Por (*) Ir.’. Carlos Alberto
Carvalho Pires
Existe uma possível integração
alquímica entre a doutrina platônica, que floresceu por volta do século V a.C.
e a tradição simbólica maçônica? Para responder a esta intrigante pergunta é
preciso abstrair nossas mentes levando-as até a Antigüidade Clássica, na aurora
do pensamento filosófico. Assim será possível refletir se, naquele ambiente
altamente intelectualizado, as bases de nossa sagrada Ordem teriam eclodido com
força e vigor, ao lado da emergente Filosofia.
Dessa sacralização teria
surgido uma relação de interdependência ontológica entre estas duas escolas,
que Platão interpretaria de forma justa em suas obras que atravessam as eras
como pilares elementares da estrutura simbólica do universo. Nessa perspectiva
inquietante, convidaremos o eminente mestre helênico ao centro de nosso templo.
Ali, tal qual nas ágoras de Atenas, ouviremos a exposição de algumas de suas
idéias. Ao final vamos deliberar se realmente a Luz Maçônica brilhava com força
e vigor em sua mente, contribuindo para a fusão deste amálgama simbólico que
tão bem iria sedimentar nossas Colunas e o pensamento humano.
Em 427 a.C., na Grécia antiga,
nascia um inquieto pensador chamado Aristócles. Mais conhecido como Platão,
devido a seu vasto conhecimento (ou a sua imensa fronte cefálica), foi
discípulo de Crátilo, da escola de Heráclito, e de Sócrates. Falecido em 347
a.C. é considerado um dos grandes responsáveis pelo surgimento da Filosofia.
Estabeleceu uma vasta doutrina que se divide em trinta e seis trabalhos,
agrupados em nove volumes. Esta robusta obra, chamada de teoria platônica, passou
a ser ensinada na pólis de maneira sistemática e eficaz a partir de 380 a.C.,
com a fundação da famosa Academia – que visava aperfeiçoar os cidadãos nas
diversas artes, para que bem conduzissem os destinos de Atenas.
O que nos chama a atenção,
enquanto praticantes da Arte Real, é que grande parte de nossa tradição pode
ser interpretada e compreendida à luz dos ensinamentos mais elementares
desenvolvidos por este profeta em seu poderoso templo erigido próximo ao bosque
em homenagem ao herói grego Academos. Alguns inquestionáveis pontos de
intersecção doutrinária entre o nosso Simbolismo e a filosofia matter da
Humanidade eclodem com força e vigor à medida que aprofundamos nossa visão
sobre estas concepções. Em meio às meditações transcendentais dos mestres do
Peloponeso as primeiras pedras das Colunas de Hiram já estariam sendo
lapidadas? Vejamos cinco pensamentos que gravitam em torno destas.
1-PLATÃO E A ESCADA DE JACÓ
Platão ensina que
existem duas formas de se interpretar a realidade: uma pelos nossos sentidos (o
mundo dos sentidos) e outra pela nossa intelectualidade (o mundo das idéias).
As pessoas comuns viveriam em uma realidade ilusória, uma vez que tem uma noção
precária do universo, pois o apreendem apenas através dos cinco sentidos, que
são susceptíveis a erros e falhas na interpretação dos fenômenos. Este nível,
que utiliza apenas estes instrumentos de nosso corpo, seria o patamar mais
primário, elementar e acessível de captação do cosmos. Somente possibilita a
formulação de opiniões (a “doxa”) acerca do “ser”, baseadas ou criadas pela
imaginação humana (a “eikasia”) estimulada a partir dos vetores sensoriais ou
por suas crenças (a “pistis”). Neste caos de sentidos e significados, tudo é
passageiro, tudo muda, ou como dizia Heráclito (540 a 470 a.C.), “tudo flui”.
A essência das coisas, porém,
estaria além da capacidade física dos nossos órgãos. Começaria a ser captada só
a partir do segundo nível do saber, nomeado por Platão como “dianóia” ou
“noesis”, que incorpora métodos discursivos e dedutivos no processo de
entendimento. Estamos em um patamar intermediário, quase adentrando ao universo
das idéias elementares. Aqui, os modelos basilares de estruturação das
concepções são as figuras matemáticas puras, que existem apenas na dedução
intelectual das formas idias – um quadrado perfeito, por exemplo, jamais é
visto na natureza.
Acima deste nível
intermediário, situado entre o olhar pelos sentidos e a visão abstrata da
mente, resplandece o degrau máximo de conhecimento, a “episteme”. Atingindo
este nível, dominamos o “mundo das idéias”, que surge e só é apreensível em
função da inteligência. Sua dinâmica ou fisiologia independe das conjecturas do
tempo, uma vez que se cristaliza pela dimensão do eterno, daquilo que “é” –
como afirmaria o digno representante da tradição pré-socrática, Parmênides (530
a 470 a.C.).
A trajetória evolutiva dos
filósofos, buscando ultrapassar o mundo sensível e conquistando, assim, o
universo das idéias, se apresenta claramente em nossas Lojas, quando
regularmente constituídas. Em todas nossas Sessões Ritualísticas representamos
exatamente esta jornada rumo ao aperfeiçoamento humano, onde as verdades mais
puras e inequívocas se estabelecem. Saindo do mundo profano (o pavimento
mosaico) vamos escalando degrau a degrau os níveis do conhecimento, que cintila
exatamente no mundo das idéias. O processo de asceze intelectual, tão bem
descrito por Platão, foi traduzido pelos Mestres-Maçons como a metáfora da
jornada pelos degraus da escada de Jacó, que se apruma simbolicamente entre as Luzes
Emblemáticas e orienta nossos trabalhos.
2-O MITO DA CAVERNA E A
INICIAÇÃO
Platão, no capítulo VII
de sua obra “A República”, nos apresenta uma alegoria sobre a condição
existencial humana que se constitui na mais famosa e conhecida construção mitológica
da Filosofia, chamada de parábola ou mito da Caverna. Propõe o mestre que
imaginemos uma imensa caverna na qual homens permanecem acorrentados pelos pés,
mãos e pescoços, de costas para a entrada e de frente a uma grande parede – o
fundo da gruta. Ali eles nasceriam, viveriam e morreriam, por sucessivas
gerações. Tudo que enxergavam era a grande murada a frente, similar a uma tela
ou pano de fundo de um palco. Lá fora, um pouco além da embocadura, haveria uma
monumental fogueira, gerando muita luz que iluminava continuamente as pessoas e
os objetos do mundo externo, interpostos entre o fogo escaldante e a caverna.
Nesta condição, sombras destes entes seriam projetadas para o interior,
chegando até a parede. Os sons emitidos pelas falas e demais eventos também
seriam enviados e refletiriam como ecos, pelas pedras. Assim, qual seria a
percepção da realidade captada pelos homens acorrentados? Afirma Platão que
eles enxergariam apenas um eterno desfile de imagens virtuais e ecos que não se
constituiriam na realidade das coisas – seriam apenas projeções, artefatos ou
simulacros da verdade. Eles estariam nas trevas, no caos e no terror da
ignorância e da obtusidade da mente humana que ainda não teria assimilado a
capacidade de ver além das aparências.
De repente, porém, ocorre um
fato insólito. Uma pessoa que permanecia ali, inerte, toma uma atitude. Dotada
de uma capacidade moral e intelectual diferenciadas, sente uma inefável
necessidade de ir além. Cria instrumentos para romper os grilhões e assim se
liberta, girando vagarosamente sua cabeça em direção à fonte das imagens
projetadas, onde está o fogo, depois se levantando e caminhando serenamente
rumo à saída da caverna. Ali recebe a Luz esplendorosa do Sol, e adquire a
Sabedoria, tendo contato pela primeira vez com a verdade. Este processo é
doloroso, pois seus membros e músculos nunca haviam sido exigidos, assim como
seus olhos, que se irritam e lacrimejam com a forte luminosidade natural. Os
raios solares do Meio-Dia chegam a queimar sua pele sensível, deixando uma
marca inequívoca de que o homem, agora, está transformado. Jamais será o mesmo,
pois trilhou um caminho sem volta.
Passado algum tempo, nosso
bravo companheiro resolve retornar à caverna, para encontrar seus antigos
parceiros de cárcere. Ali chegando, porém, fica claro que a metamorfose em sua
alma foi além do que sua vã filosofia podia supor. Ele não consegue mais se
comunicar adequadamente com os outros, pois sua linguagem está inacessível à
capacidade de interpretação dos que permaneceram nas sombras. Suas experiências
no mundo real soam como mentiras, e geram estresse e descontentamento aos
presos, que passam a maltratá-lo. Nosso herói conclui que deve permanecer
calado, no mais profundo silêncio sobre tudo que se passou lá em cima, quando
estiver visitando os ambientes de penumbra.
3-A GEOMETRIA PLATÔNICA
Platão afirma que para
acessarmos os dois degraus iniciais da escala rumo ao conhecimento supremo,
dependemos apenas de nossos cinco sentidos, como vimos anteriormente. Portanto,
o “mundo das crenças e das opiniões” está à disposição de qualquer pessoa, mesmo
aquela que ainda permanece acorrentada no fundo da caverna. Mas, para
começarmos a traduzir os ideogramas primários do “mundo das idéias”,
perseverando na disposição de compreender a realidade, necessitamos interpretar
o significado das formas matemático-geométricas que existem exatamente neste
plano inicial da asceze para além da capacidade sensorial. Surge, então, não
mais apenas a alegoria do “homem-comum”. Vemos eclodir a figura do
pensador-matemático, que abstrai sua mente levando-a a círculos
improváveis de raciocínio puro. Em outras palavras: a Geometria se firma como
ciência primeira, aquela que rompe os pórticos de entrada dos templos da
verdadeira sabedoria.
Seguindo a tradição de tantos
filósofos que já haviam prenunciado o valor abstrato das formas poliédricas
para o entendimento das realidades além do universo concreto, Platão desvenda e
explica porque há tanta valorização dos mistérios desta nobre arte por parte
dos especuladores contemporâneos. Indo muito além das questões relacionadas à
arquitetura e construções em si, compreender o sentido das formas geométricas
significa entender o próprio processo de autoconhecimento e de compreensão do
Cosmos.
4-DO CAOS AO COSMOS
No princípio existia o
caos, que era a matéria amorfa e sem definição. Depois, surgiu a organização
arquitetural destas estruturas e o cosmos se estabeleceu. Este conceito global
de formação do universo, trabalhado alegoricamente em nossa ritualística, se
apresenta em detalhes na doutrina platônica. A dualidade entre os dois grandes
mundos, o sensível e o das idéias, volta ao cerne nesta proposição. Para
Platão, a causa verdadeira da existência do chamado “mundo sensível” seria o
“mundo inteligível”, ou seja, este gera aquele. As idéias, que podem ser
definidas como sendo os princípios formais de tudo que existe, estruturam a
matéria ilimitada e indeterminada de caráter físico, o receptáculo sensível
chamado também de “chora”.
Mas, como se processa esta
transformação rumo ao equilíbrio? Nosso doutrinador não nega a existência dos
deuses pessoais – comuns na Antiguidade clássica – mas diz que há uma entidade
indefinida, impessoal, estruturalmente múltipla, que se estabelece na
possibilidade de encarar a divindade na perspectiva do supra-sensível, ou seja,
além/acima dos sentidos. Claramente este agente se refere diretamente ao “mundo
das idéias” e às suas infinitas possibilidades. Este ente determinaria que um
deus-pessoal ou artífice plasmador, batizado como demiurgo, se incumbisse de
trabalhar a matéria bruta de acordo com os moldes imutáveis e elementares (as
idéias) criando as cópias que se apresentam no campo sensível.
Em nossa cosmo-visão, o
mundo inteligível ou sensível seria o habitáculo ou a representação do Grande
Arquiteto do Universo, pois dali se extrai as formas primordiais, e o demiurgo
seria a sabedoria, ou a inteligência – que dá forma justa e perfeita a cada
detalhe do projeto arquitetural da grande obra.
5-A EXISTÊNCIA DO BEM
Trabalhamos sempre em
busca do aprimoramento moral e intelectual da humanidade. Para que isso seja
possível é necessário que acreditemos na existência de uma força concreta que
impulsione, oriente e determine nossas condutas sempre pela trilha do reto e
justo. Platão, de certa forma, define este vértice condutor de nossos caminhos
e o denomina de “Bem”. Este seria o princípio supremo, estabelecido no livro “A
República”. Nas tradições esotéricas mais antigas tratava-se do número um, ou
unidade.
O sistema platônico das idéias
se forma de acordo com uma hierarquia perfeita, com ordem e organização,
ficando as “idéias inferiores” abaixo das “superiores”. Temos assim o
surgimento de uma pirâmide virtual cujo ápice é formado pela idéia elementar,
unitária ou essencial: o Bem. Este não seria condicionado por nada mais, pois
tem autonomia e potência absoluta, e se constitui no fundamento que torna todas
as outras idéias cognoscíveis à mente humana. Ele não se equipara à substância
(a matéria da qual são extraídas as coisas) nem à essência (as formas ou idéias
elementares), pois está acima de tudo isso, transcendendo a estes planos de
forma inequívoca e eterna.
CONCLUSÃO
Fica claro que Maçonaria
e Filosofia são frutos da mesma árvore da sabedoria ancestral. Ambas se
entrelaçam em uma complexa simbiose de símbolos e significados, interpretando
as inúmeras concepções criadas pela mente humana para entender o sentido do
universo. Analisamos apenas as cinco passagens acima, que expõe parte do
pensamento de Platão, temos a confirmação flagrante que existem evidentes
congruências entre estas duas formas Dentre as várias escolas filosóficas, a
chamada Filosofia Antiga, que floresceu na Grécia em meio às assembléias e
debates, exerceu significativa influência na estruturação de nossa doutrina,
cuja essência foi estabelecida em tempos imemoriais.
Concluímos, portanto, que ser
reconhecido como um legítimo iniciado na sublime Ordem Maçônica equivale a ser
considerado, simbolicamente, um digno e valoroso discípulo do grande mestre
Platão.
(*) Carlos Alberto Carvalho
Pires, M.M.
ARLS Acácia de Jaú 308 Glesp
SP – Or.'. Jaú SP
Font:http://blog.msmacom.com.br
DOAÇÃO
1 Comentários
Mas uma vez o saúdo por este este maravilhoso texto. Com relação ao Mito da Caverna que após a leitura deste trecho me veio ao raciocínio o Mito "dos nascidos da Terra" onde todos divididos por classe segundo o valor da sua alma ocupava um lugar especifico na sociedade e todos deveriam fazer seu melhor dentro das suas características. Porém onde esse Mito "encerra" o Mito da Caverna? No Mito da Caverna a "evolução" depende da força de vontade de cada individuo e no Mito dos Nascidos da Terra seu lugar já era pré estabelecido segundo a interpretação de terceiros na observação do desenvolvimento individual da pessoa. Se tivesse a Alma de Bronze, o individuo seria responsável pelo trabalho braçal no comércio, se sua Alma fosse de Prata o individuo receberia um educação especifica para trabalhar como soldado na defesa da cidade e se tivesse a Alma de Ouro receberia uma educação Erudita para que pudesse administrar a cidade. Neste diapasão que reflito até onde podemos chegar por esforço e dedicação própria e até aonde NÂO podemos chegar -mesmo que nos esforcemos ao máximo- por pertencer a uma ou a outra condição ou sorte?
ResponderExcluirJefferson A. Guerra.