Por João Anatalino
A interação entre a Maçonaria e Ordem dos
Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão, como era chamada a
Irmandade dos cavaleiros templários é difícil de ser comprovada por falta de
documentos confiáveis. Entretanto, ela é citada por muitos autores maçons como
se fosse um fato histórico cuja ocorrência não se põe em dúvida. Um pouco da
história dessa estranha Ordem da Cavalaria fundada pelos cruzados em Jerusalém
por ocasião da primeira cruzada pode nos ajudar a fazer uma ideia do como e
porque essa interação é reivindicada pela Maçonaria como fonte importante da
sua tradição e da sua própria origem´.
O fato é que no ano de 1095 da Era Cristã, um
contingente de mais de cem mil pessoas saiu da Europa em direção à Jerusalém.
Sua meta era tomar para a cristandade o famoso santuário que estava nas mãos
dos muçulmanos. Na imensa mole humana que se deslocou a pé, a cavalo e de navio
para a Palestina, cerca de vinte mil eram combatentes. O resto eram pedreiros,
carpinteiros, padres, tanoeiros, armeiros e todo tipo de profissional ou mero
aventureiro que esperava participar do butim que certamente haveria para ser
distribuído quando os cristãos conseguissem conquistar Jerusalém. Essa foi a
chamada grande cruzada.
A história oficial dessa que foi uma das
maiores aventuras guerreiras de todos os tempos afirma que tal movimento
ocorreu em razão da fé, pois o espírito cristão não suportava ser afastado dos
lugares onde as relíquias sagradas do fundador da sua crença estavam
depositadas. Jerusalém, a cidade onde Jesus foi crucificado, onde sofreu e
morreu pelo resgate da humanidade, não podia continuar na mão dos infiéis que
massacravam e impediam que os devotos da verdadeira fé a visitassem para
professar sua crença nos lugares onde os acontecimentos que a justificavam
aconteceram. [1]
Então, a Igreja de Roma, apoiada pelos barões
do Ocidente, resolveu marchar para o Oriente em defesa da sua fé. Histórias de
tortura e massacre dos cristãos pelos muçulmanos foram contadas pela Europa
toda, provocando uma comoção tão grande que logo os barões assinalados e o povo
sem nome se ajuntaram em praça pública e gritaram em uníssono: Deus o quer. E
assim um povo inteiro se pôs em marcha para lutar em defesa de sua fé.
Hoje
se sabe que os motivos que impulsionaram esse formidável movimento não eram
exatamente aqueles que seus idealizadores elencaram para fazer os crédulos e
ignorantes cavaleiros se mobilizarem para essa grande aventura. Ou seja, que
tudo seria feito pela fé. Para começar,
os motivos alegados para essa cruzada não eram verdadeiros. Na verdade, os
líderes do Islã, até aquele momento da história ― fins do século XI - eram
extremamente tolerantes com os cristãos e os judeus. Relatos de uma pacífica
convivência podem ser lidos em crônicas da época, inclusive do historiador
oficial da Igreja de Roma, Fulk de Chartres, que viveu na corte de Balduíno I,
o primeiro rei cruzado de Jerusalém.
Na
tradição muçulmana, Jesus era considerado um grande profeta, quase tão
importante quanto Maomé. Embora não o cultuassem como filho de Deus, como
faziam os cristãos, nem acreditassem que tivesse morrido para salvar a
humanidade e no terceiro dia ressuscitado, ele era bastante respeitado como um
homem de Deus. Assim, não custava tolerar a crença dos seus seguidores e
permitir que visitassem seus lugares santos. Até porque, ontem como hoje, o
povo de Jerusalém sempre viveu do lucrativo comércio que a cidade santuário
proporciona. Dessa forma, não há registros de conflitos mais sérios entre cristãos
e muçulmanos antes das cruzadas. Esses conflitos eram mais comuns com os judeus
do que com os adeptos do Islã.
Assim, e difícil explicar as cruzadas sem analisar o ambiente vivido
pelos europeus em fins do século X e início do século XI. Nessa época a Europa
vivia em meio à pobreza e à ignorância. Pobreza causada pela destruição da
civilização urbana herdada do império romano e ignorância disseminada por uma
doutrina religiosa que via no desenvolvimento do espírito humano uma afronta à
vontade de Deus. Era assim que a Igreja medieval conformava a vida do povo.
Buscar a felicidade através dos bens materiais era pecado. O sexo, praticado
com prazer, era pecado. O caminho do céu só podia ser trilhado por quem
evitasse cometer os sete pecados capitais: Gula, Avareza, Inveja, Preguiça,
Soberba, Ira, Luxúria. É evidente que esses pecados capitais eram perdoados aos
nobres e aos membros do clero, pois estes eram os únicos que tinham comida
demais e condições para serem avarentos, preguiçosos, invejosos e soberbos. Mas
o homem do povo, quando os praticava, ia direto para o inferno.
Onde
estava a porta de fuga para escapar desse ambiente de pobreza e ignorância? No
Oriente Médio, entre os povos que não professavam esses credos e podiam,
livremente, comerciar e buscar os prazeres materiais sem o temor de ofender a
Deus. No império fundado pelos muçulmanos e nos territórios que eles
compartilhavam com judeus e cristãos ortodoxos, conhecidos como bizantinos, não
era pecado ser rico e a felicidade na terra não impedia que a pessoa pudesse
entrar no céu depois da morte. A vida na terra não era vista como uma jornada
de expiação, onde quanto mais se sofresse, mais chances se teriam de obter um
lugar no paraíso. Por isso, na Europa dominada pelo pensamento católico, o termo
“bizantino” era sinônimo de pessoa vazia, libertina, folgazã.
Os muçulmanos eram considerados infiéis e
matar um infiel não era pecado, pregavam os padres. Ao contrário, era o caminho
mais curto para o céu. Quem morresse defendendo os Lugares Santos tinha entrada
livre no céu. E assim garantidos, os zelosos cristãos da Europa marcharam em
massa para libertar Jerusalém do domínio dos infiéis. Mas antes saquearam
Constantinopla e outras cidades do Império Bizantino, além de vários domínios
muçulmanos. Saqueando e pilhando por onde passavam, os cruzados levaram quatro
anos para chegar às portas de Jerusalém, em 7 de junho de 1099,
coincidentemente, uma Sexta-Feira Santa. Depois de mais um mês de cerco e após
um pavoroso massacre da população local, em 14 de julho daquele ano, os
cruzados assumiram o controle total da cidade. Estima-se que cerca de 40.000
pessoas, entre muçulmanos, judeus e cristãos ortodoxos foram mortos pelos
cruzados por ocasião da tomada da cidade.
Há quem sustente que o verdadeiro objetivo
dos cruzados era bem diferente desses profanos motivos acima citados. Na
verdade, o que eles queriam era mesmo implantar um reino universal cristão,
governado pelos legítimos descendentes de Cristo.
O
pressuposto que fundamenta essa tese é a tradição existente em algumas regiões
da Europa, especialmente no norte da França, na região da Alsácia Lorena e no
sul daquele país, mais propriamente na região do Languedoc, de que Jesus e
Maria Madalena eram casados e teriam tido uma filha chamada Sara, que foi
criada na França e teria se casado com um nobre da terra, dando origem a uma
das mais tradicionais famílias do país. Essa família, ao longo dos séculos,
teria se ramificado em diversas casas nobres da Europa. No século VI a família
de Jesus teria dado origem aos primeiros reis franceses, da linhagem dos
Merovíngios. Em fins do século XI, época em que aconteceu a primeira cruzada,
essa família estava representada pela casa de Lorena, cujo chefe era o barão
Godofredo de Bulhões. Essa tese sustenta que Godofredo de Bulhões seria
descendente consanguíneo direto de Jesus. Jesus, na verdade, por ser
descendente de Davi, era o herdeiro do reino de Israel e sua crucificação se
dera por motivos políticos e não religiosos, como afirmavam os evangelhos.
Teria sido uma conspiração urdida pelos sacerdotes judeus para evitar que os
Jesus e seus partidários promovessem uma revolta contra os romanos para colocar
no trono um legítimo descendente de Davi. Dessa forma, reconquistar Jerusalém e
realizar o sonho pelo qual Jesus foi crucificado era a verdadeiro motivo das
cruzadas. [2]
Quando
os cruzados capturaram Jerusalém, em 1099, Godofredo de Bulhões era o
comandante da cruzada. Logo após a captura da cidade foi fundado o reino de
Jerusalém, chamado de o Reino da Consciência, ou o Reino dos Céus na terra,
como o próprio Jesus chamava o seu futuro reinado. A coroa do novo reino foi
entregue ao irmão de Godofredo, Balduíno, que se tornou o primeiro rei de
Jerusalém.
Em
1104, o rei Balduíno encomendou a oito cavaleiros franceses, da região da
Champagne, um curioso e ultrassecreto trabalho: escavar alguns locais de
Jerusalém em busca de documentos e outras provas que confirmassem a condição de
Jesus como legitimo herdeiro do reino de Israel, bem como de sua condição de
casado e que teve filhos.
Esses cavaleiros trabalhariam sobre o
disfarce de uma Ordem de Cavalaria chamada Pobre Cavaleiros de Cristo e do
Templo do Rei Salomão. Sua sede seria os estábulos do antigo Templo do Rei
Salomão. Para que não se desconfiasse de seus verdadeiros objetivos, foi
proposto que eles se apresentassem como guardiães das estradas. Nascia, assim,
em 1104, e não em 1118, como sustenta o historiador Guilherme de Tiro, os
famosos cavaleiros templários.
Documentos, relíquias e outros artefatos provando a veracidade dessa
tese ─ a de que Jesus era legítimo herdeiro do reino de Israel, que era casado
e deixou herdeiros― foram encontrados por esses cavaleiros. E esse achado
constituiu o verdadeiro tesouro dos templários. Entre essas relíquias estaria o
Santo Sudário que está depositado na Catedral de Turim. Esse foi o verdadeiro
motivo pelo qual os templários se tornaram tão ricos e poderosos, política e
economicamente. Durante quase dois séculos eles se constituíram numa espécie de
terceiro poder em toda a cristandade, desafiando até a autoridade dos reis e da
Igreja.
Assim,
o tesouro dos templários era o seu próprio segredo. Eles conheciam a verdadeira
história de Jesus. Encontraram seus restos mortais e os de sua família.
Descobriram que ele foi um homem comum, que morreu por objetivos políticos e
não era um deus, como a Igreja pregava. Que não nasceu de uma virgem, que não
ressuscitou de verdade. Que tudo foi uma armação política que não deu certo.
Que teve descendentes que agora postulavam a sua herança. Isso incitou a sua
rebeldia, os fez renegar os dogmas da Igreja e assumir doutrinas heréticas e
estranhas às defendidas pelo Vaticano.
Segundo as atas do processo que a Igreja
moveu contra eles em 1307, eles renegavam Cristo, cuspiam na cruz, praticavam
estranhos ritos que contrariavam os principais postulados do cristianismo.
E mais. O Vaticano teve que comprar o seu
silêncio durante quase dois séculos. Pagou por isso altíssimas somas em
dinheiro, possessões e poder. Por isso os templários se tornaram tão poderosos
e acabaram se constituindo numa grave ameaça à Igreja e aos poderes
constituídos. Esse foi o motivo da supressão da Ordem e da execução dos seus
líderes.
Depois das cruzadas se espalharam pela Europa
as histórias do Santo Graal. O Santo Graal, na imaginação popular, era a taça
usada por Jesus na ceia Pascal. Segundo algumas tradições, José de Arimatéia
colheu nela um pouco do sangue de Jesus, vertido na cruz, e o guardou como
relíquia sagrada. Mas na verdade o Santo Graal, era o filho que ele teria gerado
com Maria Madalena, o qual José de Arimatéia teria salvado levando-o para a
França. O Santo Graal, efetivamente, era o “sangue real”, representado pelo
filho de Jesus, que crescia no ventre de Maria Madalena. [3]
Destarte, o tesouro dos templários era uma
ideia, uma crença e uma esperança. Essa esperança era a de que, um dia, o reino
dos céus pudesse, efetivamente, ser instalado na terra, sob o governo dos
legítimos descendentes de Cristo. E esse foi o motivo das cruzadas e a razão da
fundação da Ordem dos Templários, pois se esperava que eles viessem a se
constituir no braço militar do novo reino. Por isso eram chamados de "a
milícia de Cristo".
Há
pouca evidência histórica de uma ligação direta entre a Ordem do Templo e a
Maçonaria, enquanto instituições. A única referência documental encontrada nos
registros templários se refere aos pedreiros livres, referidos por Bernardo de
Clairvax, redator do estatuto da Ordem, como os “construtores” que deveriam
acompanhar os cavaleiros para erguer suas preceptorias, castelos e fortalezas.
Assim, verifica-se que os templários, bem como as demais ordens de cavalaria,
mantinham em suas organizações pessoas ligadas ao ramo da construção civil, os
quais, segundo os registros mais antigos da Maçonaria, deram origem à sua
tradição.
Com
isso podemos dizer que a ligação Maçonaria-Ordem do Templo revela mais um
vínculo espiritual do que formal. Esse vínculo vem do fato de ambos os grupos
serem sócios da mesma tradição, dos mesmos elementos de culto e da mesma
esperança messiânica. Além disso, ambas cultivavam a gnose como filosofia e as
virtudes cavalheirescas como prática de vida.
Há muitos questionamentos a serem levantados
quando se fala dessa interação. Ela passa principalmente pela política e pela
história de países como Inglaterra, França, Alemanha, Portugal e Escócia,
principalmente, onde os proscritos cavaleiros da Ordem do Templo, após a sua
dissolução, orquestrada por Filipe IV, rei da França, e pelo papa Clemente V,
buscaram abrigo e homizia. Sabe-se que na França e na Inglaterra a maioria dos
templários sobreviventes encontrou abrigo na Ordem homônima dos Cavaleiros do
Hospital de São João, instituição fundada em Jerusalém, na mesma época da Ordem
dos Templários. E que nos territórios da Alemanha e no norte da Europa (Suécia,
Ucrânia, Polônia, principalmente) eles se homiziaram junto aos Cavaleiros
Teutônicos, seus congêneres naquela parte da Europa. Em Portugal encontraram
abrigo junto aos reis portugueses, os quais, por tradição, faziam parte da
Ordem do Templo desde as primeiras cruzadas. O Infante Afonso Henriques,
fundador do reino português, era cavaleiro templário, tendo doado à Ordem
várias propriedades em terras portuguesas, inclusive o famoso castelo de Tomar.
E na Escócia, o rei Robert, The Bruce, foi um dos principais defensores da
Ordem do Templo, tendo inclusive contado com uma tropa de cavaleiros templários
na famosa batalha de Bannokburn, quando a Escócia conquistou sua liberdade
vencendo as tropas inglesas do rei Eduardo II. [4]
As mais antigas tradições ligando os motivos
da cavalaria aos ideais maçônicos são ingleses e escoceses. Os manuscritos
maçônicos falam de Atelsthan, rei escocês em cujo reinado teria se iniciado a
tradição de se conceder aos pedreiros livres um status de cidadãos do mundo, permitindo
que eles andassem livremente pelo reino, aplicando suas ideias na arquitetura e
na própria organização de suas profissões. Essa estrutura seria copiada depois
por outras guildas de profissionais, espalhando-se pela Europa como uma
verdadeira tradição. E da estrutura da guilda dos pedreiros livres teria se
originado a Maçonaria operativa, que mais tarde, através da absorção dos
intelectuais perseguidos pela Igreja, deu origem ao que hoje chamamos de
Maçonaria especulativa.
Na origem de tudo isso estariam,
naturalmente, os templários. Eles teriam dado um “start” de rebeldia contra o
monopólio que a Igreja exercia sobre o pensamento ocidental, o que faria deles
uma espécie de paladinos da liberdade de pensamento que mais, tarde, já no
século XVII, no auge das guerras religiosas, iria nortear o pensamento
maçônico. Assim, a ligação templários e maçons aparece na literatura e no
ideário popular como uma interação comum e necessária entre duas instituições
que no tempo e na proposta ideológica trilharam o mesmo caminho. Nada mais
lógico que os maçons espiritualistas do século XVIII tivessem adotado esses
cavaleiros como seus antecessores espirituais e a Igreja visse na Maçonaria o
mesmo perigo que ela viu nos templários.
Todavia, não podemos esquecer que existe
também uma ligação simbólica bastante visível entre a Maçonaria e a Ordem dos
Cavaleiros do Hospital de São João, conhecida como Ordem dos Hospitalários.
Essa Ordem, que foi fundada pelo filho do rei de Rodes, João, o Esmoleiro, na
mesma época da Ordem dos Templários, era responsável pela prestação dos
serviços de saúde e abrigo aos peregrinos que iam à Jerusalém. Com o tempo e os
acontecimentos, ela também se tornou uma organização muito rica e importante
para o empreendimento dos cruzados e mais tarde, na estrutura dos reinos
europeus. Política e militarmente os hospitalários se tornaram rivais dos
templários e se tornaram tão ricos e poderosos quanto eles. Com a dissolução da
Ordem do Templo assumiram as funções e os bens dos templários e continuaram a
servir a população dos reinos europeus, especialmente na área da saúde.
Provavelmente é à Ordem de São João do Hospital que o Cavaleiro Ramsay se
refere em seu famoso discurso. Essa Ordem ainda hoje é referenciada na
Maçonaria através da tradição do” hospitaleiro”, ou seja, o Irmão que recolhe
as contribuições que deverão ser aplicadas nas ações filantrópicas da Irmandade.
[5]
Historicamente, essa organização ainda existe
com o patrocínio do próprio Vaticano, através da Ordem dos Cavaleiros de Malta.
[6]
(Do nosso livro Conhecendo a Arte Real- A
maçonaria e suas influencias históricas e filosóficas. 2º Edição
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