Ir\ Heitor
Rosa (*)
Introdução
A
convenção de tempo, entre outras coisas, é usada para estabelecer as idades do
homem. O ser humano tem ânsia de se conhecer pela idade ou pelo comportamento e
aplica para isso o recurso do conceito cronológico de idade, “os anos de idade
ou de vida”. Uma das fases mais convencionais e sistematizada é a que se refere
à infância, adolescência, maturidade e velhice.
Para
cada fase ou idade o ser humano adquire uma nova postura, com características
próprias, para o que o antropólogo
social van Gennep 1,em 1909, criou a expressão
les rites de passage (ritos de
passagem) buscando expressar cada uma delas.
O
rito de passagem é um fenômeno social, cronológico, biológico ou psicológico? O
rito social refere-se a eventos como batizado, casamento, formatura, iniciação
ou morte etc. O cronológico, orienta-se pelos aniversários, pelos números de
anos que as velas sobre o bolo ostentam; obedece ao tempo ou ao relógio. O
biológico parece mais racional, pois reúne a fisiologia à psicologia: a criança
aprende a andar; a menina deixa a boneca e descobre a menarca e o menino
descobre a masturbação; os adultos se casam
e, maduros, podem tornar-se homens ou mulheres profissionais de
sucesso. Para tornar-se idoso é
necessário achar-se idoso, pois é difícil definir quando começa esse período.
Idoso refere-se à idade, sem existir a “melhor” ou a “pior”. Se admitimos a
terceira idade, então temos duas alternativas: ou só existem três idades
(jovem, adulto e idoso) ou outra após a terceira. Quarta idade? O termo idoso deriva de idade e cada um tem a
idade que pensa ter, sem ficar preso à cronologia. O velho é o aspecto, a
aparência, é fenótipo dependente da forma de vida. Quantos “idosos” parecem
jovens e quantos jovens parecem velhos! ...
Por
que o ser humano preocupa-se tanto com a idade? Para melhor cuidar da saúde?
Para estudar os caracteres? Para uma integração correta nas convenções sociais
ou para valorar seus heróis ou sábios? Evidentemente não há uma resposta única
e várias outras podem ser acrescidas.
Como
têm sido consideradas as “idades” através da História? Temos os registros que
consideram Quatro as idades do homem; outros referem-se a Sete idades; usou-se
também correlacionar os caracteres físicos com as idades, e, sem considerar
outros registros ou filosofias, chegamos às considerações das idades na época
atual. Vamos considerar cada uma de acordo com o período em que foi
escrita.
AS IDADES SEGUNDO PTOLOMEU
Claudius
Ptolomeus (100-178 A.D) nasceu em Alexandria e é considerado um dos grandes
filósofos do mundo antigo. Escreveu vários livros, tais como o Almagest
(compêndio de astronomia grega), Geografia,Óptica, Planispherium, e,a que vamos
nos referir, o Tetrabiblos2 (Quatro Livros) que se refere à Divisão periódica
do tempo.
Ptolomeu
considerava sete idades para o homem, que seriam reguladas pelos sete
“planetas”, incluindo o sol e a lua:
Infância – do nascimento aos 4 anos,
regulada pela Lua e suas 4 fases adaptadas à idade da criança: fase “úmida”, de
crescimento rápido, nutrida por coisas úmidas.
A
seguir a segunda idade continua por 10 anos ( 4-14 anos), regida por
Mercúrio. Período de desenvolvimento intelectual, caráter, aprendizado,
disciplina e exercícios.
Terceira
idade – sob
a orientação de Vênus, segue até aos
18 anos. Corresponde ao “movimento seminal”, impetuosidade e os primeiros
amores.
Quarta
idade ou adulta
– regida pelo Sol, tem a duração de 19 anos ( 18 aos 37 anos). Corresponde às
ações de autoridade, comando, glória, desejo de honrarias.
Quinta
idade –
regida pelo planeta Marte, continua por 15 anos ( 37 aos 52 anos)., sujeita a
muitos incômodos, vida austera e perturbada.
A
Sexta idade
é dominada por Júpiter, o qual influencia a maturidade durante 12 anos (52 aos
64 anos), caracterizada pelo abandono do trabalho (aposentadoria), prudência,
esperteza, antevisão e aquisição de privilégios e respeito.
Na
sétima
idade, Saturno cuida da velhice, do final das idades. Ele dificulta a
atividade mental e intelectual, tornando o homem pouco mais do que um imbecil.
O Venerável Beda
O Venerável Beda |
Beda
(673-735 AD), monge beneditino , também chamado de Venerável Beda, é
considerado o primeiro historiador inglês, tendo escrito 35 livros, dentre os
quais seis relacionavam-se à cronologia.
Um deles, De temporum ratione (Sobre
a contagem do tempo - 725) foi uma de suas obras primas na qual tentou fazer
uma cronologia do mundo e do homem. Foi
ele quem introduziu na Inglaterra a referência “d.C” (depois de Cristo ou A.D,
Anno Domini - ano do Senhor) que havia sido sugerida por Dionísio, o Pequeno,
duzentos anos antes. Esta referência logo foi adotada nas datações da era
cristã, ou seja, a partir do ano da “Encarnação de Cristo”. Em seu maravilhoso
livro Eccclesiastical History of the
English People3, Beda retoma as ideias Pitagóricas (sec VI a.C) e descreve as Quatro idades do homem (
Infância, Juventude, Maturidade e Velhice), relacionando-as ao número
cabalístico quatro, pois quatro são os pontos cardeais; quatro são os elementos
do universo: terra, água, fogo e ar;
quatro os Humores humanos descritos por Hipócrates; quatro são as estações
do ano; quatro são as fases lunares. No século XIII, John Russel4 compara as
quatro idades propostas por Beda como quatro pratos de um banquete,
relacionando a idade do homem aos quatro elementos do universo. O primeiro
prato era servido mostrando um “galant
young” sobre as nuvens ( primavera- elemento ar- humor sanguíneo) ; o
segundo prato, em chamas, representando um homem guerreiro – “a man warre” (verão, humor colérico); o
terceiro prato era decorado com a figura de um homem com uma foice, de pé num
rio – “a sickle in his hand”(água,
outono, humor fleugmático ); o último prato significava o inverno, representado
por ervas aromáticas e vinho, na forma de um homem velho e fraco( humor
melancólico).
O
retorno às sete idades
Mil
e seiscentos anos mais tarde, W. Shakespeare volta a se referir às “Sete idades
do homem”, descritas por Ptolomeu (Tetrabiblos) na peça “As you like it” (Ato
II, cena 7)5, no grande discurso de Jaques:
“O
mundo todo é um palco e todos homens e mulheres são meramente atores com
entradas e saídas de cena, e durante a vida o homem tem diversos papéis. Ele
atua em sete idades6:
Infant (criança) – dependente dos
cuidados da ama; school-boy- com sua mochila vai a contra-gosto à escola; lover
(enamorado)- suspirando com ardor por sua amada; soldier (soldado)- jura lutar
com a valentia de um leopardo em nome da honra; justice (juiz)- com roupas
formais, ar grave e estômago cheio; spectacle on nose – sexta fase que
corresponde ao uso de óculos, de pijama e chinelos, fuma cachimbo e tem os
gestos e andar trêmulos; second
childishness (segunda infância)- para esta sétima fase retorna sem dentes,
sem paladar, sem visão clara, sem nada.
Os
Caracteres Segundo Aristóteles
Aristóteles
descreve, em Arte Retórica e Poética,7um capítulo denominado Os Caracteres, no
qual considera três idades do homem: a juventude, a idade adulta e a velhice,
que foi tema de um quadro de Ticiano. Os jovens
são alegres, impetuosos para o amor, porém inconstantes e coléricos ao
serem contrariados; são destemidos e amam a vitória, mas são crédulos; vivem de
esperança e são fáceis de enganar. Não se importam com o belo e acreditam tudo saber. Os adultos têm para o
corpo a idade de trinta a trinta e cinco anos, e para a alma (maturidade) cerca
de quarenta e nove anos; possuem comportamento de equilíbrio, nem confiança
excessiva nem temores exagerados; cultivam o belo e o útil; nem avarentos nem
perdulários; pesam a coragem e a intrepidez. Os velhos, portanto a partir dos
cinquenta, pela experiência da vida são cautelosos; têm opiniões mas nunca
certezas e preferem dizer “talvez” ou “provavelmente”; são desconfiados e podem
ter mau caráter; “amam como se um dia devessem odiar e odeiam como se um dia
devessem amar”(Biante de Priene,c.662 a.C., apud Aristóteles);são
mesquinhos por receio de perder seus
bens; apegados à vida na proximidade da morte; vivem mais de recordações do que
de esperanças; lamuriam-se e desprezam o riso e gracejos.
Conclusão
Desde
épocas muito distantes, o homem preocupa-se com o tempo e, por meio dele, com
as idades; porém há poucos séculos, desde Spinoza, Kant, Voltaire, Hegel,
Schopenhauer até Hawkins, há uma negação
da realidade do tempo. O tempo é algo abstrato e apenas serve às conveniências humanas, mas não tem significado
diante da infinitude do universo. Muito interessante é o pensamento de
McTaggart (1908)8,cujo conceito de futuro, presente e passado, levam ao
regresso infinito. Tomemos como exemplo
uma partida de futebol na TV. “Esse evento é presente, foi futuro e será
passado. Ser presente é ser presente no presente, ter sido futuro no passado e
vir a ser passado no futuro”. Ser presente no presente é ser presente no
presente no presente, ter sido futuro no passado no presente, vir a ser passado
no futuro no presente etc. Resumindo, levaremos a proposição ao infinito.
Assim, para esse filósofo, o tempo não tem característica alguma, por ser
irreal e por isso não existe, não passando de ilusão. Pergunte a um aborígene
que nunca viu um relógio, quanto tempo se gasta para ir de uma aldeia a outra;
o termo “tempo” o deixará confuso, mas pode-se obter uma resposta que servirá
tanto para distância quanto para o tempo: “uma mudança de lua” ou “três
anoiteceres” etc. A mesma coisa é perguntar pela idade. O velho é reverenciado
pelo aspecto físico e não pelo “tempo de vida”. A noção de tempo é totalmente
diferente da cronologia do relógio para quem não o conhece, assim como a
datação das estações do ano.
Aceitando-se
o exercício bastante lógico de McTaggart, torna-se irrelevante e inútil a
categorização que a sociedade moderna considera como maduro e idoso. Primeiro,
definir quando ou com que “idade” o homem é velho. Arbitrariamente,
estabeleceu-se 60 anos para a entrada nesta categoria, chamada de terceira
idade. Segundo, ao se aceitar as três idades para o Homem, adjetiva-se como
“melhor idade” a esse terceiro grupo, por meio de um sofisma, ou mesmo
hipocrisia, do que se chama “politicamente correto”. Com os avanços
tecnológicos, da biologia molecular, da farmacologia e outros setores da
ciência, o Homem avança com qualidade de vida física e mental, independente do
conceito cronológico.
REFERÊNCIAS
1 – van
Gennep in Whitrow,GJ. Time in History (Views of time from prehistory to the
present day). Oxford Univ Press. Oxford,1988.
2-
Claudius Ptolomy . Tetrabiblos (Quadripartite).Trad.1ª Ed de 1822. Astrology
Classics Pub.Bel Air,MD.2002.
3- Bede.
Ecclesiastical History of the English People. Penguin Books.London.1990
4-
Wthitrow,GJ. Time in History- Views of time from prehistory to the present
days. Oxford Univ Press, Oxford,1988.
5-
W.Shakespeare. As you like it.The Complete Works. Collins. London.1978.
6-
Tradução livre
7-Aristote.
Art Rhétorique et Art Poétique–Ed. Garnier.Paris
8-
McTaggart,JE. The Unreality of time. Quart Rev Psychol and Philos,1908. 17:456-473.Transcr.hypertext by
Chrucky –
TICIANO - AS 3 IDADES DO HOMEM
(*)
Heitor Rosa ∴ é
médico, escritor e pesquisador. Membro do Inst. Histórico e Geográfico de Goiás.
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