HERMETISMO E MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA

Por Vitor Manuel Adrião (*)

Tenho consciência que ao falar de Fernando Pessoa no contexto da Portugalidade Iniciática é associá-lo quase de imediato ao ultranacionalismo e consequente messianismo sebastianista. Ainda que ideologicamente compartilhe muito do que o vate pronunciou e escreveu, ainda assim torna-se premente, antes de tudo o mais, identificar correctamente o espólio literário do autor, ou melhor, como sendo eventualmente do autor e em que circunstâncias acaso o tenha escrito.
Houveram quatro pessoas que beberam profusa e profundamente na fonte Pessoana, com as quais convivi em tertúlias «domésticas» e me foram de grande utilidade pela muita informação oral que recolhi acerca do seu conhecimento directo, quase contemporâneo, da pessoa e obra do poeta. Essas quatro pessoas, são: Pinharanda Gomes, António Telmo, José Blanc Portugal e Agostinho da Silva, os três últimos já falecidos. Todos eles discípulos de grandes pensadores portugueses coevos de Fernando Pessoa os quais deixaram cartilhas onde as modernas gerações aprenderam a ler e escrever. São, portanto, autores fortemente creditados e até imortalizados na Literatura Portuguesa.
Por esses insignes personagens vim apercebendo que muito do que se diz e escreve sobre Fernando Pessoa nos dias d’hoje não corresponde, minimamente, à verdade. Que “muitos dos que falam e escrevem sobre Fernando Pessoa são, no íntimo, os maiores inimigos do seu Pensamento” (António Telmo). Que “não têm a mínima preocupação em contextualizar os escritos do vate, donde retirarem dos seus textos frases soltas não raro fora do contexto original para, sem mais cuidado e atenção, as colar às suas ideologias particulares, maioritariamente distadas da originalidade de Pessoa” (Agostinho da Silva). E porque “Fernando Pessoa também foi editor, muitos dos escritos que se lhe atribuem não são dele mas de autores, conhecidos ou desconhecidos, que lhos deram para publicação em alguma das revistas que dirigiu, muitos dos quais não chegaram a ver a luz” (Pinharanda Gomes). Ademais, afirmo eu agora, muitos dos escritos originais de Fernando Pessoa, dispersos por folhas soltas sem ligação entre elas, são produto de: a) ideias que tinha no momento e passava-as ao papel sem o mínimo cuidado literário ou outro, visto ser material íntimo que se reservava de compartilhar com outréns; b) ideias que ouvia nas suas tertúlias intelectuais e, chegando a casa, transcrevia-as para o papel, por vezes assumindo-as como suas, por vezes adaptando-as à sua particular maneira de ver as coisas e, por vezes, não raro, transcrevendo-as mas com anotações pessoais à margem das mesmas. É material íntimo que decerto Fernando Pessoa não desejava que visse a luz do dia, por ser pouco mais ou pouco menos que anotações e rabiscos os quais guardava e logo se esquecia.

Postas essas premissas, necessárias à boa prudência e enquadramento correcto do Pensamento Pessoano, nos últimos tempos usado e abusado à exaustão por «mitólogos nacionalistas» de tendências diversas não raro enquadradas no artificialismo plástico da corrente «new age» que hoje em dia penetra até mesmo em organizações de cariz espiritual ou iniciático de grande valor provado no Passado tendo prestaram grandes e valiosos serviços ao desenvolvimento intelectual e moral do Género Humano, procurarei penetrar o mais justamente possível no que seria o entendimento particular de Fernando Pessoa da Portugalidade Iniciática ou Espiritual. Para conseguir isso, só com as palavras do próprio e a elas recorrerei tanto quanto possível servindo-me dos seus textos coligidos por João Gaspar Simões, Dalila L. Pereira da Costa, Yvette Centeno, Pedro Teixeira da Mota, António Quadros, e igualmente de revistas e jornais da época ou recentes com testemunhos de quem na altura vivenciou directamente com o poeta e ensaísta.

Arca com o espólio literário de Fernando Pessoa (mais de 25.000 
manuscritos)

Inquestionavelmente foi o conjunto de poemas patrióticos, escritos entre 1914 e 1934, agregado num corpo tríplice – já considerado Supra-Camoneano – a que chamou Mensagem, que arremessou Fernando Pessoa para a fama universal inscrito no Sagrado e no Mítico Português. Considere-se quem sem a Mensagem dificilmente ele seria conhecido como hoje é dentro e fora da Lusofonia. É o próprio a explicar a origem de tal nome e a sua relação com o de Portugal, no seu ensaio sobre A Pátria Portuguesa – A Crise Central da Nacionalidade (em texto recolhido e organizado por António Quadros):

“O meu livro Mensagem chamava-se primitivamente «Portugal». Alterei o título porque o meu velho amigo Da Cunha Dias me fez notar – a observação era por igual patriótica e publicitária – que o nome da nossa Pátria estava hoje prostituído a sapatos, como a hotéis a sua maior Dinastia. «Quer V. pôr o título do seu livro em analogia com “portugalize os seus pés”?» Concordei e cedi, como concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador ocasional.

“Pus-lhe instintivamente esse título abstracto. Substituí-o por um título concreto por uma razão…

“E o curioso é que o título Mensagem está mais certo – à parte a razão que me levou a pô-lo – de que o título primitivo.”

Perante o sucesso imediato que o livro teve e querendo aprofundar o sentido último da obra decerto escondido para lá da letra impressa, o autor foi entrevistado pelo seu amigo jornalista Artur Portela, entrevista publicada na Revista de Comércio e Contabilidade, em 1934, com o título Dez minutos com Fernando Pessoa:

“A calva socrática, os olhos de corvo de Edgar Poe, e um bigode risível, chaplinesco – eis a traços tão fortes como precisos a máscara de Fernando Pessoa. Encontramo-lo friorento e encharcado desta chuva cruel de Dezembro a uma mesa do Martinho da Arcada, última estampa romântica dos cafés do século XX. É ali que vivem agora os derradeiros abencerragens do «Orpheu». A lira não se partiu. Ecoa ainda, mas menos bárbara, trazida da velha Grécia, no peito de uma sereia, até à foz romana do Tejo. Fernando Pessoa tem três almas, baptizadas na pia lustral da estética nova: Álvaro de Campos, o das Odes, convulsivo de dinamismo, Ricardo Reis, o clássico, que trabalha maravilhosamente a prosa, descobrindo, na cinza dos túmulos, tesouros de imagens, e Alberto Caeiro, o superclássico, majestoso como um príncipe. Mas desta vez fala Fernando Pessoa – em «pessoa». O título da sua obra recente, Mensagem, está entre nós, como um hífen de amizade literária. Porquê o título?

“O poeta desce a escada de Jacob, lentamente, coberto de neblinas e de signos misteriosos. A sua inteligência geometriza palavras, que vai rectificando empós. A sua confidência é quase soturna, trágica de inspiração íntima:

“- Mensagem é um livro nacionalista, e, portanto, na tradição cristã representada primeiro pela busca do Santo Graal, e depois pela esperança do Encoberto.

“É difícil de entender, mas os poetas falam como as cavernas com boca de mistério. De resto, os versos são ouro de língua, fortes como tempestades.

“- É um livro novo?

“- Escrito por mim há muito tempo. Há poemas que são de 1914, quase do tempo do «Orpheu».

“- Mas estes são agora mais clássicos, digamos. Versos de almas tranquilas…

“- Talvez. É que eu tenho várias maneiras de escrever – nunca uma.

“- E como estabelece o contacto com o deserto branco do papel?

“Pessoa, numa nuvem de ópio:

“- Por impulso, por intuição, que depois altero. O autor dá lugar ao crítico, mas este sabe o que aquele quis fazer…

“- A sua Mensagem…

“- Projectar no momento presente uma coisa que vem através de Portugal, desde os romances de cavalaria. Quis marcar o destino imperial de Portugal, esse império que perpassou através de D. Sebastião, e que continua, «há-de ser».

“Fernando Pessoa recolhe-se. Disse tudo. Sobe a escada de Jacob, e desaparece à nossa vista, num céu constelado de enigmas e de belas imagens. Ferreira Gomes, que está ao nosso lado, olha-nos com mistério. Que é do poeta?”
 
Versão original da “Mensagem” de Fernando Pessoa
O mesmo Artur Portela publicaria nova entrevista com Fernando Pessoa, dessa vez no Diário de Lisboa de 14-2-1934, acompanhada de três poemas da Mensagem – «O Infante», «O Mostrengo» e «Prece» – com ilustrações de Almada Negreiros. Dela e ampliada em forma de artigo que nunca chegou a ser publicado, datado de 1935, e que se encontra no espólio, extraio alguns excertos por ter a ver com a origem e natureza do livro primaz do vate:

“Publiquei em Outubro passado, pus à venda, propositadamente, em 1 de Dezembro, um livro de poemas, formando realmente um só poema, intitulado Mensagem. Foi esse livro premiado, em condições muito especiais e para mim muito honrosas, pelo Secretariado de Propaganda Nacional.

“A muitos que leram com apreço a Mensagem, assim como a muitos que o leram ou com pouco apreço ou com nenhum, certas coisas causaram perplexidade e confusão: a estrutura do livro, a disposição nele das matérias, e mormente a mistura, que ali se encontra, de um misticismo nacionalista, ordinariamente colado, onde entre nós apareça, ao espírito e às doutrinas da Igreja de Roma, com uma religiosidade, deste ponto de vista, nitidamente herética.

“Há três realidades sociais – o Indivíduo, a Nação, a Humanidade. Tudo o mais é fictício.

“O indivíduo, a Nação, a Humanidade são realidades porque são perfeitamente definidos. Têm contorno e forma. O Indivíduo é a realidade suprema porque tem um contorno material e mental – é um corpo vivo e uma alma viva.

“A Nação é também uma realidade, pois a definem o território, ou o idioma, ou a continuidade histórica – um desses elementos, ou todos. O contorno da Nação é contudo mais esbatido, mais contingente, quer geograficamente, porque nem sempre as fronteiras são as que deviam ser; quer linguisticamente, porque largas distâncias no espaço separam países de igual idioma e que naturalmente deveriam formar uma só nação; quer historicamente, porque, por uma parte, critérios diferentes do passado nacional quebram, ou tendem para o quebrar, o vasículo nacional, e, por outra, a continuidade histórica opera diferentemente sobre camadas da população, diferentes por índole, costumes ou cultura.

“A Humanidade é outra realidade social, tão forte como o indivíduo, mais forte ainda que a Nação, porque mais definida do que ela. O Indivíduo é, no fundo, um conceito biológico; a Humanidade é, no fundo, um conceito zoológico – nem mais nem menos do que a espécie animal formada de todos os indivíduos de forma humana. Uma e outra são realidades como raiz. A Nação, sendo uma realidade social, não o é material: é mais um tronco que uma raiz. O Indivíduo e a Humanidade são lugares, a Nação o caminho entre eles. É através da fraternidade patriótica, fácil de sentir a quem não seja degenerado, que gradualmente nos sublimamos, ou sublimaremos, até à fraternidade com todos os homens.”

Que é dizer, partir do pessoal para o colectivo, do nacional para o universal, do presente para o futuro acompanhando a marcha interior e exterior da Evolução Humana, pois sem Evolução não há Progresso e, não havendo Progresso, a Humanidade estagna e regride à condição simiesca, em termos de desenvolvimento psicossocial do seu Género.

O número três assiste à composição da Mensagem e tal como as redondilhas do Bandarra têm, conformadas à tripeça, três realizações diferentes, nisto adaptadas à translatio imperii patente nas três Idades tradicionais da tese de Joaquim de Flora, nisto esse propósito está implícito no Poema Pessoano, em «Brasão», «Mar Português» e «Quinto Império», módulo explicitador da críptica 1.ª quadra do III Corpo das Trovas do dito profeta de Trancoso:

“Em vós que haveis de ser o Quinto

Depois de morto o Segundo

Minhas profecias fundo

Nestas letras que VOS / AQUI pinto.”

Nas variantes VOS e AQUI do quarto verso, condensa-se o mistério. Desdobrando as letras em palavras latinas, obtém-se:

VOS – Vis (Força) / Otium (Ócio) / Scientia (Ciência).

AQUI – Armas (Armas) / Quies (Sossego) / Intellectus (Inteligência).

Eis-nos, portanto, perante o esquema de Joaquim de Flora e o seu modelo explicativo da História da Humanidade de acordo com a sucessão das três Pessoas da Trindade, explicação para a qual ele distingue dois tipos de inteligência: a exotérica e a esotérica. Ou seja: a «segundo a Letra» e a «segundo o Espírito».


Flora simboliza esses cinco tipos de inteligência (duas partes cada uma dividida em quatro, mais uma consistindo na síntese de todas) nos cinco Apóstolos que levaram a Boa Nova aos gregos: André, Pedro, Paulo, Barnabé e João, ou sejam, os transmissores do Conhecimento do Oriente ao Ocidente.

Mas é o próprio Fernando Pessoa quem se refere à referida quadra bandárrica, assinalando-a e interpretando-a em primeira mão de maneira a correlacioná-la com ocorpus da Mensagem. Tal aparece no seu Prefácio ao livro Quinto Império, de Augusto Ferreira Gomes. Este jornalista, muito amigo de Pessoa, já antes da feitura desse Prefácio e sobre o tema «Portugal – Vasto Império», realizou no Jornal do Comércio e das Colónias um «Inquérito» em que foram ouvidas diversas personalidades. A resposta de Fernando Pessoa saiu nos números de 28-5 e 5-6-1926, sendo depois reproduzida em 1934 pelo entrevistador no seu livro já assinalado. Poeta constante e ensaísta raramente mas muito dedicado a estudos de Astrologia, Cabala e Profecia, Augusto Ferreira Gomes decerto foi o amigo e companheiro mais constante de Pessoa nos últimos anos da sua vida. Partilhava com ele dos ideais do Quinto Império, do Sebastianismo e do Pensamento Hermético, embora sem a feição tão heterodoxa do seu companheiro de lides e aventuras (como a de colaborar na grande «blague» do desaparecimento do mago inglês Aleister Crowley, em Setembro de 1930, na Boca do Inferno, em Cascais). Publicou, além do Quinto Império (1934), os livros de poesias Rajada Doentia (1914) e Procissional (1924), sendo também autor de No Claro-Escuro das Profecias (1914), onde expôs e interpretou as Profecias de S. João no Apocalipse, de S. Malaquias, de Nostradamus e do Bandarra, de entre outros.
 
Fernando Pessoa e Augusto Ferreira Gomes
Augusto Ferreira Gomes (1892-1953) foi um excelente gráfico. Trabalhou com António Ferro no S. P. N., depois no S. N. I. e dirigiu graficamente as publicações deste organismo, muito contribuindo para a renovação e a modernização do gosto entre os líteros portugueses. Em grande parte deveu-se ao seu empenhamento a publicação a Mensagem. Revelando o corpus hermeticum desta no Prefácio ao Quinto Império de Ferreira Gomes (Ed. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1934), escreveu Fernando Pessoa:

“A chave está dada, clara e obscuramente, na primeira quadra do Terceiro Corpo de Profecias do Bandarra, entendendo-se que Bandarra é um nome colectivo, pelo qual se designa, não só o vidente de Trancoso, mas todos quantos viram, por seu exemplo, à mesma luz. Este Terceiro Corpo não é, nem poderia ser, do Bandarra de Trancoso. Dizemos, contudo, que é do Bandarra.

“A quadra é assim:

“Em vós que haveis de ser Quinto

Depois de morto o Segundo,

Minhas profecias fundo

Nestas letras que VOS pinto.”

“A palavra VOS, no quarto verso, tem a variante AQUI em alguns textos. Mas, de qualquer dos modos, a interpretação vem a ser igual.

“Considerando, pelo lema da Tripeça, que todas as profecias têm três tempos distintos, esta será interpretada em relação a três tempos de Portugal, segundo as «letras» são «pintadas». Se as letras são as da palavra VOS, indicam, como se mandou que se soubesse, Vis, Otium, Scientia. E se as letras são as da palavra AQUI, indicam, segundo a mesma ordem, Arma, Quies, Intellectus, que logo se vê serem termos sinónimos dos outros.

“Temos pois que a Nação Portuguesa percorre, em seu caminho imperial, três tempos – o primeiro caracterizado pela Força (Vis) ou as Armas (Arma), o segundo pelo Ócio (Otium) ou o Sossego (Quies), e o terceiro pela Ciência (Scientia) ou a Inteligência (Intellectus). E os tempos e os modos estão indicados nos primeiros dois versos da quadra:

“Em vós que haveis de ser Quinto

Depois de morto o Segundo…”

“No primeiro tempo – a Força ou Armas – trata-se de el-rei D. Manuel o Primeiro, que é o quinto rei da dinastia de Avis, e sucede a D. João o Segundo, depois deste morto. Foi então o auge do nosso período de Força ou Armas, isto é, de poder temporal.

“No segundo tempo – Ócio ou Sossego – trata-se de el-rei D. João o Quinto, que sucede a D. Pedro o Segundo, depois de este morto. Foi então o auge do nosso período de esterilidade rica, do nosso repouso do poder – o ócio ou sossego da profecia.

“No terceiro tempo – Ciência ou Inteligência – trata-se do Quinto Império, que sucederá ao Segundo, que é o de Roma, depois de este morto.

“Quanto ao que quer dizer esta Roma, a cujo fim ou morte se seguirá o Império Português, ou Quinto Império, ou o que seja a Ciência ou Inteligência que definirá a este – não direi se o sei ou o não sei, se o presumo ou o não presumo. Saber seria de mais; presumir seria de menos. Quem puder compreender que compreenda.”

E adianta:

“As profecias são de duas ordens – as que, como a de Daniel e esta do falso Bandarra, têm em si uma grande luz; e as que, como as do vero Bandarra e as do livro presente, têm em si uma grande treva. Aquelas são o fio do labirinto, estas o mesmo labirinto. Umas e outras, porém, entre si se completam. Por umas as outras se esclarecem, tanto quanto pode ser, porque a luz afasta as trevas, mas sem as trevas se não veria a luz. Tão certo é o que se diz em certo passo secreto – que a melhor luz que temos neste mundo não é mais que treva visível…”

O Bandarrismo como Messianismo Profético de teor sebástico/nacional vem assim a relacionar-se com a natureza íntima de Portugal (Nação) e do Português (Indivíduo) por via da Iniciação Mariana, Real ou Cavaleiresca, cuja peanha é o próprio Espírito Santo assinalado  nas quinas chagadas de Cristo-Rei (Sangue Real, Sang GrealSaint Grial,Santo Graal) , Coroa áurea do Quinto Império Lusófico (Humanidade) marcando a manifestação do Quinto Reino Espiritual sobre a Terra, de quem o Sebastião monarca passado na tragédia e desaparecido na sanha sangrenta, não passou de véu e símbolo de mais alto e transcendente valor a fim ao próprio Messiah ou Avatara de uma Nova Idade do Mundo.



Iniciação Mariana, a mesma Senhorial encontrando o auge e síntese na maior Dominical ou do Senhor, sendo Arte Real conformada à natureza Cavaleiresca ou Guerreira (em sânscrito, Kshatriya) sendo abeirando a morte na incerteza de peleja, encontra o seu pedestal maior no Culto Templário do Santo Graal e na sua derivada Maçonaria Copta ou Egípcia, esta tendo por fundação mítica o Mistério Ísiaco de seus três MMM, que também são o seu “santo e senha”: MENFIS – MISRAIM – MAISIM, em alusão aos três grandes Templos da época de Akhnaton ou Amenófis IV: um solar, um lunar e outro luni-solar ou andrógino, mas também e sobretudo como alusão à Luz Tríplice do Governo Interno do Mundo de quem fala o próprio Ferreira Gomes no seu No Claro-Escuro das Profecias.

Essas Três Luzes aludem igualmente aos Três Aspectos do ESPÍRITO SANTO, a AVIS ou SIVA anagramaticamente, melhor dito, SHIVA como a Terceira Hipóstase Logóica influindo na criatura humana que, quando receptiva à Sua influência iluminadora, pode tornar-se um Profeta ou “porta-voz” da Sabedoria Divina no mais elevado Plano Arquetipal, e isso através da SABEDORIA (Budhi) – INSPIRAÇÃO (Bodhi) – REVELAÇÃO (Badhi), tanto valendo por Jnana (Conhecimento), Jneia (Conhecedor) e Jnata(Conhecido).



O ESPÍRITO SANTO é o Patrono dos Profetas, e a Sua face oriental, SHIVA, designa-O como Soberano dos Kshatriyas (“Jinas da Arca”), os Cavaleiros defensores de toda a Ordem social cuja elaboração sinárquica é realizada como Arte Real, indo visar humanamente o progresso físico e a elevação intelectual e moral dos povos sob a égide de um Governo Único: o do REI DO MUNDO (Melkitsedek, Chakravarti, Pater Rotan, Imperator Mundi), a mais viva e próxima Expressão do TERCEIRO LOGOS.

Muitos autores menos avisados da época em que Fernando Pessoa escreveu os seus textos messiânico/patrióticos, colam sem mais delongas em tendenciosos arroubos patrioteiros a Mensagem a outros textos seus de intervenção social, onde o vate parece indicar o «orgulhosamente sós» pela subida de Portugal ao trono regente reitor exclusivo das nações, particularmente após a «dissolução político-geográfica de Espanha» (a eterna mania trauliteira de alguma má vizinhança que vê mafarricos em maçons, republicanos, espanhóis, etc., e desespera no horror da ausência eterna de um Salazar ou de um Franco, reviralho acanalhado dos que temem a liberdade de ser, a igualdade de princípios e a fraternidade da Humanidade) com a interveniência directa de D. Sebastião, entretanto regressado de um qualquer nevoeiro ou nebuloso vazio geográfico para fundar o seu «Quinto Império», pouco lhes importando que no reinado desse monarca tal adjectivo não existisse, pois só depois do seu desaparecimento trágico ele ter sido criado pelo Padre António Vieira na sua ideia bíblica da translatio imperii. Ainda que tal conceito xenófobo de patrioteiros sem luzes mostre-se aberrante, mesmo monstruoso ante a lógica do Pensamento Humano e até mesmo da Formula Mens Lusitanea, no entanto ele ainda vinga hoje em dia em determinados sectores político-sociais herdeiros do Sebastianismo vermelho oitocentista, como o consignava António Sardinha, o que tem conferido ao mesmo Sebastianismo um carácter utopista, e mais que isso: politicamente reaccionário. Daí ser escarnecido e abjurado por largo sector esclarecido da sociedade, inclusive pelos quase ultranacionalistas que são os movimentos monárquicos e afins, inclusive os perniciosos de políticas extremadas.

Fernando Pessoa rebela-se nos seus escritos contra a influência dominante da Igreja Romana nos negócios do Estado, por via daqueles que vieram a constituir o Estado Novo, e assim exercerem a sua ditadura das mentes e das vontades. Augura a queda futura do Papado; proclama a Religião Messiânica Portuguesa, que é dizer, Universal da Nova Diáspora – a do Espírito Livre. Assombra-se e rebela-se contra a política do Pacto Ibérico de não-agressão estabelecida durante a Ditadura Militar de Óscar Carmona e o rei de Espanha, desfeita (não totalmente) por Salazar em Abril-Maio de 1931 e refeita pelo mesmo com a subida ao poder do Generalíssimo Franco. Fernando Pessoa opõe-se, como muitos outros ilustres e ilustrados que o antecederam, à fusão política de Estados diversos antevendo o perigo social, económico e militar que de tão bombástico caldeamento poderia advir. Faz a diferenciação etno-histórica dos dois países da Península Ibérica e dos vários da Europa, inclusive não esquecendo a diversidade etno-histórica existente no espaço humano e geográfico desses mesmos países. Opõe-se a uma dissolução pura e simples, ou no mínimo a uma alteração radical do mapa político europeu, sem se dar atenção a outras e mais especificidades geo-etno-históricas. Isso equivaleria a uma Sinarquia às avessas, que é dizer, a uma ditadura global do continente, que fatalmente alastraria ao restante Globo, e por isso diferenciou o Império Espiritual Português do Salazarismo aliado de Mussolini, ao mesmo tempo que de Franco e finalmente de Hitler, que se comprometeu não invadir a Península Ibérica. Tais políticas ditatoriais juntas, sabe-se, são a grande causa da II Guerra Mundial e da mudança do mapa geo-político da Europa (principalmente a do Norte, do Centro e do Leste), o que ainda hoje é motivo de inúmeras quezílias onde a razão cala e as armas vomitam desgraça e ódio entre os povos. Apoiaria Fernando Pessoa tais políticas de descontento, de ditadura cada vez mais férrea e de mordaça na razão? Apoiaria ele a política «ultra-narso-nacionalista sob o dédalo tenaz de Roma» do Ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar? Duvido, e duvido muito.

São conhecidos três poemas, todos de 1935, de Fernando Pessoa criticando abertamente o Salazarismo e atacando sarcasticamente as mais importantes instituições e conceitos emblemáticos do Regime: «Salazar», uma tríplice sequência, «Isto é o Estado Novo, e o povo…» e «Poema de Amor em Estado Novo», este, datado de 19 de Julho desse ano, é composto por dez quintilhas de que reproduzo as duas últimas estrofes:

E a fé dos nossos maiores?

Forma-a impoluta o consórcio

Entre os padres e os doutores.

Casados o Erro e a Fraude

Já não pode haver divórcio.

*

Que a fé seja sempre viva.

Porque a esperança não é vã!

A fome corporativa

é derrotismo. Alegria!

Hoje o almoço é amanhã.

Em projecto de carta a Adolfo Casaes Monteiro, com data de 31-10-1935, a qual foi reproduzida no Catálogo da Exposição «Fernando Pessoa: o último ano», levada a efeito pela Biblioteca Nacional de Lisboa em Dezembro de 1985, Fernando Pessoa sentindo a censura intelectual da ditadura crescente, desabafa ao amigo: «Desde o discurso que o Salazar fez em 21 de Fevereiro deste ano (…), tudo quanto escrevermos, não só não tem que contrariar os princípios (cuja natureza ignoro) do Estado Novo (cuja definição desconheço), mas tem que ser subordinada às directrizes traçadas pelos orientadores do citado Estado Novo.»

Quanto ao citado poema «Salazar», de 29 de Março de 1935, pode relembrar-se que foi publicado pela primeira vez no jornal O Estado de S. Paulo (Brasil), a 20 de Agosto de 1960, por intervenção de Jorge de Sena. Transcrevo apenas um fragmento que, mantendo o discurso na linha de ataque fulanizado que caracteriza toda a sequência, também envolve a alusão à ausência de liberdade que era a marca primeira do Regime:

Coitadinho

Do tiraninho!

Não bebe vinho,

Nem sequer sozinho…

*

Bebe a verdade

E a liberdade,

E com tal agrado

Que já começa

A escassear no mercado.

Essa ausência de liberdade assegurada pela instituição censória, denuncia-a o vate num importante manuscrito deixado entre os seus muitos papéis e que foi dado à estampa na página 81 do livro Fernando Pessoa – Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, com textos estabelecidos e prefaciados por Jacinto Prado Coelho e Georg Rudolf Lind (Editora Ática, Lisboa, 1966), livro censurado até finais de 1975 em que se publicou o seu texto completo: «Não é que não publique porque não quero: não publico porque não posso. (…) Ora sucede que a maioria das coisas que eu pudesse escrever não poderia ser passada pela Censura. Posso não poder coibir o impulso de escrevê-las: domino facilmente, porque não o tenho, o impulso de as publicar, nem vou importunar os Censores com matéria cuja publicação eles teriam forçosamente que proibir.» Trata-se, como se vê, de um texto que talvez forneça uma das principais chaves explicativas da não publicação, por Fernando Pessoa, de tantos documentos que aparentemente se destinavam a ver a luz do dia.

As tertúlias literárias de Lisboa eram fortemente vigiadas, censuradas e reprimidas pela Polícia de Estado, assim me informou quem delas comparticipou. Já no tempo de Fernando Pessoa não deveria ser diferente, e é mesmo de supor ele que estivesse debaixo da alçada da vigilância apertada da mesma polícia, como elucida num rascunho de carta, dos primeiros dias da Primavera de 1935, ao seu amigo António Marques Matias, revelado pela primeira vez no Catálogo da Exposição «Fernando Pessoa: o último ano»: «Nunca se admire de eu tardar em escrever-lhe, nem com esse tardar se ofenda. À parte o andar eu sempre embrenhado em complicadíssimas crises mentais, acresce que certas circunstâncias externas, a que não consigo ser insensível, me abatem e me perturbam. Tenho estado velho por causa do Estado Novo.»
 
“Retrato de Fernando Pessoa”. Pintura de Mário Botas (1982)
Muitas mais e elucidativas referências do poeta mostrando abertamente o seu descontentamento a Salazar e ao Estado Novo, poderia trazer aqui. Mas não – bastam as que já estão, não vá ainda eu ser acusado de comunista, socialista, jacobino ou coisa que o valha… Deveriam antes dizer: amante da liberdade de expressão e expansão dos povos e sinarquista incontinente!

Também o terá sido Fernando Pessoa, apologista da liberdade premente à difusão expansora do Império Cultural Português, e o que diz em texto coligido por António Quadros, com a referência Portugal, é bem demonstrativo que «sabia separar as águas» e de maneira alguma era adepto do fatal e isolacionista «nacionalismo sebástico fascizante», muito pelo contrário, tais palavras vêm ao encontro da doutrina político-iniciática, dita sinárquica, do seu conhecimento e igualmente de Ferreira Gomes, seu amigo confidente de sempre:

“Ora os laços culturais são de três ordens, se os considerarmos não só como cultural, senão também como políticos. Vimos já (?) que há, primeiro, nações, depois grupos civilizacionais, finalmente a civilização. A determinação do sentido cultural de um país tem, portanto, que definir-se pela sua determinação em relação a si próprio, ao grupo civlilizacional a que pertence, e à civilização em geral.

“Portugal, na determinação do apoio do seu imperialismo cultural, tem que buscar, primeiro, o Brasil, que tem por língua nacional o português.

“Portugal, na determinação do seu apoio em grupo civilizacional, tem que buscar a Ibéria, de cuja personalidade espiritual participa.

“Portugal não difere no género, senão na espécie, das outras regiões da Ibéria. Isto é, os inimigos culturais de Portugal são os inimigos culturais da Ibéria, e vice-versa. Como se trata de grupo civilizacional, a questão, aqui, não é política; e por isso pode haver inimigos políticos de Portugal que o não sejam de Espanha, e de Espanha que o não sejam de Portugal.”

A sua concepção de Império é clara o bastante para ir contra estados mentais rácicos lacrados ao quadrado, antes, ao rectângulo, e o bastante para se aperceber no espírito da letra a tomada do estado Andrógino ou de Perfeição Humana que caracteriza o futuro sinárquico da Civilização adentrando a Consciência do Quinto Reino Espiritual ou Angélico, imediato ao Humano. São de Fernando Pessoa as palavras seguintes retiradas do seu livro Sobre Portugal, editado pela Ática, Lisboa, 1979, as quais revelam bem o que aqui me trouxe – o espírito da Mensagem:

“Todo o Império que não é baseado no Império Espiritual é uma Morte de pé, um Cadáver mandando. Só pode realizar utilmente o Império Espiritual a nação que for pequena, e em quem, portanto, nenhuma tentativa de absorção territorial pode nascer, com o crescimento do ideal nacional, vindo por fim a desvirtuar e desviar do seu destino espiritual o original imperialismo psíquico. (…) Criando uma Civilização Espiritual própria, subjugaremos todos os Povos; porque contra as artes e as forças do Espírito não há resistência possível, sobretudo quando elas sejam bem organizadas, fortificadas por almas e generais do Espírito. Criemos um Imperialismo andrógino, reunidor das qualidades masculinas e femininas: Imperialismo que seja cheio de todas as subtilezas do domínio feminino e de todas as forças e estruturações do domínio masculino. Realizemos Apolo espiritualmente.”

II

Pelo livro de Mário Saa, A Invasão dos Judeus, Lisboa, 1925, vem a saber-se que Fernando Pessoa pertenceu a uma família do Fundão por seu quinto avô Sancho Pessoa, o qual fora astrólogo e salmista. Este Sancho Pessoa, natural de Montemor-o-Velho, esteve preso nos calabouços da Inquisição de Coimbra, em 1706 sendo condenado a confisco por ser judeu militante (processo na Torre do Tombo, n.º 9478). Após, deslocou-se para o Fundão onde casou pela terceira vez, dando origem aos Pessoa de Amorim, à família do jornalista Alfredo da Cunha e mais directamente a Fernando Pessoa, que dele é descendente em varonia. E adianta Mário Saa, amigo pessoal do poeta, em texto coligido por António Quadros: «Fernando Pessoa, nós o vemos em recorte feminino e trémulo, aconchegando a luneta, meditando e actuando. Nós o vemos fisionomicamente hebreu, com tendências astrológicas e ocultistas, um verdadeiro sacerdote do Talmude, prudente, cauteloso, tímido, dissimulado em intenções (…) lança-se e oculta-se, esconde-se e prepara novos lances; é um verdadeiro furta-fogo! Tudo isto se revela pelos seus numerosos pseudónimos – pelos que tem e pelos que há-de vir a ter, e… pelos que não se sabe que tem! Além do seu verdadeiro nome, Fernando Pessoa, ele é Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, etc. Isto só verdadeiramente podia lembrar a um indivíduo duma raça oculta, tal a judaica ou a chinesa, que são as que mais contribuem para as associações secretas, para a franco-maçonaria, por exemplo: são as chamadas raças femininas, por excelência».

Aquém de todos os seus heterónimos e personagens fictícias ou não, o que se sabe concretamente de Fernando Pessoa é fornecido em primeira mão por ele próprio, na nota biográfica que sobre si escreveu em 30-3-1935 e a partir da qual os ensaístas pessoanos têm desenvolvido as suas investigações:

“Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório), em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto, e que foi director-geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral – misto de fidalgos e judeus.

Profissão: A designação mais própria será «tradutor», a mais exacta de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.

Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações. O que, de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte:35 Sonnets (em inglês), 1918; English Poems I-II e English Poems III (em inglês também), 1922, e o livro Mensagem, 1934, premiado pelo Secretariado da Propaganda Nacional, na categoria «Poemas».

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o Prémio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.”

Irei reter-me aqui, apesar do texto biográfico continuar mas que já publiquei nos meus livros, editados no Brasil, História Oculta de Portugal (2000) e Mistérios Iniciáticos do Rei do Mundo (2002), havendo ainda referências num terceiro, igualmente lançado no Brasil e todos pela Editora Madras de São Paulo, As Forças Secretas da Civilização (Portugal, Mitos e Deuses).

De todos os seus heterónimos os que mais prevaleceram foram, como se sabe, Alberto Caeiro (o seu Mestre Interno, o “Outro”), Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Para cada um deles, Fernando Pessoa inclusive estabeleceu biografia. Para os descrever correctamente, deverei recorrer aos textos organizados por António Quadros no seu «livro de bolso» Obra em Prosa de Fernando Pessoa – Textos de intervenção social e cultural – A ficção dos heterónimos, integrado na vasta colecção do mesmo tema pessoano editada pela Europa-América. De Alberto Caeiro, diz:

“Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa a (…) de Abril de 1889, e nessa cidade faleceu, tuberculoso, em (…) de (…) 1915. A sua vida, porém, decorreu quase toda numa quinta do Ribatejo (?); só os últimos meses dele foram de novo passados na sua cidade natal. A vida de Caeiro não pode narrar-se, pois que não há nela de que narrar. Seus poemas são o que houve nela de vida. Em tudo mais não houve incidentes, nem há história. A obra de Caeiro representa a reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem os gregos nem os romanos, que viveram nele e por isso o não pensaram, o puderam fazer. A obra, porém, e o seu paganismo, não foram nem pensados nem até sentidos: foram vindos com o que quer que seja que é em nós mais profundo que o sentimento ou a razão. Dizer mais fora explicar, o que de nada serve; afirmar menos fora mentir. Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela linguagem em que se forma na mente; quem não entende não pode entender, e não há pois que explicar-lhe. É como fazer compreender a alguém um idioma que ele não fala.”

Quanto ao «Sr. Dr. Ricardo Reis é professor de latim (humanidades) num importante colégio americano», diz Pessoa, passando a descrevê-lo:

“O Dr. Ricardo Reis nasceu dentro da minha alma no dia 29 de Janeiro de 1914, pelas 11 horas da noite. Eu estivera ouvindo no dia anterior uma discussão extensa sobre os excessos, especialmente de realização, da arte moderna. Segundo o meu processo de sentir as cousas sem as sentir, fui-me deixando ir na onda dessa reacção momentânea. Quando reparei em que estava pensando, vi que tinha erguido uma teoria neoclássica, e que a ia desenvolvendo. Achei-a bela e calculei interessante se a desenvolvesse segundo princípios que não adopto nem aceito. Ocorreu-me a ideia de a tornar um neoclassicismo «científico» (…) reagi contra duas correntes – tanto contra o romantismo moderno, como contra o neoclassicismo à Maurras (…).”

Sobre o terceiro heterónimo principal, Fernando Pessoa descreve que:

“Álvaro de Campos nasceu em Lisboa, a 13 de Outubro de 1890, e viajou muito pelo Oriente e pela Europa, vivendo principalmente na Escócia.”


«Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade», escrevia Fernando Pessoa cerca de 1930, e num esboço de carta a Adolfo Casaes Monteiro, de 13-1-1935, esclarece a sua posição interior face à necessidade de criar heterónimos e outras personagens fictícias, inspiradas em pessoas vivas e reais, por um método mental imaginativo intenso a que a Teosofia e o Ocultismo chamam de criação de elementares ou formas-pensamento, cuja alimentação mental constante as tornam cada vez mais dinâmicas, vivas e até mesmo com alguma independência em relação ao seu criador:

“Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isolada e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meu sonho – um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pas – e outros que já me esqueceram, cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles, é uma das grandes saudades da minha vida.

“Isto parece simplesmente aquela imaginação infantil que se entretém com a atribuição de vida a bonecos ou bonecas. Era porém mais: eu não precisava de bonecas para conceber intensamente essas figuras. Claras e visíveis no meu sonho constante, realidades exactamente humanas para mim, qualquer boneco, por irreal, as estragaria. Eram gente.

“Além disto, esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.

“Trata-se, contudo, simplesmente do temperamento dramático elevado ao máximo; escrevendo, em vez de dramas em actos e acção, dramas em almas. Tão simples é, na sua substância, este fenómeno aparentemente tão confuso.

“Não nego, porém – favoreço, até –, a explicação psiquiátrica, mas deve compreender-se que toda a actividade superior do espírito, porque é anormal, é igualmente susceptível de interpretação psiquiátrica. Não me custa admitir que eu seja louco, mas exijo que se compreenda que não sou louco diferentemente de Shakespeare, qualquer que seja o valor relativo dos produtos do lado são da nossa loucura.

“Médium, assim, de mim mesmo, todavia subsisto. Sou, porém, menos real que os outros, menos coeso (?), menos pessoal, eminentemente influenciável por eles. Sou também discípulo de Caeiro, e ainda me lembro do dia – 13 de Março de 1914 – quando, tendo «ouvido pela primeira vez» (isto é, tendo acabado de escrever, de um só hausto de espírito) grande número dos primeiros poemas do Guardador de Rebanhos, imediatamente escrevi, a fio, os seis poemas-intersecções que compõem a Chuva Oblíqua («Orpheu» 2), manifesto e lógico resultado da influência de Caeiro sobre o temperamento de Fernando Pessoa.”

Ainda na mesma sequência mas recorrendo a um outro texto que estava no espólio do vate e foi publicado por Teresa Rita Lopes em Fernando Pessoa et le Drame Symboliste(edição do Centro Cultural Português, Fundação Calouste Gulbenkian, Paris, 1977), transcrevo as suas seguintes palavras:

“Finjo? Não finjo. Se quisesse fingir, para que escreveria isto? Estas coisas passaram-se, garanto; onde se passaram não sei, mas foi tanto quanto neste mundo qualquer cousa se passa, em casas reais, cujas janelas abrem sobre paisagens realmente visíveis. Nunca lá estive – mas acaso sou eu quem escreve?

“Na vossa vida prática, cheia de cousas impossíveis, e que nunca podiam ter acontecido, na vossa vida de sentimento, doméstica ou própria, cheia de cousas de emoção que nunca se sentiram neste mundo, há acaso realidades tão presentes como estas, que talvez julgais indefinidas? Ah, as sombras sois vós e as vossas sensações. A realidade, sendo verdadeira, é assim como me a escreveram estes, e como estes, que escreveram, foram.

“Não me digais que sou médium de espíritos estranhos à terra. Com a terra me quero, e com o seu âmbito azul. O horizonte inclui quanto eu incluo; o resto são os maus sonhos que cada um tem a sós consigo.”

Segue-se o flagrante do seu texto, presumivelmente de 1930:

“Referem os astrólogos os efeitos em todas as cousas à operação de quatro elementos – o fogo, a água, o ar e a terra. Com este sentido poderemos compreender a operação das influências. Uns agem sobre os homens como a terra, soterrando-os e abolindo-os, e esses são os mandantes do mundo. Uns agem sobre os homens como o ar, envolvendo-os e escondendo-os uns dos outros, e esses são os mandantes do além-mundo. Uns agem sobre os homens como a água, que os ensopa e converte em sua mesma substância, e esses são os ideólogos e os filósofos, que dispersam pelos outros as energias da própria alma. Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima neles o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça. Caeiro teve essa força. Que importa que Caeiro seja de mim, se assim é Caeiro?

“Assim, operando sobre Reis, que ainda não havia escrito alguma cousa, fez nascer nele uma forma própria e uma pessoa estética. Assim, operando sobre mim mesmo, me livrou de sombras e farrapos, me deu mais inspiração à inspiração e mais alma à alma. Depois disto, assim prodigiosamente conseguido quem perguntará se Caeiro existiu?”

Para desfechar as citações a essa particularidade dos heterónimos do poeta, segue-se uma outra presumivelmente também de 1930:

“A cada personalidade mais demorada, que o autor destes livros conseguiu viver dentro de si, ele deu uma índole expressiva, e fez dessa personalidade um autor, com um livro, ou livros, com as ideias, as emoções, e a arte dos quais, ele, o autor real (ou porventura aparente, porque não sabemos o que seja a realidade), nada tem, salvo o ter sido, no escrevê-las o médium de figuras que ele próprio criou.

“Tenho, na minha visão a que chamo interior apenas porque chamo exterior a determinado «mundo», plenamente fixas, nítidas conhecidas e distintas, as linhas fisionómicas, os traços de carácter, a vida, a ascendência, nalguns casos a morte, destas personagens. Alguns conheceram-se uns aos outros; outros não. A mim, pessoalmente, nenhum me conheceu, excepto Álvaro de Campos. Mas, se amanhã eu, viajando na América, encontrasse subitamente a pessoa física de Ricardo Reis, que, a meu ver, lá vive, nenhum gesto de pasmo me sairia da alma para o corpo; estava certo tudo, mas, antes disso, já estava certo. O que é a vida?”


Fernando António Nogueira Pessoa, ao criar os seus heterónimos, e nada indica que não tenham existido realmente como pessoas que ele terá adaptado às suas particulares formas de pensamento que animou e deu autonomia, mediador psicomental de si mesmo, por via da imaginação criadora, por eles também expõe veladamente «os três caminhos para o Oculto» (em seu Ensaio sobre a Iniciação) e que são «o Mágico, o Místico e o Alquímico».

Nesta apreensão, poderá instalar-se o heterónimo Ricardo Reis na acção da Via Física, Mágica, Karma-Marga (que na Idade Média era retratada pelos trovadores nas Cantigas de Amigo), tendo sido o heterónimo que mais tempo durou quanto a influência da Magia na vida de Pessoa.

O heterónimo Álvaro de Campos em conexão com o Caminho Místico, Emocional ou Psíquico, Bhakti-Marga (retratada nas Cantigas de Amor), e finalmente Alberto Caeiro, o Mestre de todos, o «Outro», como «Alva Coroada» com a Via Alquímica, Jnana-Marga(assinalada nas Cantigas de Santa Maria), a Realização Mental ou Espiritual.

Tendo, pois, reunido e alinhado potencial e manifestamente esses três aspectos (essencialmente Espírito – Alma – Corpo), Fernando Pessoa transformara-se num Iniciado Real, de tal maneira que o Ocultismo deixara de ter segredos para ele e pelo que, decerto, sabia como ocultá-lo em sua Obra.

Com tudo quanto fica por dizer, mas ficando estabelecidas as linhas-mestras ao desenvolvimento do tema, dou o arremate final com excerto de texto do vate, provavelmente datado de 1930:

“Tornando-me assim, pelo menos um louco que sonha alto, pelo mais, não um só escritor, mas toda uma literatura, quando não contribuísse para me divertir, o que para mim já era bastante, contribuo talvez para engrandecer o universo, porque quem, morrendo, deixa escrito um verso belo deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente.”

III

Sabe-se que foi enorme e distendeu-se por toda a sua vida e obra intelectual o interesse e vocação de Fernando Pessoa pelo Ocultismo. Aliás, o seu pensamento literário e a sua forma de escrever quase, ou mesmo, arquetípica, só poderão ser interpretados com correcção à luz do Ocultismo com que norteou o seu viver e forma de estar na vida. Disso há provas sobejas… traduziu obras teosóficas, rosacrucianas, maçónicas, alquímicas e astrológicas, sobretudo nos anos 20 do seu século editadas pela Livraria Clássica Editora, em Lisboa, ocultando-se em vários pseudónimos, sendo o mais conhecido o de Fernando de Castro. Interessou-se por essas correntes de pensamento sem que todavia temporalmente se filiasse a alguma, exceptuando a sua relação por essa época com a Golden Dawn, organização britânica de cariz mágico-rosacruciano. Desenvolveu oral e literariamente os temas segundo a sua particular maneira de ver e os interpretar. Converteu o Sebastianismo Messiânico numa forma de Ocultismo Nacional, e nisto reside a sua singularidade.

No espólio literário que deixou na sua célebre «arca» – um baú ao canto do quarto modesto – encontra-se nos seus escritos inúmeros desenvolvimentos ocultistas, e a sua modesta biblioteca é maioritariamente constituída de livros dessa natureza, dentre eles a assinalar uma cópia do original – na Biblioteca Nacional de Lisboa – da Ennoea ou Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal, escrita em 1732 pelo alquimista Anselmo Caetano Munhoz de Abreu Gusmão e Castelo Branco, obra que também fazia parte do cardápio da Biblioteca do Convento de Santa Maria do Carmelo de Cascais, talvez indo daí para aquela após o abandono do imóvel religioso depois de 1834.

Estudou o espiritismo à luz das faculdades psicomentais que ia desenvolvendo. Visto só coincidirem na aparência, logo se desinteressou e mesmo criticou severamente, mas com critério intelectual ou didáctico, a atenção desmesurada que nele se dava ao desenvolvimento do medianimismo, como condição psíquica pessoal perfeitamente passiva em detrimento da acção mental. O mesmo aconteceu com o teosofismo, que redundou em fracasso total com a sua catequese messiânica na figura de Krishnamurti (recusando tal papel forçado de «avatara») e a vulgarização, para não dizer profanação, do nome e presença dos Mestres de Amor-Sabedoria e da Iniciação Real. O teosofismo passional e em muito aparentado ao espiritismo, abjurados por Fernando Pessoa, nada tinha a ver com a verdadeira Teosofia trazida ao Ocidente pela grande Iniciada Helena Petrovna Blavatsky, que aliás ele elogiou com palavras rasgadas de raro apreço.

Como Rafael Baldaya, pseudónimo, exerceu a Astrologia e praticou a Alquimia da Alma, que é dizer, a Via Interna de transformação da vida-energia em vida-consciência. Procurou o seu Mestre e encontrou-o! O mais… sortilégio e mistério.

Interessou-se e muito pelo espírito tradicional da Maçonaria, mesmo que em tempo algum fosse afiliado nela. Interessava-lhe unicamente o esoterismo que continha, e nada mais. Amante da liberdade de expressão e progresso dos povos, opôs-se publicamente com a maior vivacidade ao projecto de lei da Assembleia Nacional que pretendia a extinção das Sociedades Secretas em Portugal, logo com a Maçonaria à cabeça. Chocou muita gente essa sua atitude, muita gente que tinha lido a Mensagem e passado a considerá-lo um nacionalista ortodoxo, desses que beijam batina e aplaudem o totalitarismo, espécie de descendente d´algum desses lunáticos messianistas que no século XIX em Lisboa invadiam o alto de Santa Catarina de lunetas fixadas na barra do Tejo para ver chegar a nau que trazia D. Sebastião de terras distantes e incertas. Afinal só haviam entendido a letra do Poema, não a sua essência iniciática, verdadeiramente eclética e universalista. Jamais Fernando Pessoa foi maçom, mas jamais Fernando Pessoa ignorou o esoterismo que a Maçonaria continha, como rama da Tradição Iniciática das Idades.

Com efeito, em 1935 o deputado Dr. José Cabral, membro do Estado Novo muito ligado ao Bispado, apresentou na Assembleia Nacional um projecto de lei tendo como objectivo a extinção de todas as Sociedades Secretas no País, a começar pela Maçonaria. Foi então que Fernando Pessoa publicou no Diário de Lisboa, em 4-2-1935, o artigo “Associações Secretas” (mais tarde publicado na forma de opúsculo, em duas edições, com os títulos:A Maçonaria vista por Fernando Pessoa, s.d., e Um Projecto de Lei, s.d.), em que defendia a existência da Ordem Maçónica e atacava o projecto de lei do deputado José Cabral. Essa sua atitude pública causou o maior escândalo no meio conservador lisboeta. Ele que, no ano anterior, fora galardoado com o Prémio Antero de Quental, dado pelo Secretariado de Propaganda Nacional através de António Ferro, pelo seu livro Mensagem, de feição patriótica, o que não pouco contribuiu para desconcertar muita gente e gerar polémica acesa que, bem parece, não se esgotou até hoje. Escreveu ainda um segundo artigo desenvolvendo o assunto, para ser publicado no mesmo jornal, mas que foi cortado pela censura.
Esse seu interesse pela parte esotérica ou oculta da Maçonaria, assim como a sua oposição viva a qualquer forma repressiva e censória, é ele mesmo quem o diz no seguinte excerto do seu longo artigo citado:

“Estreou-se a Assembleia Nacional, do ponto de vista legislativo, com a apresentação, por um deputado, de um projecto de lei sobre «associações secretas». De tal ordem é o projecto, tanto em natureza como em conteúdo, que não há que felicitar o actual Parlamento por lhe ter sido dada essa estreia. Antes de dizer-lhe Absit omen!, ou seja, em português, Longe vá o agouro!

“Começo por uma referência pessoal, que cuido, por necessária, não dever evitar. Não sou mação, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente. Não sou porém antimação, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica. A estas duas circunstâncias, que em certo modo me habilitam a poder ser imparcial na matéria, acresce a de que, por virtude de certos estudos meus, cuja natureza confina com a parte oculta da Maçonaria – parte que nada tem de político ou social –, fui necessariamente levado a estudar também esse assunto – assunto muito belo, mas muito difícil, sobretudo para quem o estuda de fora. Tendo eu, porém, certa preparação, cuja natureza me não proponho indicar, pude ir, embora lentamente, compreendendo o que lia e sabendo meditar o que compreendia. Posso hoje dizer, sem que use de excesso de vaidade, que pouca gente haverá fora da Maçonaria, aqui ou em qualquer outra parte, que tanto tenha conseguido entranhar-se na alma daquela vida, e portanto, e derivadamente, nos seus aspectos por assim dizer externos.”

Apesar de tudo esse projecto de lei passou, não foi chumbado pela Assembleia como já se esperava. A partir de então, que quisesse leccionar em Portugal teria primeiro que assinar um documento afirmando-se bom católico favorável ao Estado Novo, inimigo e denunciador da Maçonaria e doutras Sociedades Secretas. Quem não assinasse a petição passaria a ser considerado suspeito pela Polícia de Estado e um eterno desempregado. Assim aconteceu, por exemplo, com o professor Agostinho da Silva, que recusando-se a assinar tal monstruosidade em 1940 viu-se expulso da Faculdade de Letras do Porto e obrigado a emigrar, iniciando diáspora cultural no mundo de expressão portuguesa.

Como já disse, a organização esotérica a que efectivamente Fernando Pessoa se filiou foi a britânica Golden Dawn, de cariz mágico-rosacruciano. Realizou todos os seus graus postulares  e em seguida, como era do seu feitio, deixou-a!… Contudo, ela foi elo de ligação para depois, em 1930, corresponder-se com um outro que nela também fora filiado: o famoso e controverso mago inglês Aleister Crowley, que viria a «suicidar-se» na Boca do Inferno, em Cascais, para depois mandar correspondência da Alemanha a Fernando Pessoa. Já tratei deste assunto no meu livro História Oculta de Portugal para aqui ter de o repetir.

Mas não foi esse o único interesse cascalense do poeta. Ele gostava deveras de Cascais, nomeadamente da Via Alquímica exposta na monumentalidade principal desta vila, ao mesmo tempo desvelada e velada. Tanto assim é que em 9 de Setembro de 1929 Fernando Pessoa alimenta o projecto de sair de Lisboa, fixando-se nos arredores, de preferência em Cascais, a fim de realizar a sua obra definitiva. E em 16 de Setembro de 1932 requer, em concurso documental, o lugar de conservador-bibliotecário do Museu-Biblioteca Conde de Castro Guimarães, no qual não é provido.

Mais, terá sido em Cascais e não em Sintra de quem essa é «prolongamento peninsular», o primeiro encontro físico de Fernando Pessoa com a dignidade da oculta mas soberanaOrdem de Mariz. Vários indícios o apontam, mas também me é apontado o silêncio que devo respeitar.

A relação de Fernando Pessoa com a Maçonaria, como se viu, termina no seu interesse pelo lado simbólico e esotérico da mesma. O mais, é nada! Dar o seu nome hoje em dia a Lojas franco-maçónicas, vale tanto como apelidar – à boca pequena ou larga – a Quinta de Regaleira de Sintra de «Palácio Maçónico», mesmo que mandada construir por um católico e monárquico assumido, o Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro, ou então de chamar a Maomé um devorador incontido de toucinho!… Actualmente, dizem alguns pouco avisados, «só é iniciado quem for maçom». Nada mais errado! Isso mesmo me foi apontado há uns anos em Portugal, e depois em certos sectores maçónicos brasileiros, acerca do Professor Henrique José de Souza (15-09-1883 – 09-09-1963) ter sido Iniciado porque fora maçom. Tive de esclarecer que a sua passagem pela Maçonaria fora a mais acidental possível, ainda jovem e pela mão do seu pai e do seu avô, no início da segunda década do século XX, levado à suprema Potência Maçónica do Brasil, o Grande Oriente do Brasil então sediado no Rio de Janeiro. E que esse episódio esporádico desfechou pouco depois com o seu desquite da Maçonaria, pelo menos da sua parte visível ou social, e se depois manteve algum vínculo à mesma Instituição foi só como membro honorário. Henrique José de Souza nascera Iniciado, tal como Fernando Pessoa Iniciado nascera. O único trabalho inicial que tiveram foi o de reassumirem ou despertarem essa condição interior que já portavam consigo, ou seja, o de reintegrarem-se no estatuto da sua verdadeira Consciência espiritual, e para isso contaram com o apoio de factores externos, de Mestres Reais porque já plenamente reintegrados em si mesmos. Não há maior nem menor no Caminho da Iniciação Verdadeira: tão-só os mais adiantados e os menos adiantados, rumo à Integração na sua Divindade e desta na Divindade plena. O mais, é nada!

Mas o que é a Iniciação? Logo, o que é o Iniciado? Será que basta assinar uma ficha de filiação em alguma organização do género para automaticamente se ser iniciado? Será que ser iniciado é possuir muitos conhecimentos e segredos desconhecidos do vulgo? Afinal, o que é a Iniciação e o que é o Iniciado?

Para definir essa condição e esse estado, nada melhor que as palavras do próprio Fernando Pessoa num seu texto sem data mas com a indicação Bandarra:

“Aquilo a que se chama «iniciação» é de três espécies: Há, primeiro, e no nível ínfimo, a iniciação exotérica, análoga à iniciação maçónica, e de que esta é o tipo mais baixo: é a iniciação dada a quem propriamente se não encaminhou para ela, nem para ela se preparou (porque sugestão de outrem, o impulso externo, e a simples curiosidade não são preparações), e que serve para pôr o indivíduo em condições de poder dar-se o caminho esotérico, de poder buscar, pelo contacto, embora esotérico, com símbolos e emblemas, o verdadeiro caminho. O mais exterior e nulo dos sistemas iniciáticos – como o é hoje a Maçonaria – serve este fim, logo que tenha conservado os símbolos pelos quais em nós se infiltra o primeiro conhecimento do oculto. O único fim com que os Rosa-Cruzes instituíram a Maçonaria exotérica é o de pôr muito gente em contacto com, por assim dizer, o aspecto externo da verdade oculta, podendo assim aqueles, que se sintam aptos, ascender a ela lentamente.

“Há, depois, a iniciação esotérica. Difere da primeira, em que tem de ser buscada pelo discípulo, e por ele desejada e preparada em si mesmo. «Quando o discípulo está pronto», diz o velho lema dos ocultistas, «o mestre está pronto também».

“Há, por fim, a iniciação divina. Esta, não a dão nem exotéricos ou esotéricos menores, como a exotérica, nem até Mestres ou Esotéricos Maiores, como a esotérica; vem directamente, e por cima destes todos, das mesmas mãos, do que chamamos Deus. O tipo supremo desta iniciação é o de Jesus, a quem Deus, de nascença, converteu em sua mesma Essência, tornando-o Cristo.”

E adianta num outro fragmento sem data, de difícil leitura:

“A iniciação comporta três tipos – (1) a conquista da consciência etérica, para devido comportamento contra o astral e os sentidos; (2) a sublimação dos sentidos, misticamente; (3) o conhecimento do íntimo e do lado divino das coisas.”

E no seu Ensaio sobre a Iniciação:

“Há três tipos distintos de iniciação – simbólica ou externa, intelectual (exterior à interna), e vital (interna). Nas iniciações simbólicas, que reforçam a vontade e em consequência conduzem à Magia como realização, o candidato não passa por estádios de compreensão, mas, por assim dizer, por estádios de intuição; está continuamente na superfície e na aparência das coisas e, muito embora atinja o mais alto grau seja em que ordem ou ordens se inicie, esse alto grau não precisa de corresponder (geralmente não corresponde) a qualquer coisa como um grau paralelo em qualquer das iniciações internas. Nas iniciações intelectuais, que reforçam o intelecto e por conseguinte conduzem ao Misticismo como realização, o candidato passa por estádios de compreensão, mas não por estádios na vida; pode saber muito, mas não carece de viver o que sabe no mesmo nível em que o sabe. Nas iniciações vitais, que reforçam a emoção e portanto conduzem à Alquimia como realização, o candidato vive isso mesmo que sente e sabe.

“Mas o verdadeiro significado da iniciação é o de ser este mundo visível em que vivemos um símbolo e uma sombra, e o de ser esta vida que conhecemos por intermédio dos sentidos uma morte e um sono, e o de ser quanto vemos uma ilusão. A iniciação é o desfazer – um desfazer gradual e parcial – dessa ilusão. A razão para o seu segredo é não estar a maioria dos homens preparada para o compreender, razão por que, se for tornado público, o não saberão entender e farão confusões. A razão para ser simbólica é não ser a iniciação um conhecimento mas uma vida e por conseguinte deverem os homens pensar pela sua cabeça o que os símbolos mostram, pois de tal modo não apenas aprenderão as palavras em que se exprimem, mas viverão por si próprios as suas vidas.

“Ordens de iniciação: (1) através de símbolos e (mais tarde) explicações em si próprias simbólicas; (2) através de doutrina simbólica, verdadeira no seu plano, e explicações, já não simbólicas; (3) através de comunicação directa, embora não necessariamente falada ou declaradamente comunicada.

“Não digo que estas coisas representam uma verdade e não digo que não a representam. Digo que este é o significado da iniciação, que é assim que a iniciação existe e que é para esses fins que ela existe.”

Posso agora, mais uma vez, definir a Iniciação como transformação da vida-energia em vida-consciência, individual (Integração) e colectiva (Sinarquia), o que se realiza gradual e ordenadamente. Sendo a Iniciação de natureza tríplice, do mais exterior para o mais interior, ter-se-á:

A maioria dos «iniciados» que hoje enchem a praça pública e a despeito do carisma pessoal de alguns, as suas palavras e acções induzem aparentar não passarem de «simbólicos», quanto muito. Vivem o peso fatal e o valor fatalista da matéria, e tudo quanto de intelectual possam adquirir revela-se ser para proveito próprio incluindo a autopromoção, nisto não raro atropelando-se o próximo que seja obstáculo aos fins colimados no segredo do íntimo. É natural que assim seja: carece o sentimento, e com ele o respeito à Humanidade que todos somos. Trata-se do muito conhecer sem nada sentir; do muito conhecer sem nada viver. Falta o filtro da Consciência assimiladora de quanto acaso possa encher e até estagnar o intelecto. O Iniciado não diz que o seja… simplesmente É! Trata-se de uma conquista adquirida muito íntima, nada tem a ver com desconcertos ou dispersões psico-intelectivas por se tratar de um natural estado de Consciência espiritual em que se está. Quem diz que é, não é… e quem não diz que é, poderá ser. Afirmava repreensivo em São Paulo, em 5-8-1961, o Professor Henrique José de Souza:

“O que quereis dos Mestres de Sabedoria? Apenas a erudição passiva, que conduz a uma tremenda confusão mental?

“Ou quereis accionar a mola da Vontade a fim de vos converterdes em agentes realmente activos, operando em prol da Evolução Humana? É isto que a Lei espera de vós!”

Fernando Pessoa dispõe ainda os Graus Iniciáticos que conduzem à verdadeira Realização incluídos em misteriosas Ordens Iniciáticas secretas ou ocultas, repartidas por três espaços consignados, no seu tratado O Caminho da Serpente, com tudo isso parecendo-me simbólico de uma única Ordem Interna que ao longo dos séculos  tem-se manifestado ciclicamente através de Ordens Externas vocacionadas à Obra Taumaturgica da Portugalidade para o Mundo. Refiro-me à Soberana ORDEM DE MARIZ ou ORDINI MAJOREM, que ele oculta sob o nome “Cordo Maris” (in Mensagem) e “Mater Desiderata” (in doc. m. 66C-14). Assim se dispõe essa definição singular de Fernando Pessoa:

Para terminar esta introdução à Iniciação Oculta mais que Pessoana da Portugalidade Iniciática, ou do Portugal Sagrado, deixando os considerando expostos ao desenvolvimento do estimado leitor, pois que a minha função é apontar o Caminho e não realizá-lo por alguém, o que resultaria impossível, ademais não me considerando minimamente mahatma, guru ou coisa que o valha no valor incondicional de vida-consciência que esses predispostos têm, resta-me desfechar com a Prece de O Apelo ao Divino de Fernando Pessoa, escrita provavelmente em 1912, ano da ligação do poeta ao movimento da Renascença Portuguesa e que se inscreve no período dos poemas místicos de Além-Deus.

O APELO AO DIVINO

(PRECE)

Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está – (o teu templo) – eis o teu corpo.

Dá-me a alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.

 IV… V

– O Quinto Império. O futuro de Portugal – que não calculo, mas sei – está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostradamo. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Que português verdadeiro pode, por exemplo, viver a estreiteza estéril do catolicismo, quando fora dele há que viver todos os protestantismos, todos os credos orientais, todos os paganismos mortos e vivos, fundindo-os portuguesmente no Paganismo Superior? Não queiramos que fora de nós fique um único deus! Absorvamos os deuses todos! Conquistámos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascença, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma cousa! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeísmo Supremo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade. – Fernando Pessoa na reprodução da entrevista dada por ele a António Alves Martins in Revista Portuguesa, n.os 23/24, de 13-10-1923.

Prosseguindo o mesmo tema futurista e messiânico de Portugal, por essa altura, nos anos 20, o poeta vaticinador escreveu alguns fragmentos para um livro com o título deComentário maior às Profecias do Bandarra, avançando na Parte – 5, O Império Português, com as seguintes palavras:

“De todos os povos da Europa somos aquele em que é menor o ódio a outras raças ou a outras nações. É sabido de todos, e de muitos censurado, o pouco que nos afastamos das raças de cor diferente, quando (…).

“O nosso antigo impulso imperial – embora o viciasse, como a todos os impulsos de domínio material, o egoísmo humano – pretendia, antes de mais nada, a descoberta de novas terras, e depois a conversão ao cristianismo das populações delas. É injusto supor-se que a ideia de conquista tivesse de princípio grande parte na nossa vida imperial.

“Nunca tivemos uma ânsia verdadeira de conquista. Nossa posição geográfica, de uma parte, nossa pequenez, de outra, no-lo inibiam. Fruto dessas condições mésicas, somos assim. O que de ódio nasceu em nós contra castelhanos, contra franceses, contra ingleses (contra alemães nunca verdadeiramente chegámos a ter ódio, tão pouco somos dados a isso), derivou de justas causas, de agressões, de perigos e de explorações de que temos sido vítimas.

“(Verify) Os índios da Índia inglesa dizem que são índios, os da Índia portuguesa que são portugueses. Nisto, que não provém de qualquer cálculo nosso, está a chave do nosso possível domínio futuro. Porque a essência do grande imperialismo é o converter os outros em nossa substância, o converter os outros em nós mesmos. Assim nos aumentamos, ao passo que o imperialismo de conquista só aumenta os nossos terrenos, e o de expansão o número de os imperialismos da Besta da Cabala e do Apocalipse.”

E adianta nos mesmos fragmentos, mas em texto com a indicação Bandarra:

“Não é pois para uma absorção mística que avançamos, sendo para a conjunção clara dos dois poderes da Força, dos dois lados do Conhecimento. Far-se-á a aparente conquista da inteligência material pela espiritual e da espiritual pela material”. Que é dizer, a união ou metástase da mente superior espiritual com a mente inferior material, do mental com o cérebro, da Sabedoria com o Conhecimento, do Espiritual com o Temporal, da causa com o efeito, da assimilação com a vivência, pois quem muito assimila e nada vive continua inapto em termos de experiência, logo não sabendo como aplicar o muito ou pouco assimilado e, mais que isso, como sistematizá-lo e enquadrá-lo na vivência imediata, a única via por que se consegue experiência e sabedoria. Isto vale tanto individual como colectivamente.

“De aí o ser o Império Português ao mesmo tempo um império de cultura e o mesmo império universal, que é outra coisa.

“A «paz» que o Bandarra diz que haverá em todo o Mundo será a paz de não haver diferenças religiosas, a de «um só deus será conhecido», como ele diz ainda.

“E isto tudo durará o tempo que tiver que durar, porque nada há perene ou eterno, e o mesmo Deus que criou este Mundo não é porventura mais que um de muitos «deuses», criador de um de muitos «universos», misteriosamente coexistentes, todos eles porventura descritíveis como infinitos e eternos. O Mistério – di-lo o mais Alto Ocultismo – é maior não só que o Universo, mas que o mesmo Deus.”

Mas já antes, em textos provavelmente de 1918 e face à descrença e escassa fé geral na Missão Espiritual de Portugal recém-saído de uma Guerra Mundial em que fora seriamente lesado moral e socialmente, garantia que “os deuses não morreram: o que morreu foi a nossa visão deles. Não se foram: deixámos de os ver. Ou fechámos os olhos, ou entre eles e nós uma névoa qualquer se entremeteu. Subsistem, vivem como viveram, com a mesma divindade e a mesma calma.

“Adentro do paganismo não há heresias. Pode haver ateísmo só.

“A religião cristã é essencialmente dogmática, no sentido de que tem princípios assentes, aos quais o crente tem, dentro de estreitos limites, que subordinar-se. No paganismo não é assim. A sua acção imaginativa criadora não se sente presa. Pode inventar um belo mito, que, se na verdade for tão belo ou insinuador, entrará na religião. Tão humana comunhão com a vida dos deuses não é possível no cristianismo. O cristão católico tem a liberdade de inventar aparecimentos de Maria a este ou àquele, mas há severos limites às suas faculdades mitopeicas.

“O termo «mito» tem dois sentidos. Há o mito que é dado como história, e há o mito que é dado como fábula. O grego que inventa determinado detalhe da vida de determinado deus faz o mito fábula.

“Assim o pagão é criador consciente dos seus deuses, enquanto o cristão o é inconscientemente, e como sem querer.”

O «Paganismo Superior» de Fernando Pessoa afigura-se-me Religião-Sabedoria, a mais pura e universal forma de Fé capaz de unificar em si os princípios espirituais do Oriente (Budismo) e do Ocidente (Cristianismo), alusão que ele mesmo faz, apesar de críptica, no seu texto, possivelmente de 1915, com a menção O Paganismo Superior.

Essas duas correntes tradicionais de espiritualidade fusionam-se na Arquitectura e no Romance de SINTRA, o que me leva, mais uma vez, à Profecia desta: «Quem nasce em Portugal é por Missão ou Castigo»! Será Portugal um Refugium Peccatorum, “Lugar de Castigo”, mas no sentido de purgação, de elevação, de destruição dos erros ou Karmaindividual e colectivo, em si contendo e reflectindo bioplasticamente todas as venturas e desventuras do restante Corpo europeu, por ser aqui o último estágio da Mónada europeia antes de ir mais além, na Rota Sudoeste, a caminho do Quinto Continente, do Quinto Império evolucional ou a Nova Lusitânia. Mas será também Portugal um Refugium Sanctorum, “Lugar de Santidade”, no sentido de salvação da saúde mental, coracional e física daqueles Filhos da Luz, Lusos  ou Assuras humanizados que têm, ao longo dos tempos, impulsionado a sua Evolução e do seu Povo para estágios mais latos e prósperos tanto espirituais como sociais, assim se redimindo de seu Castigo assumido Missão. Esta se expressa pelo Paganismo Superior, ou melhor, pela Religião-Sabedoria indistinguindo crenças, raças, cores e posições sociais, o que tem sido a Diáspora Espiritual e Humana dos Portugueses no Mundo, e que deverá continuar a ser na medida em que todos, a começar pelos mais esclarecidos, queiram contribuir a favor do Progresso e Evolução da Humanidade tomando por assento ou partida este PORTO-GRAAL, conforme está grafado no sinal rodado da carta de doação de Tomar à Ordem dos Templários por D. Afonso Henriques, e também no de Sintra  doada à mesma Ordem pelo mesmo monarca. Economicamente nada temos para dar, tomara termos para nós, mas culturalmente, por via do Pensamento Português, temos e muito ainda a dar. Só depois estará cumprida, de vez, a Missão de Portugal.

Não aprecio aqueles que têm Fernando Pessoa por «autor reaccionário». A cultura desses, por vezes farta, não passa do que lêem e não aprofundam ou tampouco descodificam com o necessário enquadramento no tempo necessário ao surgimento dos diversos escritos do vate. Seja como for, creio já ter provado que mesmo politicamente Fernando Pessoa poderá ter sido um «supra-nacionalista», sim, essencialmente metafísico, mas jamais apoiante de ditadores e reaccionários como os há hoje, e até mais que no seu tempo, alguns hipocritamente escondidos por detrás das «melhores intenções democráticas». São lobos disfarçados com peles de cordeiros, porém, com a cauda de fora…

Creio que também já demonstrei que o seu «sebastianismo messiânico» consistia em simbolismo mítico de realidade maiores só explicáveis à luz da Teurgia e da Teosofia, esse mesmo Paganismo Superior, nada tendo a ver com fascizantes e neuróticas concepções mediatas do mesmo, o que resultaria uma aberração em todos os sentidos. É ele mesmo, Fernando Pessoa, quem o diz na sua obra já citada, Sobre Portugal:

“O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta de uma figura nacional, no sentido dum mito.

“No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a tê-la com o regresso dele, regresso simbólico – como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica – mas em que não é absurdo confiar.

“D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anunciado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a Nacionalidade.”

Nesse sentido, o esoterista Manuel J. R. Tavares no seu precioso estudo A Missão de Portugal, Sintra, s/d mas que presumo não ir mais longe que 1982-84, tece o importante comentário:

“O Sebastianismo deve ser entendido sob dois pontos de vista: um de ordem puramente política, que teve a sua raiz durante os 60 anos de domínio Espanhol e que, actualmente, tem o seu negativíssimo reflexo nalguns grupos desejosos de verem a Nação liderada por um homem forte, por um salvador da Pátria, que conduziria este povo – já de si tão causticado – na observância estrita da “Lei” e da “Ordem” (com certeza por meios violentos e brutais e não por uma prática pedagógica) e abriria facilmente caminho a uma ditadura; o outro aspecto diz respeito à superação dos quatro planos da Personalidade e concomitante integração no quinto, o plano da plena expressão do Ego, da Alma. Daí o falar-se no 5.º Império como Reino das Almas (ou da Alma) e não, como alguns pensam, em Império material. E nesta perspectiva a vinda do Desejado adquire um valor universalista.”

É, pois, com este valor universalista que dou o arremedo final a este estudo por via da Profecia de Fernando Pessoa, extraída de A Nova Poesia Portuguesa no Seu Aspecto Psicológicoin A Águia, n.º 12, II série:

PROFECIA

E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas «daquilo que os sonhos são feitos». E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal ante-arremedo, realizar-se-á divinamente.

 (*) Vítor Manuel Adrião
Renomado escritor esotérico português, é consultor de investigação filosófica e histórica, formado em História e Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa, tendo feito especialização na área medieval pela Universidade de Coimbra. Presidente-Fundador da Comunidade Teúrgica Portuguesa e Director da Revista de Estudos Teúrgicos Pax, Adrião é profundo conhecedor da História Medieval do Sagrado, sendo conferencista de diversos temas relacionados ao esoterismo, às religiões oficiais, aos mitos e tradições portuguesas, às Ordens de Kurat (em Sintra) e do Santo Graal, das quais também faz parte.






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1 Comentários

  1. Excelente. Salvos enganos, quando participava de um Fórum Maçônico Lusófono tive uma oportunidade de dialogar com o autor. E tudo nasceu quando, não em papel de críticas, mas tão somente para com as verdades, comentei em ser o Fernando Pessoa uma pessoa problematicamente complicada, inclusive psicologicamente. Era afeito cotidianamente a bebida e ao uso de tóxicos, principalmente quando se juntou ao doidivana do inglês Aleister Crowley um toxicômano incontrolável. Aliás Fernando Pessoa participou do ardil onde Aleister sumiu do mapa.

    Acrescentei também que até quase meio século de seu falecimento, Fernando Pessoa era um desconhecido para o mundo dos intelectuais, e do mundo público.

    Como houve posteriormente um endeusamento de sua obra, dezenas de portugas que participavam do Fórum, caíram de pau sobre minha pessoa, quando então este autor corroborou em tudo que escrevi.

    EfeGueiros (Mestre Maçom)

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