A história é sempre antiga. E se repete.
Na sexta-feira 13 de janeiro de 2012,
o jornal Folha de São Paulo publicou a notícia: uma servidora de Brasília foi
mordida por um rato nas dependências do Senado. Ao tomar conhecimento do fato,
meu correspondente holandês G. van Der Meer enviou um email perguntando se o
rato era literal - roedor da família dos murídeos – ou um rato
em sentido político - pessoa que pratica furtos em locais públicos.
Respondi ligeiro que a infeliz funcionária fora atacada por um rato mesmo, de
rabo, pelo eriçado e dentuça. E que a diretoria da Mesa requereu uma
desratização no local, mandando interromper as atividades das secretarias do
Senado e do Congresso próximas ao local onde o roedor específico agiu de forma
hostil e antiética. G. van Der Meer achou a história divertida e na
contrarréplica enviou-me a versão original da história do Rattenfänger
Von Hamelin, o Pied Piper ou flautista de Hamelin, como é mais conhecida.
Hamelin, diz a crônica, é uma cidade alemã
situada em Niedersachsen, entre as colinas do Weser, que atrai, a cada ano,
milhares de turistas para o Dia Hamelin.
Dizem que no ano de 1282 aquela cidade foi
infestada pelos ratos. As despensas e os celeiros foram invadidos de forma
assustadora e a pouca comida que restava do banquete ratoneiro ficou
contaminada pelas fezes e urina dos bichos.
A situação parecia perdida quando chegou um
homem chamado Swellus, assumindo a especialidade de caçar ratos e exterminar a
praga de uma vez por todas. Apresentou seu plano ao burgomestre e este lhe
prometeu, em nome do conselho da cidade, um pagamento de três moedas de ouro
por cabeça de rato.
Swellus aceitou a proposta. Dirigiu-se à
praça principal de Hamelin e, sob o olhar curioso dos habitantes, retirou uma
pequena flauta do bolso. Começou a tocar uma estranha melodia. Imediatamente,
em plena luz do sol, ratos de todos os tamanhos começaram a sair dos
esconderijos, dos porões e ninhadas inteiras despencaram dos telhados.
De repente, Swellus tomou a direção da rua
principal e a multidão de ratos seguiu atrás dele hipnotizada pela música. O
bizarro cortejo prosseguiu para a margem do rio Weser e, quando o flautista
executou os arpejos finais da melodia, os ratos pularam na água, morrendo
afogados.
Swellus meteu a flauta no bolso e voltou à
prefeitura para receber o pagamento combinado. Fez preço de ocasião
arredondando a conta: foram aproximadamente 6.000 ratos... a três moedas de
ouro por cabeça... hmmm, a cidade lhe devia 18.000 moedas de ouro.
Swellus deu ainda um desconto de quinze por cento (que é a linguagem que os
políticos entendem) e arrematou: 15.000 moedas de ouro.
O burgomestre convocou o conselho da cidade.
Analisaram a questão pelo prisma da responsabilidade fiscal e sentenciaram
junto ao flautista:
- Impossível pagarmos essa quantia. Temos que
zelar pela economia e pelos cofres públicos! Além disso, vós não trouxestes as
cabeças dos ratos conforme o contrato verbal havido entre a municipalidade e
vossa harmoniosa flauta. Vistos, etc... e na ausência de licitação (flexibilizada
a exigência por motivo de calamidade pública) oferecemos um pagamento
simbólico, um pró-labore de 1.500 moedas de prata, hospedagem e alimentação por
três dias, mais folga compensatória no quarto e quinto dias. Nada mais do que
isso.
Swellus ficou indignado:
- Mil e quinhentas moedas de prata em
lugar de quinze mil de ouro!? pró-labore?! hospedagem e
alimentação, quem precisa disso!? folga compensatória?! não tenho nem carteira
assinada...! sou "recrutamento amplo" para serviço temporário! Nada
disso, exijo minhas quinze mil moedas de ouro ou não saio daqui!
O burgomestre franziu o cenho, enrubesceu,
espumou e bateu o pé:
- Ponha-se já daqui prá fora, seu flautista
vagabundo! ou mandamos a lei conduzi-lo debaixo de vara!
- Debaixo de vara? - urrou o músico - saio
por conta própria, mas os senhores vão se arrepender!
Swellus retornou à praça e diante dos
atônitos transeuntes pegou a flauta e tocou a tarantella di
tempo giocoso, ma non troppo vivace.
Imediatamente todas as
crianças saíram das casas, fascinadas. E seguiram Swellus -
felizes, dançando, rindo e festejando.
Em Hamelin permaneceram apenas os adultos e
os velhos a esperar o retorno da meninada durante toda noite, olhos fixos no
relógio da torre.
Raiou o sol e nada. No decorrer do dia
entraram em pânico. Vasculharam na redondeza, nas cidades vizinhas, no rio... e
nada das crianças. Esperaram mais uma semana, dois meses, três anos... Com os
celeiros cheios de comida e as despensas protegidas, acostumaram-se tristes a
uma vida sem ratos e sem crianças.
Hamelin mergulhou num silêncio perturbador e
o angústia abateu-se pesadamente sobre sobre o vale do Weser.
Não há nada de novo debaixo do sol
(diria o rei Salomão); e eu acrescento: nem debaixo, nem acima.
No início do século XX, a cidade do Rio de
Janeiro enfrentava a praga da peste bubônica oriunda dos ratos. Havia um
funcionário que pagava a quem recolhesse ratos na rua e revendia os animais
para o governo. Chegavam a importar ratos de cidades vizinhas, como Niterói. A
iniciativa governamental eliminou mais de 1,6 milhão de ratos em quatro anos. Mas
a tradicional malandragem fez com que muitos criassem ratos para
vendê-los ao governo e recebiam 300 réis por animal excedente, descontadas as
pedaladas fiscais e o caixa 2 de campanha.
- Ouvi dizer que, na noite de ontem,
um estranho personagem encapuzado embarcou num aeroporto próximo ao
Weserbergland com destino a Brasília. Trazia pouca bagagem e no bolso... uma
flauta. Se for o mesmo Swellus de 730 anos atrás (descendente, discípulo ou
reencarnação do mesmo)ou herdeiro dos malandros do início do século XX, garanto
que desta vez ele vai ter um trabalho danado!
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