Por Kennyo Smail
A Maçonaria declara combater a intolerância,
a ignorância e o fanatismo. Esses três males estão intrinsicamente
relacionados. A ignorância é, sem sombra de dúvidas, a origem e o cerne do
fanatismo e de toda a intolerância, em especial a religiosa. “Conhecereis a
verdade, e a verdade vos libertará”. Essa máxima cristã ensina que o
conhecimento, alcançado pela busca da verdade, liberta o homem da ignorância. A
Maçonaria, em seus rituais, instruções e literatura, também é extremamente rica
em passagens que revelam essa sua vocação. Além de sua história.
Como bem observado pelo pesquisador Antônio
Gouvêa Mendonça[i], a Maçonaria constituiu “um peso razoável na balança a favor
do protestantismo no momento de sua inserção na sociedade brasileira”. Isso
ocorreu a partir da segunda metade do século XIX. Nessa época, de hegemonia e
poder católico no Brasil, os protestantes eram a minoria, que sofria todo tipo
de ataque intolerante, fanático, preconceituoso. E a Maçonaria, original
defensora da liberdade religiosa, e em combate aos males já mencionados, muito
colaborou para o ingresso e consolidação das igrejas protestantes no país.
David Gueiros Vieira, em seu artigo sobre o
tema[ii], destaca que a Maçonaria brasileira da segunda metade do século XIX,
não somente trabalhou em prol do protestantismo, como também do liberalismo, da
abolição da escravatura, do ensino laico, e da proclamação da república,
garantindo assim a separação da Igreja-Estado, da qual todos usufruímos
atualmente. Marcos José Diniz Silva, inclusive, atentou para a guerra midiática
entre a Maçonaria e a Igreja Católica, a favor e contra o ensino laico e a
liberdade religiosa, por meio de seus jornais.[iii] Mas foquemos aqui na
questão religiosa.
Naquela época, os protestantes enfrentavam
todo tipo de boicote, desde aquisição de terrenos para igrejas, compra de
material de construção, mão de obra, até ameaças aos sacerdotes e fiéis, e atos
de vandalismo. Há registro de casos de congregações religiosas que funcionaram
inicialmente nas dependências de Lojas Maçônicas, que as ajudaram a construir
seus próprios edifícios. Há também registro de proteção maçônica a pastores em
suas pregações públicas em todo o interior do país. As igrejas pentecostais e
neopentecostais, que surgiram no Brasil durante as décadas seguintes,
usufruíram da base bem fundamentada, construída pelos protestantes tradicionais
(históricos) com o auxílio dos maçons (muitos deles, também protestantes).
No entanto, atualmente, o Brasil tem
assistido outra crise de ignorância, fanatismo e intolerância religiosa. Os noticiários
têm apresentado uma crescente onda de casos de intolerância contra,
principalmente, religiões de origem africana. Aqui mesmo, nas proximidades da
Capital Federal, três terreiros sofreram vandalismo e foram incendiados. Isso
mesmo: no entorno de Brasília, em pleno século XXI. Lojas de artigos de umbanda
também foram depredadas em Belo Horizonte. Isso sem contar os casos quase que
diários de agressão física, até mesmo a uma menina no Rio de Janeiro,
apedrejada por ser adepta do Candomblé, e outra em Curitiba, agredida dentro de
sala de aula pela mesma razão. Cada uma em um canto do país. Ambas, vítimas do
que é uma clara afronta aos Direitos Humanos e à Constituição.
Infelizmente, alguns sacerdotes de certas
vertentes evangélicas, também tomados pela ignorância, vez ou outra nos
surpreende com discursos e propagandas antimaçônicas, como já noticiado aqui no
blog. Suas memórias curtas ou, simplesmente, puro desconhecimento (ignorância),
levam-lhes ao erro de atacar a Maçonaria, que tanto colaborou para a
consolidação de suas antecessoras e, consequentemente, de suas próprias igrejas
no país. É esse tipo de “ignorância sacerdotal” que incita a intolerância, o
fanatismo, levando indivíduos aprisionados a suas fés cegas e má orientações
espirituais a atos de terrorismo como os mencionados.
Espero que nossas Obediências Maçônicas
abracem novamente a causa do combate à intolerância religiosa, como fez há 150
anos. A reforma política já tem a atenção de grandes instituições, como o MPF –
Ministério Público Federal, e a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil. As minorias religiosas discriminadas não. Essa conquista maçônica do
passado, chamada de liberdade religiosa, está seriamente ameaçada e merece mais
uma vez nossa atenção. Não podemos esperar que as difamações contra a Maçonaria
se transformem em apedrejamento de maçons e incêndio a Lojas Maçônicas para
agir.
[i] MENDONÇA, A. G. Inserção dos
protestantismos e “questão religiosa” no Brasil, século XIX (reflexões e
hipóteses). Estudos Teológicos, Vol. 27, No. 3, 1987, p. 219-237.
[ii] VIEIRA, D. G. O Liberalismo, a Maçonaria
e o Protestantismo no Brasil no Século Dezenove. Estudos Teológicos, Vol. 27,
No. 3, 1987, p. 195-217.
[iii] SILVA, M. J. D. Maçonaria e laicismo
republicano na imprensa católica cearense entre os anos de 1910 e 1920. Ciência
& Maçonaria, Vol. Vol. 1, n.1, Jan/Jun, 2013, p. 7-19.
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