Por Christopher Hodapp
Havana, 3 de Janeiro de 2023 — O Mestre Maçom
Francisco Javier Alfonso Vidal, líder até terça-feira da Grande Loja de Cuba,
relatou em carta pública os motivos que o levaram a renunciar ao cargo e deixar
o país. Assinada no “Grande Oriente” dos Estados Unidos, país onde pediu asilo
junto com a sua esposa, e endereçada ao seu substituto temporário, Armando
Guerra Lozano, a carta denuncia a infiltração da Segurança do Estado na direção
maçónica cubana e a sua intenção, há vários meses, de se afastar do cargo.
Na terça-feira, a Grande Loja de Cuba
publicou uma circular na qual explicava que Alfonso Vidal não tinha voltado do
México, onde era hóspede dos Maçons de Veracruz, e qualificava a sua fuga como
um “acontecimento inesperado e maçónico lamentável”.
Dos Estados Unidos, o ex-Grão-Mestre
defende-se dos que o acusam de “abandonar a missão” e lembra que foi eleito
representante da Maçonaria Cubana numa cerimónia “inquestionável” do ponto de
vista jurídico, além de a apontar que em nenhum momento violou os princípios
maçónicos de sucessão, como dizem os maçons infiltrados pela Segurança do
Estado, alega. Ele esclarece que está a sair por impossibilidade de cumprir o
seu dever, definido pelos estatutos maçónicos, com “total transparência, autonomia
e liberdade necessárias”.
O cargo de Grão-Mestre, assumido neste
momento por Armando Guerra Lozano – de acordo com o Decreto nº 634, o último
assinado por Alfonso Vidal – acarreta a responsabilidade de permanecer no cargo
até à celebração de eleição parcial em sessão extraordinária dos Diretores
Maçónicos.
No entanto, diz Alfonso Vidal, há uma facção
ligada ao governo de Havana dentro da Grande Loja, dirigida por oficiais da
contra-espionagem, que pretende colocar no poder – violando a legislação, diz –
um candidato favorável ao regime.
“Estou ciente de que minha destituição do
cargo estava sendo orquestrada por meio de uma Sessão Extraordinária para criar
uma circunstância fictícia para que o Vice-Grão-Mestre H. Fernando González
García ocupasse ilegalmente o cargo”, denunciou Alfonso Vidal na sua carta.
González García, segundo a circular da Grande
Loja, também esteve no exterior, mas voltou, dizem, no dia 5 de Janeiro. O
ex-Grão-Mestre suspeita que o seu retorno seja motivado por este objetivo.
Alfonso Vidal considera que a circular
especial da instituição – rubricada, aliás, pelo seu substituto – foi deslocada
e manifesta “total desprezo pela Legislação Maçónica”, além de manipular a sua
decisão de não retornar a Cuba e rotular a sua atitude como “ruim”. Dizer,
aliás, que não comunicaram com ele nas últimas duas semanas não é um “motivo
coerente” para assumir a sua renúncia sem documento emitido pelo próprio
ex-Grão-Mestre.
“O que foi o ‘abandono grave do cargo e das
funções confiadas’ se todas as testemunhas podem atestar que participei de
todos os dias de trabalho no nosso poder amigo [a Loja Mexicana]? Eles não têm
uma resposta honesta, eu sei”, diz ele.
O ex-líder da Maçonaria questiona aqueles que
tentam efetuar o que, a seu ver, é um “golpe de estado”, com a intervenção de
agentes de contra-espionagem do regime “que se dizem maçons”. “Todos e cada um
daqueles que se encontram assinando, buscando apoio, tentando conquistar o
apoio de representantes, lojas, formadores de opinião, que passaram dias
tentando enviar-me uma mensagem intimidadora, todos são colaboradores e autores
do crime de traição à Maçonaria e vão pagar”, denuncia na sua carta.
O extenso documento também descreve em
detalhes os “ataques” à Maçonaria cubana nos últimos meses e relaciona-os com o
trabalho ativo de vários dos seus membros na denúncia da repressão do governo
durante os protestos de 11 de Julho de 2021 e os do Verão de 2022 .
Cita, por exemplo, a carta aberta a Díaz-Canel,
enviada pelo Mestre José Ramón Viñas Alonso, na qual oferecia “a sua opinião
sobre o apelo ao confronto entre cubanos que piorou tudo”, o que lhe valeu
pressões da Segurança do Estado para fazer uma retratação.
Outro caso é o da seu antecessor no cargo de
Grão-Mestre, Ernesto Zamora, que se recusou a comparecer a uma reunião com
Díaz-Canel da qual pretendiam excluir José Ramón Viñas Alonso, a quem as
autoridades tinham “regulamentado [1]” pouco antes, impedindo-o de viajar para
os Estados Unidos.
E, finalmente, em Dezembro de 2021, lembra
Alfonso Vidal, o regime considerou intolerável a intervenção do Grande Orador
Luis Steve Ocaña na qual convidou maçons cubanos a se envolverem na política.
“Quando alguém é eleito Grão-Mestre não é
tudo o que se imagina, com a pressão que representa estar à frente do destino
fraterno de mais de vinte mil irmãos. Aparecem obstáculos que é preciso
superar”, disse Alfonso Vidal em sua defesa.
“O fato de o Sovereign Grand Commander [José
Ramón Viñas Alonso] se ter tornado um incómodo para o governo cubano e os
órgãos de repressão, e visto que ele recebeu em muitos casos manifestações de
apoio não apenas maçónicas, mas também de fora da ordem, A Segurança do Estado
partiu em missão para o tirar do meio”, explicou.
A intenção no curto prazo, diz Alfonso Vidal,
era forçá-lo, como Grão-Mestre, a expulsar Viñas Alonso da ordem “sob algum
pretexto”. Ele também disse que mencionou esta situação a Viñas Alonso numa
viagem que fizeram juntos ao exterior – uma vez que a proibição foi suspensa –
“porque não considerava seguro fazê-lo dentro de Cuba”.
Diante da sua recusa em ceder às pressões da
contra-inteligência – um indivíduo que se identificou como Poll fez mais de 70
telefonemas intimidadores num dia —, Alfonso Vidal decidiu não andar sem estar
acompanhado. Além disto, recebeu várias intimações policiais, nas quais um
oficial lhe disse que há mais de 40 anos que a Segurança do Estado trabalha na
Maçonaria Cubana com os seus infiltrados.
Fernando González García, atual
Vice-Grão-Mestre que retornou a Cuba em 5 de Janeiro “correndo para cumprir
ordens” é um desses agentes, segundo o ex-dignitário. Outros membros da
liderança maçónica fazem parte da “conspiração” contra José Ramón Viñas Alonso,
diz ele: Ernesto Zamora, a quem acusa de ter pedido desculpas ao Partido
Comunista pela sua oposição a Díaz-Canel, e o atual tesoureiro da Grande Loja,
Ernesto Navarrete, que “é um policial”, e que ele sugere estar a administrar os
fundos maçónicos de maneira irregular.
Aproveitando uma viagem de negócios a uma loja em Veracruz, ele e sua esposa decidiram pedir asilo político nos Estados Unidos, alegando que sofreram assédio sistemático da Segurança do Estado na sua “caçada maçónica”. O seu filho, no entanto, permanece em Cuba. Por sua vez, diz Alfonso Vidal, José Ramón Viñas Alonso – o principal objetivo da contra-espionagem – é “resistir ao assédio”.
[1] Nota do tradutor: “Regulado”, como o termo é usado pelo governo, significa proibido de sair do país.
Fonte: Freemason.pt
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