(*)
Ir.’. José Maurício Guimarães
Antes
de abordarmos qualquer assunto, é necessário entendermos precisamente o
significado dos termos que vamos utilizar.
Muito
se fala em Estado laico e sabemos, através da História e dos estudos dos Graus
simbólicos e Graus superiores da Maçonaria, que nossa Ordem foi a principal e a
mais importante das organizações que defendeu, durante séculos, o Estado laico.
Sabemos também que a luta travada pela Maçonaria pela independência dos Estados
e, reciprocamente dela mesma, custou a vida de milhares de Irmãos nossos do
passado.
O
Estado laico deveria ser neutro em relação às questões religiosas, não apoiando
nem se opondo a nenhuma delas. O mesmo vale para a Maçonaria que, não sendo uma
religião, adota o princípio da crença num Ser Supremo e na imortalidade da
alma.
Ives
Gandra conceitua bem ao dizer que Estado laico não é Estado ateu e sim aquele
em que as instituições religiosas e políticas estão separadas. Em vista disso,
sendo a Maçonaria uma Ordem deísta (fundada na manifestação natural da
divindade à razão do homem) ela deve ser tratada em pé de igualdade com todos
os cidadãos independente da escolha e preferência que fazem os maçons do
conceito e da revelação pessoal que tiverem. Assim, em termos estritamente
filosóficos, o Estado secular não deve dar preferência a indivíduos dessa ou
daquela convicção.
Interferências
de convicções oriundas de quaisquer grupos "espiritualistas" nas
esferas de poder descaracterizam o Estado laico e colocam em risco a liberdade
e a democracia.
Fala-se
muito em "bancadas" no Congresso Nacional em franca disputa sobre
princípios filosóficos ou artigos de fé. A República, todavia, vive do
equilíbrio entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo estabelecido
pelo diálogo entre os partidos políticos. As chamadas "bancadas",
mesmo quando bem intencionadas, acabam interferindo na estabilidade das
decisões democráticas.
Um
dos principais avanços do regime Republicano é a participação das minorias;
imaginem, então, se houvesse uma "bancada" para cada uma das
religiões que compõem o variado cenário da cultura brasileira: catolicismo,
protestantismo, judaísmo, muçulmanos, os espíritas, budistas, umbandistas etc.
O Estado laico não poderia, inclusive, desconhecer a existência de uma
"bancada atéia", se considerarmos a equidistância que deve ser
mantida entre o poder e as convicções humanas.
Se
as Instruções maçônicas, nossas Leis e a História de nossa Ordem fossem melhor
conhecidas, nada precisaria ser dito sobre as relações entre Maçonaria e
Política estabelecidas por nossos antepassados. Nossa Ordem tem que ser livre
e, ao mesmo tempo, garantir que o Estado democrático de direito permaneça
livre.
O
laicismo (caráter do que é laico) é o princípio da autonomia das atividades
humanas, ou seja - "a exigência de que tais atividades se desenvolvam
segundo regras próprias, e não impostas de fora, com fins ou interesses
diferentes dos que as inspiram." (Nicola Abagnano, Dizionario di
Filosofia, Turim, 1971). Esse princípio é universal e pode ser legitimamente
invocado em nome de qualquer atividade humana que se sinta impossibilitada por
privilégios politicamente articulados em grupos assentados em convicções de
caráter teológico ou religioso.
A
teocracia existiu em virtude da crença de um deus governante; as monarquias se
sustentaram no poder divino conferido aos reis pelas mãos de alguma
"autoridade" ungida de liturgias e convicções sobre o Ser Supremo e a
fragilidade da alma humana.
No
caso da Maçonaria moderna, ela tem que permanecer livre (laica) e proporcionar
liberdade (laicismo).
O
laicismo, portanto, não pode ser entendido apenas como reivindicação de
autonomia do Estado perante uma religião ou igreja, mas - e principalmente -
como o afastamento das decisões governamentais (republicanas) "de
influências estranhas e deformantes das ideologias políticas, dos preconceitos
de classe, de raça etc." (Abagnano). O princípio do laicismo não vale
apenas nas relações entre a atividade política e a religiosa, uma vez que uma
corrente política totalitária vem necessariamente acompanhada pelo apoio a uma
ideologia racista, classista ou de qualquer outra espécie, destruindo o direito
de liberdade dos cidadãos. Laicismo é sinônimo de liberdade no plano das
inter-relações humanas.
Vejamos
alguns exemplos dessas distorções:
1)
Durante o Império, no Brasil, as das determinantes do Padroado Régio
preconizavam uma ordem política que envolvia diretamente o clero nas as
instâncias do poder instituído, tanto social e burocrático incluindo as classes
dos magistrados e militares - a consonância entre o discurso político
monárquico e o da hierarquia católica romana, especialmente nos que se referia
à infalibilidade da autoridade divina do Imperador. Em troca, o Imperador tinha
o poder de nomear bispos.
2)
Durante a República Velha, dos 13 primeiros presidentes do Brasil, 10 foram
maçons: Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Campos
Salles, Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, Wenceslau Brás,
Delfim Moreira e Washington Luís. O fim da República Velha deu-se com o golpe
de Estado de Getúlio Vargas que depôs e exilou o presidente Washington Luís
(maçom) e impediu a posse do também maçom e presidente eleito, Júlio Prestes.
Recomendo
a todos a leitura do livro “O Poder da Maçonaria História de uma sociedade
secreta no Brasil”, de Marco Morel e Françoise Jean de Oliveira Souza, lançado
no dia 17 de outubro de 2008, no Rio de Janeiro.
-
A Política Maçônica é uma ciência fundamentada num PROJETO DE ESTADO e num
PLANO DE GOVERNO ainda inexistentes em nosso país. O discurso fácil e ineficaz
precisa ser substituído por ações concretas no âmbito da segurança pública, da
saúde, da educação, na modificação das leis penais e nas reformas políticas e
judiciárias. Feito esse trabalho e alcançados os resultados que merecemos, a
Maçonaria tem que retirar-se do primeiro plano e manter-se como vigilante das
instituições democráticas. A propósito e como exemplo disso, termino com a
história de Cincinato.
Por volta de 480 a.C., o Senado Romano escolheu
Lucius Quincio Cincinato, um pacato agricultor, célebre por sua conduta
austera, para apaziguar uma contenda entre os tribunos e os plebeus.
Cincinato aceitou a encomenda e foi nomeado com
plenos poderes para mandar e desmandar.
Alcançado o objetivo de sua nomeação e restabelecido
o respeito da Lei Terentilia Arsa, Cincinato dirigiu-se ao Senado e entregou o
cargo.
- Fica mais um pouco, Cincinato! – disseram os
nobres senadores. Foi tão profícuo seu governo!
Podemos fazer de você um César, um deus! Fica,
Cincinato!
E o povo uivava na praça: - Cincinato! Cincinato!
Cincinato! O povo - unido - jamais será vencido! etc! etc! etc!
Mas Cincinato agradeceu. Esboçou um sorriso, fez uma
discreta reverência ao presidente do senado e declarou:
- Já cumpri com meu dever de cidadão. Minha tarefa
não é política nem militar. Por isso vou regressar à minha vida pastoril. Com
licença, meu arado me espera.
Dito isso, virou as costas e caminhou a pé até sua
fazenda e calçou as botas de fazendeiro.
Naquela mesma tarde os vizinhos viram o homem que
amanhecera com o maior poder de Roma nas mãos conduzindo, feliz da vida, seu
velho arado.
Aprendam com Cincinato!
(*)
O Irmão José Maurício Guimarães é Venerável Mestre e fundador da Loja Maçônica
de Pesquisas “Quatuor Coronati, Pedro Campos de Miranda”, jurisdicionada à
Grande Loja Maçônica de Minas Gerais.
3 Comentários
Muito bom. Ir:. Souza Lima.
ResponderExcluirResumo e exemplo claros e sucintos.
ResponderExcluirResumo e exemplo claros e sucintos.
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