Por Matthew Wilson – Fonte: BBC Culture
A
verdadeira origem do triângulo com um olho que aparece nas notas de dólar (e as
teorias que alimenta)
As teorias da conspiração crescem em torno
símbolos e sinais enigmáticos que parecem ocultos.
E o Olho da Providência, também conhecido
como "o olho que tudo vê", é um desses símbolos que desencadeiam
múltiplas interpretações.
Trata-se de um globo ocular dentro de um
triângulo que é associado à Maçonaria, mas também é ligado a grupos apócrifos
como os Illuminati — uma sociedade secreta de elite que em diferentes momentos
procurou controlar assuntos globais.
O Olho da Providência é uma espécie de ímã
para os teóricos da conspiração porque parece estar escondido e à vista de todos
ao mesmo tempo.
Não só aparece em inúmeras igrejas e
edifícios maçônicos em todo o mundo, mas também na nota de um dólar dos Estados
Unidos e no verso do Grande Selo dos EUA.
Pode-se dizer que esta é uma inclusão
estranha e chamativa para um símbolo de Estado.
O olho transmite fortemente o sentimento e a
presença de algum tipo de "irmão mais velho" autoritário intrometido.
E, em combinação com a pirâmide, é um emblema
que pode sugerir um culto antigo e esotérico.
Então, quais são as origens do Olho da
Providência, por que ele gera tanto fascínio e por que é frequentemente
associado aos maçons e aos Illuminati?
Origens
Ele era originalmente um símbolo cristão,
pois os primeiros exemplos conhecidos de seu uso podem ser encontrados na arte
religiosa da Renascença para representar Deus.
Um exemplo é a pintura "Ceia em
Emaús", pintada pelo renascentista Portormo em 1525, ainda que o símbolo do
olho tenha sido adicionado posteriormente, talvez no século 17.
Outra mostra do símbolo é encontrada em um
livro de emblemas chamado Iconologia, publicado pela primeira vez em 1593.
Em edições posteriores, o Olho da Providência
foi incluído como um atributo da personificação da "Divina Providência, ou
seja, a benevolência de Deus. Como o nome do símbolo e seu uso inicial sugerem,
ele foi inventado como um sinal da vigilância compassiva de Deus sobre a
humanidade.
Ninguém sabe ao certo quem o inventou
originalmente, mas considera-se que seu criador começou a partir de um conjunto
de motivos religiosos previamente existentes.
O triângulo foi por muito tempo um símbolo da
Santíssima Trindade Cristã, do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Nos séculos
anteriores à Idade Média, Deus às vezes era representado por um halo
triangular.
Os raios de luz que muitas vezes são
mostrados emanando do símbolo também são um sinal preexistente do brilho de
Deus na iconografia cristã.
O olho
No entanto, quais são as origens desse olho
estranho sem corpo?
Deus já havia sido representado de várias
maneiras enigmáticas antes. Por exemplo, como uma mão emergindo de uma nuvem,
mas não como um olho.
Pode-se dizer que um globo ocular
representado isoladamente tem seu próprio impacto psicológico inerente, como um
sinal de autoridade e implicando em um senso de vigilância onipresente.
Esse efeito é encontrado até na natureza, já
que alguns animais desenvolveram "manchas de olhos" na pele para
assustar os predadores.
Mas existe uma história mais profunda do olho
como um símbolo a ser considerado e, em particular, uma que nos leva de volta
às primeiras religiões conhecidas.
No terceiro milênio a.C., os sumérios,
considerados a primeira civilização do mundo, fizeram esculturas de suas
santidades, aumentando anormalmente os olhos para acentuar o senso de
vigilância.
Eles até realizaram cerimônias em que os
artistas "deram vida" às suas esculturas abrindo os olhos.
Mas foram os antigos egípcios que criaram o
símbolo do olho isolado.
Por exemplo, eles pintaram um par de olhos em
um caixão para que os mortos pudessem ver a vida após a morte.
E um dos símbolos egípcios mais famosos é o
Olho de Hórus.
É um híbrido entre um olho humano e um olho
de falcão e inclui as manchas escuras nas sobrancelhas e nas bochechas do
pássaro.
De acordo com a mitologia egípcia antiga, o
deus rei Hórus (frequentemente descrito como um falcão ou com cabeça de falcão)
teve seus olhos arrancados em uma batalha com seu tio Set.
Com a ajuda de Thoth, ele então curou seus
olhos. O Olho de Hórus era, portanto, um símbolo protetor, frequentemente usado
como um amuleto, uma peça pequena o suficiente para uma pessoa carregar no
bolso como forma de proteção.
Este e outros hieróglifos egípcios de olhos
humanos influenciaram a iconografia europeia durante o Renascimento.
Naquela época, pensadores e artistas eram
fascinados pela escrita egípcia.
O único problema é que eles não a entendiam
completamente, e as tentativas de tradução geralmente eram cheias de
imprecisões.
Um desses exemplos mais famosos apareceu em
um romance de 1499 intitulado Batalha de Amor em Sonho de Polifilo,
em que a tradução de um símbolo egípcio com um olho era "Deus".
Perdidos na tradução
Naquela época houve um mal-entendido
fundamental sobre o significado dos hieróglifos.
Hoje sabemos que se trata de uma língua
escrita principalmente de signos fonéticos, mas nos séculos 15 e 16
acreditava-se que tinham uma formação muito mais mística.
Pensavam que os símbolos na escrita
hieroglífica — animais, pássaros e formas abstratas — eram considerados
deliberadamente misteriosos, cada um criando um significado por meio da
inspiração do observador, em vez de ser parte de um sistema linguístico.
Eles eram, segundo acreditavam, um
quebra-cabeças aberto que continha múltiplos significados.
Essa crença teve um grande efeito na arte
europeia.
Quando surgiram dicionários de símbolos, como
o Emblemata, de Andrea Alciati, de 1531, e, posteriormente, a Iconologia,
de Cesare Ripa, a ênfase recaiu sobre símbolos visuais enigmáticos, muitas
vezes altamente complexos, os quais o espectador precisa decifrar para
construir significados a partir deles.
Como resultado, um elemento como o Olho da
Providência tinha uma aparência deliberadamente esotérica, quase como se
tivesse sido especificamente construído para ser reinterpretado, e talvez até
mal interpretado.,
Tempos modernos
Tudo isso se materializou no final do século
18.
Três exemplos-chave desse período demonstram a diversidade presente no simbolismo do Olho da Providência.
Na França pós-revolucionária de 1789, na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de Jean-Jacques-François Le
Barbier, você pode ver o ,Olho da Providência na parte superior.
Neste caso, ele ,foi utilizado como símbolo
paterno que zela pela nova nação que ,proclama a igualdade.
Em Londres, em 1794, Jeremy Bentham contratou
o arquiteto Willey Reveley para projetar um logotipo para seu
"Panóptico", um novo modelo de prisão projetado para permitir a
vigilância contínua de cada cela.,,
O desenho final apresentava com destaque o
Olho da Providência, um símbolo que representa o olhar sem piscar da justiça
judicial, rodeado pelas palavras, "Misericórdia", "Justiça"
e "Vigilância".
E voltando ao Grande Selo dos Estados Unidos
(1782), Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e John Adams haviam proposto ideias
para o projeto, mas foi Charles Thomson, secretário do Congresso, que idealizou
a pirâmide e o Olho da Providência, entre outros elementos do selo, ,em
colaboração com um jovem advogado e artista chamado William Barton.
A pirâmide inacabada tinha o objetivo de
simbolizar "força e duração", com 13 níveis para representar os 13
Estados originais dos Estados Unidos.,
O Olho da Providência, como em exemplos
anteriores do mesmo período, era um símbolo convencional da supervisão
abrangente de Deus sobre esta nação incipiente.,
Em nenhum dos três casos a Maçonaria estava
envolvida na escolha do símbolo.
E os Illuminati?
Os detalhes conhecidos dos primeiros anos do
grupo original, supostamente fundado na Baviera em 1776 e dissolvido em 1787,
são escassos.
Inconvenientemente, também não sabemos a
importância dos símbolos visuais para aquela ordem.
Parece que os Illuminati foram inspirados
pelas ideias por trás da Maçonaria, que usava esporadicamente o Olho da
Providência como símbolo do Arquiteto Supremo (Deus), ,seguindo o exemplo de
muitas outras igrejas da época.
No entanto, o símbolo não foi amplamente
usado pelos maçons pelo menos até o final do século 18, e não antes, de Bentham,
Le Barbier e Thomson adotá-lo para seus propósitos.
Infelizmente para os teóricos da conspiração,
o Olho da Providência na nota de um dólar nos diz muito mais sobre a estética
do final do século 18 do que sobre a autoridade das elites secretas.
Em nosso tempo, Madonna, Jay-Z e Kanye West
foram acusados de usar a iconografia dos Illuminati, incluindo o Olho da
Providência.
Porém, mais do que qualquer vínculo com os
Illuminati, o que cada artista da música tem em comum é sua afinidade pelo
icônico e pela provocação, tanto em imagens quanto na melodia.
O uso repetido do Olho da Providência, e
podemos aplicá-lo a Madonna e Jay-Z, bem como a Bentham, Le Barbier, Thomson,
Barton, os maçons, artistas da Renascença ou qualquer outro indivíduo ou grupo,
é a prova de que esse não é um símbolo de uma conspiração combinada.
Mas sim um sinal de sua força duradoura como ícone.
*Este artigo é uma adaptação. Você
pode ver a versão original em inglês aqui.
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