celestes. Foi nesse momento que o hemisfério direito do cérebro humano,
naturalmente predisposto à intuição, à memorização do canto dos bardos, iniciou
seu declínio para uma progressiva e irrestringível atrofia, que hoje chegou ao
máximo, contrariamente ao extraordinário desenvolvimento do hemisfério
esquerdo, voltado à fria racionalidade, à região agora divorciada do mythos[1].
Daqui,
então a parábola que explicou a incompreensão do autêntico significado das
palavras disseminadas entre tantos idiomas diversos. Esta é uma plausível chave
de leitura, que se dá conta da tragédia do mundo, que hoje parece haver chegado
ao fundo ou, se preferir, à Kali Yoga dos hindus, ou verdadeiramente à Idade do
Ferro, de profunda memória.
E,
todavia, não se precisa ser totalmente pessimista, pois a cada descida, cedo ou
tarde tem início uma nova subida a uma nova Idade do Ouro, ou a Satya Yoga, que
reedita a idade do Ser.
Se
nossos governantes, detentores do destino do mundo, forem suficientemente
iluminados, cedo ou tarde saberão parar o curso dos eventos criando, enfim, as
bases para a tão esperada paz universal, para a qual a única protagonista será
a cultura, isto é, a autêntica espiritualidade. E, todavia, surge
espontaneamente uma consideração: na verdade o mundo é um só país, e nós todos
somos, ou deveríamos nos sentir, irmãos autênticos, com um destino comum de
nascimento, crescimento e morte.
Este texto foi
traduzido pelo Irmão Luiz Antonio Rebouças dos Santos a partir do original de
Bent Perodi di Belsito.
Bent
Parodi di Belsito - La confusione delle
lingue – Revista Hiram,. nº 1/ 2010. Pg
66. Grande Oriente d’Italia. Traduzido por Luiz A Rebouças dos Santos.
[1]
N.do T. – O que faz a junção entre os dois hemisférios cerebrais é o
Hipotálamo, Corpo Caloso, símbolo do Chifre do Unicórnio ou do Paradigma
Holístico, a via do Terceiro Milênio.
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