O czar Alexandre I |
O
czar Alexandre I, maçom, havendo liderado a heroica gesta empreendida contra o
seu irmão maçônico Napoleão I,1 a quem derrotou com o exército conduzido pelo
marechal de campo Mikhail Kutuzov, também eminente franco-maçom, com base em um
relatório sobre as atividades dos maçons russos elaborado pelo tenente general
e senador Igor Kushelev (Grão-Mestre Adjunto da Grande Loja Maçônica Ástrea),
decidiu proibir a Maçonaria na Rússia mediante o “ukase”2 de 1° de agosto de
1822, perante a surpresa geral de todo o mundo.
O que foi que
aconteceu até lá?
A
maçonaria contemporânea nasceu no dia de São João (24 de junho) de 1717 no
salão de refeições da Taberna O Ganso Grelhado instalado no primeiro andar da
Catedral de São Paulo em Londres, quando quatro Lojas decidiram vir a público
para constituir a Grande Loja de Londres, anos depois da Inglaterra.
Esta
matéria está dedicada à memória de René Guénon (1886-1951)
Vamos
destacar algumas caraterísticas desse processo, já que se refletiriam posteriormente
no desenvolvimento da maçonaria russa.
a)
A Ordem (Instituição, Ciência ou Sociedade) como também é conhecida a Maçonaria
entre os maçons, obviamente já existia antes de 1717. Assim, alguns
historiadores afirmam que o imperador russo Pedro I “O Grande” foi iniciado na
maçonaria, antes dessa data, pelo arquiteto Christopher Wren,3 restaurador da
citada Catedral londrinense. Outros, dizem que o seu ingresso foi num navio
militar inglês, o que era muito comum na época. Conforme afirma o escritor
inglês Jasper Ridley (que não é maçom) Pedro I, após a sua volta a Rússia em
1698, mandou o seu ministro de confiança, o suíço François Lefort, que fundasse
a primeira loja maçônica russa em São Petesburgo e que se fizesse Mestre dela.4
b)
As Constituições Maçônicas de 1723, redigidas pelo reverendo James Anderson e
aprovadas pela Grande Loja da Inglaterra, estabeleceram as normas e diretrizes
da Instituição que vigoram ainda hoje, quais são:
–
“Um maçom nunca será um ateu estúpido,
nem tampouco um libertino irreligioso”. Consequentemente deve acreditar em
Deus e na imortalidade da alma.5 A maçonaria russa sempre foi, e atualmente
também o é, profundamente religiosa, como prova o fato de que o metropolita
Filareto, certamente a personalidade moral, intelectual e espiritual mais
importante que tenha dado o alto clero russo, militou ativamente na Ordem, como
veremos mais adiante.
–
“As discussões de ordem religiosa e política estão rigorosamente proibidas em
Loja… Um maçom nunca deverá se envolver em motins e conspirações contra a paz e
bem-estar das nações”. Desde o início, a Grande Loja da Inglaterra foi dirigida
pelo mais alto nível da Coroa Britânica, fato que se mantém até os nossos dias,
sendo o atual Grão-Mestre o Duque de Kent. Este exemplo se repassaria para a
toda a aristocracia europeia, como por exemplo: o rei da Prússia Frederico II O
Grande, considerado Grão-Mestre e Protetor universal da Maçonaria; o imperador
do Brasil Dom Pedro I; o rei da Suécia quem, até hoje, é o presidente da
Maçonaria Sueca; Napoleão I e todos os seus irmãos; Fernando II rei do
Portugal; Leopoldo I rei da Bélgica; os reis da Itália Vítor Manuel II e Vítor
Manuel III; Estanislao Poniatovsky rei da Polônia; e outros. Escreve Jean Palou
que existiriam evidências de que o rei Luís XVI (guilhotinado durante a
Revolução Francesa) e seus irmãos, futuros reis Carlos X e Luís XVIII foram
recebidos franco-maçons na Loja “Les Frères Unis”, constituída “ad-hoc” em
Versalhes.
No
continente americano, sem nobres, porém ocupando o mais alto nível sócio
econômico e político, destacados maçons tais quais George Washington, Benjamin
Franklin, Francisco Miranda, Bolívar, San Martin, O’ Higgins, Artigas, José
Bonifácio de Andrade, Gonçalves Ledo, Padre Hidalgo, Benito Juarez e José
Martí, participaram ativamente da construção dos seus países. A Rússia não
podia ficar à parte dessa tendência e foi assim como a maioria das elites de
São Petesburgo, Kiev e Moscou participaram da Ordem. O historiador Nicolai
Riasanovsky, citado por Richard L. Rhoda6 afirma que durante o reinado de
Catarina II “A Grande” chegou-se aos 2.500 membros repartidos em mais de cem
lojas de todo o país. Conforme a revista alemã “O Globo” existiam 145 lojas
maçônicas no ano 1787, o qual colocava a Rússia dentre as principais potências
maçônicas do mundo na época.
–
“As Lojas estarão exclusivamente
constituídas por homens”. Desde o início do seu reinado Catarina II, que
governou Rússia por 34 anos (1762-1796), mantinha uma ativa correspondência com
Voltaire e se entusiasmava com os princípios pedagógicos de Rousseau, consentiu
o crescimento da maçonaria. Todavia, vários fatos perturbaram esse
relacionamento: a aberta simpatia pela Ordem manifestada pelo seu marido e rival
Pedro III; o ingresso em 1777 na Instituição -por convite do rei da Suécia
Gustavo III – do seu filho e inimigo político o Grande Duque Paulo; a
influencia na maçonaria do seu outro inimigo político o rei Frederico “O
Grande”; o desmascaramento do pseudomaçom e charlatão Cagliostro numa sessão
espírita realizada nos salões do príncipe Gagarin – o que motivou a Catarina
escrever três comedias satíricas: “O xamã siberiano”, “O fabulador” e “O
alucinado”.7 e finalmente, as maliciosas acusações do abade Barruel no sentido
de que a maçonaria teria realizado a Revolução Francesa (o que é absolutamente
falso, conforme Castellani, Assis Carvalho, Palou e outros), influenciaram
negativamente no ânimo da imperatriz que, a princípio não proibiu os trabalhos
nas Lojas, mas deu a entender aos nobres que já não aprovava que pertencessem a
elas.
Porém,
o que mais incomodava a Catarina II era que não podia ser membro da Ordem pela
sua condição de mulher; fato que também desgostava as demais mulheres
importantes da época. Anos mais tarde, a esposa de Napoleão I, Josefina, resolveu
o dilema filiando-se a uma Loja de Adoção (de mulheres; considerada irregular
pela Grande Loja da Inglaterra), chegando a presidir em 1805 a Loja Imperial de
Franco-Cavaleiros, de Estrasburgo, cuja Grã-Mestra era a Madame de Dietrich,
esposa do prefeito da cidade em cuja casa foi cantada a Marselhesa pela
primeira vez em 1792. Por outro lado, o embaixador sueco na Rússia, Conde
Stedingk, escreveu que “Catarina sentia uma feminina repulsão contra a
maçonaria”.
c)
Contrariamente ao que supõe a maioria das pessoas, a Maçonaria não é unívoca;
isto quer dizer que existem diversas obediências maçônicas, muitas vezes
enfrentando-se entre si e que praticam, por sua vez, distintos rituais durante
os seus trabalhos em Loja. Estamos, pois, longe de uma única organização, com
um único ritual e sob uma única liderança; por tanto não existe, nem nunca
existiu um suposto governo maçônico universal.
Estas
divisões na Ordem refletiram-se na Inglaterra da segunda metade do século XVIII
quando coexistiam duas Potências igualmente regulares: a dos “Modernos” cujo
Grão-Mestre era o Duque de Kent (quem mais tarde seria o pai da rainha Vitória)
e a dos “Antigos”, a frente da qual estava o Duque de Sussex. Foi em 1813
quando os dois irmãos conseguiram unificar ambas as Obediências, ficando a
frente o Duque de Sussex e ocupando o cargo até a sua morte em 1843. Na Rússia
a principal influência foi o sistema inglês e o seu maior impulsor foi o
senador e conselheiro particular da imperatriz, Ivan P. Yelaguin (1725-1794)
que em 28 de fevereiro de 1772 foi eleito Grão-Mestre Provincial do Império
Russo (sob os auspícios da Grande Loja da Inglaterra). O seu rival era o
“Sistema Zinnendorf” ou sueco, que chegou à Rússia via Berlim através de George Reichell,
diretor da Escola Militar e que somente admitia nobres nas suas lojas. Já vimos
que a este rito pertenceu o Grande Duque Paulo e teve muita repercussão pelo
agregado (além dos três graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre da denominada
Maçonaria simbólica ou azul) dos chamados Graus Templários ou Cavaleirescos, de
marcantes características místico cristãs.8Em 1776 ambas as Obediências se
unificaram tomando o nome de Grande Loja Nacional. Deve-se levar em conta que
no século XVIII cada um quis forjar o seu próprio sistema maçônico, desde logo
incorporando sempre à Maçonaria simbólica (de unicamente três graus), como pode
ver-se nos rituais herméticos, cabalísticos e filosóficos e nas Ordens de
Cavalaria.9
Sem
prejuízo do acima escrito sobre Pedro “O Grande”, está documentado que a
Maçonaria na Rússia aparece em 1731 quando o capitão John Phillips é designado
Grão-Mestre Provincial da Rússia pela Grande Loja de Inglaterra. Em 1740 o
mesmo título é outorgado ao futuro marechal prussiano James Keith, quem começou
a atrair para a Ordem a jovens oficiais das melhores famílias russas. Um papel
de destaque tiveram o professor Johan Eugen Schwarz, diretor do Instituto
Pedagógico da Universidade de São Petesburgo e Nicolai I. Novikov (1744-1816),
fundador do jornalismo russo. Ambos homens eram muito ilustrados e não somente
trabalharam ativamente a favor da maçonaria como também influíram poderosamente
na vida intelectual da sociedade russa. Todavia, isto não impediu que fosse
ordenada a prisão de Novikov, o confisco dos bens de Mikhail Kutuzov e a
clausura da atividade maçônica em 1794 por ordem imperial. Quando o czar Paulo
I chegou ao poder em 1796, liberou a Novikov e outros maçons, porém
oficialmente não revogou a proibição, talvez porque ele tinha se proclamado em
16 de dezembro de 1798 Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros de Malta, uma ordem
que era rival dos altos graus maçônicos Templários. A maçonaria foi autorizada
novamente pelo czar Alexandre I em 1805 por influencia de Ivan Boeber, membro
da Academia Imperial de Ciências. Segundo Jasper Ridley, Alexandre I teria dito
a Boeber: “O que me conta a respeito dessa Instituição está me sugerindo que
não somente outorgue a minha proteção como que inclusive eu próprio deveria
solicitar ser admitido entre os franco-maçons”.
Daí
em mais, novamente se fundaram numerosas lojas nas quais ingressaram o Grande
Duque Constantino (irmão de Alexandre I), o conde Estanislao Potocki, o conde
Ivan Vorontzov (Venerável Mestre da Loja do Silêncio na qual também se
iniciaram Sumarkov, o príncipe Alexandre de Württemberg, Alexandre Marischkin e
outros membros da Corte). À Loja Palestina pertenceu Alexandre Ypsilanti, quem
se destacou na luta contra os turcos pela libertação da Grécia. Também devem
mencionar-se neste período o conde Roman Vorezov, tenente general Melissino,
príncipe Nicolai Trubetzkoy, príncipe Gagarin, príncipe Dolgorouky, príncipe
Golitzin, Nevitzky, Scherbatov, Mamonov e o príncipe Dashkov. O conde Alexandre
Suvorov (1729-1800) herói militar que lutou na guerra contra os turcos, foi
membro da Loja Aux Trois Etoiles de São Petesburgo e depois da Loja Zu den deir
Kronen. O escritor e estadista Alexandre S. Griboyedov (1745-1813) foi membro
da Loja Amigos Unidos em 1816. O herói das guerras contra Napoleão I, marechal
de campo Mikhail I. Kutuzov (1745-1813) foi iniciado na Loja Zu den deir
Schusseln (de Ratisbona); logo foi membro da Loja Trois Drapeux (de Moscou) e
depois se filioo à Loja Dying Sphinx (de São Petesburgo), alcançando o sétimo
grau do sistema maçônico sueco. Também deve citar-se o famoso compositor
Dimitry S. Bortnyansky (1751-1825) autor de muitas músicas tanto religiosas
quanto maçônicas.10
Em
1810 o Ministério da Polícia exigiu aos dirigentes da Maçonaria uma cópia das
Constituições e rituais. Em 1812, após uma análise destes documentos, as
autoridades constataram o alto patriotismo e o claro apoio a investidura do
Imperador que professavam os maçons russos. No entanto, após a derrota de
Napoleão I em 1814, 571 franco-maçons russos, incluindo 62 generais e 150
coronéis, confraternizaram maçônicamente com os seus irmãos franceses em Paris.
Ao regressar a Rússia, segundo alguns autores, traziam consigo a semente contra
o regime absolutista. O prestigioso investigador maçônico Boris Telepneff
escreveu que existiam provas conclusivas de elementos perigosos infiltrados em
algumas lojas russas.11 A mesma opinião teve o maçom Chefe da Polícia,
IgorKushelev, quem recomendou que, ou as lojas deviam ficar sob controle do
governo ou deviam ser fechadas. Como já fora referido, o czar optou por proibir
a maçonaria, sentenciando –no meu particular entender e a título meramente
especulativo- a sorte da monarquia russa um século depois, quando o comunismo
tomou o poder em 1917 e assassinou a toda a Família Imperial. Esta idéia se
baseia na seguinte tese: se a maçonaria não tivesse sido proscrita e, se em vez
de assumir o reinado Nicolai I (o reacionário irmão de Alexandre I) o teria
feito o maçom Constantino (o esposo da “Constituição”, como diziam os soldados)
assumindo o caracter de protetor da Maçonaria Russa e estabelecendo uma
monarquia constitucional, talvez a dinastia dos Romanov teria sido preservada e
outro houvesse sido o destino do país.
A
historiadora russa Tatiana Bakunin, citada por Jean-François Var e por Valerian
Obolensky, reunindo provas documentais tratou de reconstruir a lista completa
de membros da maçonaria russa desde os seus inícios até 1822. Ela estima o seu
número em 4.000 ou 5.000 pessoas, tendo registrado documentalmente uma lista de
3.267 nomes, incluídos quatro metropolitas (prelados de metrópole), entre eles
Filareto, dois arcebispos, cinco arciprestes e três arcimandritas (abades de
mosteiro).
Em
dezembro de 1825 teve lugar uma revolta contra as autoridades que depois seria
conhecida como a “Revolução Dezembrista”. Alguns dezembristas eram maçons, como
o coronel Batenkov, que foi deportado à Sibéria por 30 anos, porém a maioria
não. Tal o caso do maior poeta russo Alexandre Pushkin, iniciado na Loja Oviedo
em 4 de maio de 1821 sob o rito escocês.12 Todavia, os seus poemas lhe valeram
o exílio, como o dedicado a Chaadaev, que finaliza dizendo: “And on the ruins
of autocracy / Will inscribe our names”. É interessante salientar que esta Loja
Oviedo não foi clausurada pelo “ukase” de Alexandre I porque se aceitou que a
sua jurisdição pertencia à maçonaria da Romênia.
O
czar Nicolai I confirmou, em 21 de abril de 1826, o decreto proibindo a
franco-maçonaria, ficando restrita ao âmbito clerical e intelectual. Inicia-se
para a maçonaria russa uma longa noite onde é muito difícil rastrear o
funcionamento de lojas neste período, que está registrado pelo escritor Aléxis
Pissensky (1821-1883) em seu romance “O Maçom”. Segundo Telepneff, sempre houve
lojas em Kiev, Poltava, Odessa e outras cidades do interior.
Particularmente
interessante resulta a postura do escritor Leon Tolstoi. Lembremos que em seu
romance “Guerra e Paz” o conde Pierre Bezukhov é aceito na maçonaria, cuja
cerimônia ritualística está descrita com todos os detalhes, sem por isso
revelar qualquer segredo maçônico. O Venerável Mestre da Loja lê a Pierre umas
palavras de boas-vindas, cuja parte principal diz: “Em nossos templos, não
conhecemos outros graus salvo os que estão entre o vicio e a virtude. Cuida em
não criar uma diferença que possa perturbar a igualdade. Socorre aos irmãos,
quaisquer que eles sejam. Levanta o que cair e não alimenta jamais algum
sentimento de cólera ou de ódio contra um irmão. Sê benevolente e afável;
provoca em todos os corações o fogo da Virtude. Divide tua felicidade com teu
próximo e que a inveja não perturbe jamais esse prazer puro. Perdoa a teu
inimigo; não te vingues nunca, a não ser refazendo o bem.
Cumprindo
assim a lei suprema, encontrarás os traços da grandeza antiga que tinhas
perdido”. (Guerra e Paz, parte V cap. IV Ed. Ediouro, Rio de Janeiro). A época
na qual se desenvolve esta história é nas vésperas das guerras contra Napoleão.
Alguns autores dizem que Tolstoi, para descrever o ritual de iniciação, baseou-se
nos documentos seqüestrados pela polícia quando da clausura das Lojas em 1822.
Outros afirmam que ele mesmo foi maçom (como o seu parente conde general
Alexandre Ostermann Tolstoi, que se sobressaiu na batalha de Borodino contra as
tropas napoleônicas) e por isso pôde escrever tão detalhadamente sobre o
assunto. Todavia, a pesar de que Tolstoi figure como ilustre maçom nas listas
de algumas Lojas (como por exemplo, dos Estados Unidos), entendemos que não o
foi. Nesse sentido, o historiador especializado na
biografia de Tolstoi, Walter Moss, da Eastern Michigan University nos enviou
uma correspondência via correio eletrônico dizendo que: “ No, (he was not a
mason), but he was interested in it when he was writing War and Peace because
freemasonry attracted many intellectuals in the 1805-1820 period when the novel
is primarily set…and (Tolstoi) wrote to his wife when he was working on it in
1866 that the Masons were all imbeciles”.
Um
capítulo especial merece o relacionamento da maçonaria russa com a Igreja.
Nesse ponto, vamos seguir principalmente a opinião de Jean-François Var,
historiador maçom e Diácono da Igreja Ortodoxa da França.13 Diz este autor que
não há nem pode existir uma posição oficial, única e unânime da Igreja Ortodoxa
perante a maçonaria como tampouco frente às demais questões colocadas no mundo,
pois a Igreja Ortodoxa, diferentemente da Igreja Católica romana, não está
constituída unitariamente. Qualquer definição dogmática deve provir de um
concílio ecumênico e só foram realizados sete, entre os anos 325 e 787.
Obviamente, neles nunca houve um pronunciamento sobre a maçonaria. Logo depois
veio o cisma de 1054 que dividiu a Cristandade em um Oriente Ortodoxo e um
Ocidente Católico. A Igreja Russa, subordinada a Constantinopla, ficou independente
em 1448, declarando-se autocéfala e elegendo o seu primeiro metropolita: o de
Moscou. Assim nasceu a idéia de que a “primeira Roma” era herética, a segunda
(Constantinopla) tinha caído nas mãos dos turcos, então Deus havia suscitado
uma “terceira Roma”: Moscou, e um novo imperador para defender a verdadeira Fé.
Foi quando os príncipes moscovitas assumiram o título de “czar” (César em
russo) e consideraram que tinham legítimos direitos a assumir como próprio o
símbolo da Águia Bicéfala (tão caro ao simbolismo dos últimos altos graus do
Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria).14 Em 1589 a Igreja se transformou
em patriarcado e a Pentarquia Ortodoxa ficou assim constituída: Constantinopla,
Alexandria, Antioquia, Jerusalém e Moscou. A maçonaria que se desenvolveu nos
quatro primeiros territórios sofreu, na sua dupla condição de maçônica e
cristã, a perseguição por parte da dominação turco-otomana. Na Ortodoxia Russa,
ao contrário, achou um campo fértil para sua expansão, sobretudo a partir de
1776.
Constitui
um fato de grande importância que Filareto pertencera a Maçonaria. Como
metropolita de Moscou ocupava a sede mais elevada da Igreja Russa; teria sido
Patriarca se esse titulo não houvesse sido suprimido por Pedro I. Ocupou o
cargo brilhantemente durante 40 anos. Foi filólogo, especialista nos Padres da
Igreja (sobretudo gregos), conhecedor da escola espiritual francesa do século
XVIII, de Fénelon (prestigioso escritor e arcebispo católico de Cambrai) e
renovara na Rússia os estudos eclesiásticos. Realizou a tradução da Bíblia para
o idioma russo (de 1816 a 1820) patrocinado pela Sociedade Bíblica na qual
colaboraram muitos maçons ilustres. Todo isto sugere que houve na Rússia uma
verdadeira interação e quase uma simbiose entre a maçonaria e a religião, o
melhor ainda, a Igreja mesma. E se, como vimos, a maçonaria foi proibida em
duas ocasiões, foram por motivos políticos nos quais a Igreja não teve nada a
ver. Infelizmente, em 1822 finalizou uma época excepcional que foi testemunha
deste raro fenômeno: um movimento espiritual (a maçonaria) vindo do exterior
tinha logrado que a alma nacional russa voltasse as suas raízes já quase
esquecidas. Se existiu tal harmonia entre a Maçonaria e a Ortodoxia russas,
talvez fosse pelo caráter místico dessa maçonaria e a que o próprio
Cristianismo Ortodoxo seja místico por natureza.
Por
estas razões as igrejas ortodoxas nunca condenaram, seja em conjunto, seja
individualmente, a maçonaria. O Patriarca Atenágoras I foi maçom grau 33°
diferenciando-se dos pontífices da Igreja Católica romana que sim o fizeram
várias vezes desde que o Papa Clemente XII ditou a Bula “In eminenti” em 28 de
abril de 1738 proibindo aos católicos se filiarem à maçonaria sob pena de
excomunhão; norma do direito canônico que surpreendentemente continua vigorando
em pleno século XXI conforme declaração do Prefeito da Sagrada Congregação para
a Doutrina da Fé (ex Inquisição), Cardeal Joseph Ratzinger, ratificada pelo
Papa João Paulo II em 26 de novembro de 1983, e nunca revogada até hoje.
Chegamos
agora nos inícios do século XX. Em 1906 destacavam-se em São Petesburgo a Loja
Estrela Polar e em Moscou a Loja Renovação. Esta maçonaria estava composta por
intelectuais, burgueses, liberais, cientistas, escritores, militares, clérigos,
alguns nobres, etc. Uma das lojas estava constituída unicamente por oficiais de
idéias liberais e outra exclusivamente por deputados (KaDets). Antes da
revolução bolchevique de 1917, existiam trinta Oficinas que logo depois
desapareceram perseguidas pelo comunismo. Leon Trotsky chamou a maçonaria de
“uma concepção ideológica burguesa contrária aos interesses da ditadura do
proletariado que tende a estabelecer um Estado dentro do Estado”. Nesta mesma
linha, o IV Congresso da Internacional Comunista declarou: “A Maçonaria é o
engano mais infame que lhe faz ao proletariado uma burguesia inclinada para o
radicalismo. Temos a necessidade de combati-a até o extremo”. Com efeito, a
maçonaria russa foi exterminada totalmente durante a ditadura comunista.
E
pensar que houve quem acreditasse que a maçonaria fosse a vanguarda
internacional do bolchevismo! Nada mais errado: esse comunismo torturou e
assassinou mais maçons do que todas a perseguições realizadas pela Inquisição
contra membros da Ordem. O escritor Valerian Obolensky apresenta uma extensa
lista de maçons russos que conseguiram fugir ao exterior após a revolução
comunista,15 entre eles: príncipe Vladimir Obolensky; príncipe Vladimir
Bariatinsk; Peter Bark (último Ministro da Fazenda do czar Nicolai II); Ossip
Bernstein, maestro internacional de xadrez; príncipes Paul e Peter Dolgoroukov
(executados no exterior por comunistas russos); Grande Duque Alexandre (Sandro)
Romanov; Marc Chagall (artista); Alexandre Davidoff (descendente dos
“dezembristas” Trubetzkoy e Davidoff); Alexandre Naumov (Ministro da
Agricultura do czar Nicolai II); Kristof Kafián (músico, presenciou a clausura
da ultima Loja russa em Paris em 1971; disse “estamos cansados”); príncipe
Grigory Lvov; e outros. Resulta um paradoxo que hoje em dia os comunistas
russos responsabilizem a maçonaria do colapso da antiga União Soviética,
acusando a Gorbatchov e a Yeltsin de serem maçons.
Como
todo o mundo sabe o comunismo implodiu no final dos anos oitenta e então, pouco
a pouco, começaram a surgir as oficinas maçônicas nos países que tinham vivido
sob a Cortina de Ferro. No dia de São João do ano 1995, no edifício do
Sindicato de Professores de Moscou, sob os auspícios da Grande Loja Nacional da
França, procedeu-se a reinstalação da Grande Loja da Rússia, após 173 anos de
proibição governamental. Os maçons russos presentes eram cientistas, oficiais
do Exercito e da Marinha, jornalistas, escritores, homens de negócios e
acadêmicos, representando, como seus colegas ingleses em 1717 as quatro Lojas
fundadoras: “Harmonia” e “Nova Ástrea” de Moscou; “Gamaioun” de São Petesburgo
y “Lotus” de Voronezh. A “tenida” (em espanhol: reunião de maçons) foi
presidida pelo Grão-Mestre da França Claude Charbounniaud e logo em seguida foi
eleito Grão-Mestre Georgy Dergachov, pessoa muito ligado as autoridades da
Igreja Ortodoxa Russa pela sua condição de Professor de Filosofia Religiosa da
Universidade de Moscou.16 Como Grão Secretário foi eleito Vladimir Djangurian.
A Grande Loja da Rússia é, com seus onze fusos horários, a maior jurisdição
territorial maçônica do mundo e está reconhecida, entre outras, pelas Grandes
Lojas de Portugal, Nova Iorque, Alemanha, Áustria, Hungria e França. Em 6 de
julho de 1996 foi instalado em Moscou o Supremo Conselho de Soberanos Grandes
Inspetores-Gerais do Grau 33° do Rito Escocês Antigo e Aceito, estando
presentes os Soberanos Grandes Comendadores da Bélgica, Brasil, Turquia,
Polônia, Romênia e Irã no exílio. Como primeiro Soberano Grande Comendador de
Rússia foi instalado Vítor Kouznetsov, 33°.
Finalmente,
no ano do ressurgimento da Ordem em Rússia, quem visitou a imponente Catedral
de Kazan, com sua fachada similar a Basílica de São Pedro no Vaticano,17 pôde
apreciar em seu interior uma sala destinada a exibição de objetos maçônicos.
Eram mais de cem artigos entre livros, estandartes, malhetes e aventais. Nenhum
lugar simboliza melhor a maçonaria russa do que a Catedral de Kazan: em sua
cripta, o General Kutuzov, pai da Pátria, havendo servido lealmente ao seu
Imperador, descansa no Oriente eterno junto as três Luzes que guiaram a sua
vida: A Rússia, a Igreja e a Maçonaria.
NOTAS
E BIBLIOGRAFIA
*
Artigo revisado e corrigido pelo Ir.: ANTONIO AGUIAR DE SALES: Venerável Mestre
da A.:R.:B.:L.:S.: LIBERDADE n. 1 da Grande Loja Maçônica da Bahia, Brasil.
1
Jean Palou, escritor e maçom, pertencente a corrente Tradicional do pensador
metafísico René Guénon, em seu livro “A Franco-Maçonaria Simbólica e
Iniciática”, Ed. Pensamento, São Paulo, conclui que Napoleão I fora iniciado na
maçonaria quando era tenente de artilharia em Itália e teria pertencido à Loja
egípcia de Hermes e também ao Rito Escocês Retificado da Obediência do Grande
Oriente de França. Em contra, Jasper Ridley.
2
Ukase: decreto imperial em idioma russo. Por incrível coincidência, nesse mesmo
ano de 1822 (25 de outubro) outro imperador maçom, o brasileiro Dom Pedro I
quem, a pesar de ter o grau 33° e ser Grão Mestre do Grande Oriente Brasílico,
também proibiu a maçonaria no seu país.
3
History of Russian Freemasonry, de Dennis Stocks, da Barron Barnett Lodge, em
Casebook, documento publicado em Internet, junho de 1977;
http://ripper.wildnet.co.uk/russianfm.html (novo url)
4
Los Masones, de Jasper Ridley, Ed. Vergara, Buenos Aires. A respeito de
Alexandre I, este autor afirma que o czar foi nomeado Grão Mestre de honra da
maçonaria da Polônia durante um banquete maçônico celebrado em Varsóvia em
1815. A Grande Loja da Rússia, na sua página em Internet (versão em russo) diz
apenas que existem evidencias de que Alexandre I teria pertencido a Ordem.
5
As Constituições de Anderson e Pérolas Maçônicas V2, Ed. A Trolha, Londrina.
6
Russian Freemasonry: a new dawn, de Richard L. Rhoda, da Maine Lodge of
Research AL 5981, documento publicado em Internet, junho de 1996;
http://members.aol.com/houltonme/rus.htm
7
Los Masones ante la Historia, de Eugen Lennhoff, Ed. Diana, México.
8
John J. Robinson, que não é maçom, em seu livro Nascidos em sangue, afirma que
a maçonaria é a continuação da Ordem dos Cavaleiros Templários.
9
“Los altos grados masónicos”, de René Guénon, revista La Gnose, Paris (1910),
traduzida ao espanhol pela revista SYMBOLOS de Guatemala.
10
Grande Loja da Rússia, em Internet: http://freemasonry.narod.ru (novo url)
11
“Freemasonry in Russia”, de Boris Telepneff, revista Ars Quator Coronatorum, V
35, 1922, da Quator Coronati Lodge N° 2076 de Londres, citado por diversos
autores.
12
“Masonería en clásicos rusos y alemanes”, revista Símbolo, Buenos Aires.
13
Masonería y Religión, de José Benimelli, Ed. Universidad Complutense de Madrid,
Cap. “La Iglesia Ortodoxa y la Masonería” por Jean-François Var.
14
Conforme correspondência particular enviada por Eduardo Seleson, maçom 32º REAA
15
Russians in exile, de Valerian Obolensky, livro publicado em Internet, maio de
1997; http://www.geocities.com/SoHo/Studios/5254/dias13.html
16
“The Grand Lodge of Russia”, de Peters Waters, em Masonic Square, documento
publicado em Internet, junho de 1996;
http://users.iol.it/fjit.bvg/glrussia.html
17
“La Masonería en Rusia”, de Max Grieben, revista Símbolo, Buenos Aires
Direitos
de http://www.msmacom.com.br
0 Comentários