Por Kennyo Ismail
1. A promotora do
Ensino Laico...
Muitos dos maçons brasileiros da atualidade,
tão tolerantes, para não dizer concordantes, com discursos e argumentos
considerados reacionários, quando não pró- ditadura, talvez não imaginem que o
GOB – Grande Oriente do Brasil por anos defendeu oficialmente a bandeira
socialista.
Isso ocorreu em decorrência das ações sociais
maçônicas promovidas durante a última década do século XIX e as duas primeiras
do século XX, quando, após a Proclamação da República, a Maçonaria resolveu
colaborar para o desenvolvimento de um estado laico, focando principalmente no
ensino laico, que foi levado tão a sério a ponto do Grande Oriente do Brasil,
em 1915, decretar que:
O ensino primário da língua nacional é obrigatório para
todos os filhos de maçons entre sete e doze anos. (...) Em todos os orientes
onde não houver escolas gratuitas mantidas pelo governo no país, ou por
associação leiga de qualquer natureza, as Lojas e os maçons aí residentes são
obrigados a suprir essa falta e a essa missão. (...) As escolas assim criadas
serão públicas (GOB. Decreto No. 513 de 23/12/1915).
O resultado dessa política obrigatória foi
computado em uma pesquisa interna realizada pelo GOB em 1922, quando se tinha o
registro de 132 escolas maçônicas públicas e 22 bibliotecas maçônicas públicas.
A maioria dessas escolas era noturna e técnica, voltada a trabalhadores adultos
analfabetos (BARATA, 1999).
No entanto, juntamente com a promoção do
ensino laico e a formação de profissionais em suas escolas técnicas, surgiu no
Grande Oriente do Brasil uma preocupação quanto a exploração desses
trabalhadores. E a única literatura que combatia tal exploração naquela época
era a socialista. Por essa razão, o Grande Oriente do Brasil apresentou em seus
boletins, entre 1892 e, pelo menos, 1917, uma série de manifestações oficiais a
favor da implementação do socialismo no Brasil. Afirmava acreditar “no dia da
vitória da causa socialista” (Boletim do GOB, No. 12, 1892), e que “devemos
concluir que a maçonaria e o socialismo têm numerosos pontos de contato” e os
maçons brasileiros deveriam “cooperar com o socialismo para o triunfo
definitivo de seus bons e sagrados ideais” (Boletim do GOB, No. 5, 1917).
Fato é que, naquela época, ocorreram inúmeras
“conferências maçônico-socialistas” no Brasil, promovidas pelo GOB e suas
Lojas, e o discurso socialista no âmbito maçônico só diminuiu o tom quando a
revolução soviética triunfou e começaram a chegar as notícias de perseguição à
Maçonaria na Rússia e em outros países (MOREL; SOUZA, 2008).
Você pode estar agora se perguntando: mas o
que levou à Maçonaria brasileira a essa guinada, de socialista a reacionária?
2. De
perseguida na Ditadura Varguista...
Depois de ter sua chama socialista abafada
pela perseguição soviética à Maçonaria, a Maçonaria brasileira passou
praticamente toda a década de 20 vivenciando os atos que culminaram na grande
cisão maçônica de 1927, que originou as Grandes Lojas Estaduais brasileiras
(PIRES, 2015). O cenário maçônico brasileiro então iniciou a década de 30
polarizado. De um lado o Grande Oriente do Brasil tentando se reestruturar do
caos gerado pela cisão. Do outro, as recém-criadas Grandes Lojas Estaduais
tentando se estruturarem e criar novas Grandes Lojas nos Estados que ainda não
havia. A busca pela felicidade da sociedade brasileira teria que esperar. Mas,
pelo menos, o Presidente da República, Washington Luís, era maçom!
No entanto, este nono Presidente da República
maçom, dentre os 13 primeiros Presidentes que houve no Brasil, sofre, em 24 de
outubro de 1930, um golpe militar. Assume o poder Getúlio Vargas, que acaba
sinalizando favoravelmente ao discurso antimaçônico dos integralistas, tão
comum nas ditaduras. Trata-se da crença na teoria da conspiração
judaicomaçônica-socialista, promovida pela Igreja Católica, dentre outras
instituições.
Ao decretar, em 1937, estado de guerra
interna, Vargas determina o fechamento de todas as Lojas Maçônicas, pela
suspeita das Lojas terem comunistas infiltrados. Considerando as conferências
maçônico-socialistas e os boletins oficiais do GOB na década anterior, isso não
era de se estranhar.
Durante a Ditadura de Vargas, Octávio Kelly,
que havia sido Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil no período da cisão, foi
nomeado para o Supremo Tribunal Federal, posto que ocupou de 1934 a 1942. Mas
enquanto muitas lideranças maçônicas da época esperavam nessa nomeação a
salvação da Maçonaria brasileira contra o fechamento sumário de suas Lojas,
Octávio Kelly não realizou qualquer pronunciamento contra o fechamento das
Lojas enquanto ministro do STF, traindo assim a Maçonaria. Para os apoiadores
de Mário Behring, o qual falecera 3 em 1933 como o maior desafeto de Octávio
Kelly, isso era o mínimo que se podia esperar de alguém que colocava o
interesse por cargos e títulos acima do interesse da instituição.
Nessa época, o GOB, então governado por um
General, optou por se submeter e colaborar com o novo regime em detrimento de
seus próprios membros (entre eles alguns comunistas) e dos ideais maçônicos (de
Liberdade, por exemplo). O Decreto 1.519 de 03 de março de 1938, tratou de
substituir o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, então considerado
muito “revolucionário”, por “Ordem, Fraternidade e Sabedoria” (pasmem);
enquanto que o Decreto 1.579, de 02 de junho de 1938, determinou a expulsão
automática, sem efeito suspensivo de recurso, de maçons que “professarem ideologias
contrárias ao regime político-social brasileiro” (CASTELLANI, 2003, p. 25)
Mas sejamos justos: a colaboração com a
Ditadura de Vargas não ficou restrita ao GOB, sendo também observada no Supremo
Conselho de Behring e por algumas Grandes Lojas. O retorno oficial da Maçonaria
brasileira e a reabertura de suas Lojas somente veio ocorrer em novembro de
1939.
Apesar do retorno oficial, a ditadura
varguista não aliviou para a Maçonaria. O local das reuniões e suas datas
tinham de ser informados aos delegados da Ordem Pública, assim como os nomes
completos e dados de todos os membros de cada Loja. E não era raro um Venerável
Mestre ser intimado a depor se um ou outro membro de sua Loja era comunista ou
simpatizante.
Cabe registrar que também foi na Era Vargas,
mais precisamente em 1935, que o Grande Oriente do Brasil opta por voltar atrás
na decisão tomada anteriormente pelo patriota Lauro Sodré (que, em 1912, havia
garantido a soberania nacional maçônica), abrindo as portas para a criação de
uma Grande Loja Distrital da Grande Loja Unida da Inglaterra em território
brasileiro e concedendo Lojas a essa Grande Loja Distrital, em troca de que a
Grande Loja Unida da Inglaterra não reconhecesse suas novas concorrentes, as
Grandes Lojas Estaduais que surgiram da cisão de 1927 (ISMAIL, 2014).
3. A defensora da Ditadura Militar...
Nas duas décadas seguintes, de 40 e 50, o
mundo viveu o medo, guerras e consequências da Guerra Fria, polarizada entre
comunismo e capitalismo. E já no início da década de 60, o Grande Oriente do
Brasil, aquele mesmo que, por muitos anos defendeu em seus boletins oficiais o
socialismo, passa a condenar, mais especificamente em 1963, o movimento
grevista sindical.
Nessa época o Brasil começa a sofrer com a
pressão da classe média e dominante contra o proletariado, simbolizado,
principalmente, pela “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, ocorrida no
início de 1964 e promovida por senhoras católicas de classe média e alta, que
pediam pela deposição do presidente da República. Em muitas localidades, a
marcha contou com o apoio de Lojas Maçônicas.
As preces das carolas foram escutadas pelos
militares, que mobilizaram, em 31 de março de 1964, tropas rumo ao Rio de
Janeiro, iniciando assim a ditadura militar. Três dias depois, o GOB já se
manifestava oficialmente a favor do golpe (ou seria revolução?), que
“neutralizou os perigos do comunismo e do caos” (MOREL; SOUZA, 2008, p. 231).
Essa foi a primeira de muitas outras manifestações formais e públicas em favor
do governo militar, realizadas nos anos seguintes.
Sem realizarmos qualquer juízo de valor, é
curioso observar que a obediência maçônica que censurara as Lojas paulistas que
apregoaram a proclamação da República no final do século XIX, por estarem se
manifestando politicamente, o que era contra os princípios maçônicos; é a mesma
que se manifestou por anos a favor do socialismo e em defesa dos direitos dos
trabalhadores no início do século XX, mesmo isso indo contra os tais princípios
maçônicos; e passa então a se manifestar a favor da ditadura e contra o
comunismo, na segunda metade do século XX. Qual a razão para isso? Não podemos
ignorar o fato, explicitado anteriormente, da Ditadura Varguista ter fechado as
Lojas Maçônicas. Diante de uma nova ditadura militar, pode-se supor que fora
uma simples estratégia de sobrevivência, como muitos pesquisadores assim
defendem. O que se tem registrado é que esse discurso pró-ditadura militar foi
acompanhado de incontáveis condecorações e homenagens maçônicas concedidas a
militares e civis postos no poder por vias não democráticas.
Dois manifestos públicos foram divulgados
pelo GOB durante a Ditadura Militar. O primeiro apontava as razões da
incompatibilidade entre o comunismo e a Maçonaria (sim, pela mesma Obediência
que, em 1917, havia concluído oficialmente que “a Maçonaria e o Socialismo têm
numerosos pontos de contato”). No segundo manifesto, no período mais duro da
Ditadura, o de Médici (1969-1974), o GOB ataca diretamente os críticos às
Forças Armadas, ao dizer que esses críticos estavam “ignorando deliberadamente
o seu relevante papel histórico na unificação e integração nacional ou
apontando-a como opressora do povo, quando, ao contrário, o seu papel em 31 de
março de 1964 foi, justamente, o de libertadora da nação”. Esse manifesto foi
publicado justamente no cume de prisões, torturas, exílios, desaparecimentos e
mortes do regime militar, o que não pegou muito bem para o Grande Oriente do
Brasil.
4. E, por fim, baluarte do conservadorismo
A ditadura militar, enfim, acabou, na década
de 80. E como a Maçonaria saiu desse período e assistiu ao fim do século XX?
Uma dúzia de anos antes do fim da ditadura, o GOB havia sofrido sua segunda
grande cisão, por questões eleitorais (SOBRINHO, 1998). Já externamente, segue
aqui uma pequena reflexão de Morel e Souza (2008, p. 237) a respeito:
Finda a ditadura, em 1985, a maçonaria brasileira
precisaria, novamente, repensar seus valores, reaver seus princípios originais.
Toda autoanálise, porém, não conseguiria fazer com que a ordem retomasse uma
trajetória que, há quase um século, havia sido abandonada. Já era fato
consumado que, de liberal e crítica no século XIX, passando pelo servilismo ao
estado varguista nos anos 1930 e 1940, a maçonaria brasileira chegara ao fim do
século XX como baluarte do conservadorismo (GRIFO NOSSO).
A reflexão dos autores Morel e Souza condiz
com o estranhamento que alguns críticos apresentam ao se depararem com os
postulados maçônicos que afirmam se tratar de uma instituição “progressista”,
enquanto assistem a Lojas, e até mesmo Obediências Maçônicas, realizando
menções honrosas ao período da Ditadura Militar e condecorando acusados de
tortura.
Enfim, o Brasil atravessou o final do século
XX reexperimentando a democracia direta e contando com uma Maçonaria brasileira
dividida basicamente em três vertentes (isso sem contar as cisões menores
vivenciadas por essas), sem qualquer expressão política em nível nacional, sem
a maioria das escolas e bibliotecas públicas que havia criado no final do
século XIX e no início do XX, sem relevantes projetos sociais permanentes,
sofrendo mais de um século de ataques da Igreja Católica e de outras
denominações religiosas que adotaram posteriormente o mesmo discurso preconceituoso.
Uma Maçonaria vivendo do passado, de sua glória no período entre 1822 e 1930,
sem qualquer ação relevante nas décadas seguintes (apenas algumas um tanto
quanto constrangedoras).
Durante a década de 90, num país que, aos
poucos, passava a ser governado principalmente pelos perseguidos e aquelas
lideranças estudantis que sofreram a ditadura militar, a Maçonaria brasileira
se viu condenada por boa parcela da sociedade brasileira economicamente ativa,
não sendo mais atrativa aos novos intelectuais, lideranças e formadores de
opinião como havia sido anteriormente.
Deve-se levar em consideração que a
Maçonaria, anteriormente às democracias contemporâneas, já praticava uma forma
de governança democrática, na qual o voto já era bem 6 do indivíduo e não por
propriedade ou localidade (JACOB, 1991), o que reforça a teoria da Maçonaria
como uma instituição emancipadora do indivíduo e uma das precursoras do ideal
democrático. Um dos vários exemplos que relacionam Maçonaria e democracia é a
indiscutível participação da instituição na independência dos Estados Unidos
(BULLOCK, 1996), tida como a primeira nação democrática do mundo moderno.
Torna-se, assim, plausível a proposição de
que a Maçonaria, munida do mais profundo princípio de igualdade entre os
homens, realmente colaborou, por intermédio da liderança libertadora de seus
membros, para a implementação dos primeiros regimes democráticos. E no Brasil
não foi diferente, tendo a mesma colaborado para a proclamação da república.
Entretanto, a postura foi outra durante as duas ditaduras vividas pelo país no
século XX, um século em que a Maçonaria brasileira praticamente não pôde viver
seus princípios (o que significaria lutar pela democracia), mas apenas garantiu
sua própria sobrevivência, ensinando lições que mal praticava enquanto
instituição.
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5. Referências Bibliográficas
BARATA, A. M. Luzes e sombras: a ação da
maçonaria brasileira (1870-1910). Campinas: editora Unicamp, 1999.
BULLOCK, S. C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonry and the
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no Brasil. REHMLAC, Vol. 2, No.1, 2010, p. 31- 58.
CASTELLANI, J. Fragmentos da Pedra Bruta.
Londrina: Editora A Trolha, 2003.
CASTELLANI, José. Do Pó dos Arquivos, Vol.
III. Londrina: Editora Maçônica A trolha, 2003.
COSTA, Cruz. O Positivismo na República. São
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ISMAIL, Kennyo. A colonização maçônica
inglesa: na contramão dos princípios maçônicos. Revista C&M, Vol. 2, n.2,
2014, p. 97-104
JACOB, M. C. Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in
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LINHARES, Marcelo. A Maçonaria e a Questão
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MORAIS, Efraim; CAVALCANTI, Mozarildo. O
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PIRES, Joaquim da Silva. A Cisão Maçônica
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SWANSON, P. A História da Maçonaria Simbólica
‘Craft’ no Brasil. Rio de Janeiro: Comp. Litho Ferreira Pinto, 1928.
2 Comentários
Agora começo a entender o buraco em quê a Maçonaria se enfiou!!!
ResponderExcluirA solução, ao meu sentido, é sair deste militarismo tosco e sem fundamento. É voltar "urgentemente" ao lema LIBERDADE,IGUALDADE E FRATERNIDADE"....com muita compaixão e amor ao próximo!!!
Chega de militarismo, chega de capitalismo. Precisamos pensar o ser humano, a vida!!! Voltemos ao "Socialismo" puro e. Sejamos forte!!!
Feito o meu comentário e o meu sincero desejo!!!
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