Do
operativo para o especulativo
O que acontece no coração dos maçons que
descobriram o verdadeiro significado da Arte Real é comparável ao que se
passava no espírito dos alquimistas que descobriam a pedra filosofal e dos
modernos cientistas quando conseguem sintetizar, ou provar, em seus
laboratórios, um princípio ativo ou uma lei natural. Ocorre neles uma
transformação qualitativa de caráter e um desvelar de visões que lhe permitem
”ver” e sentir melhor o mundo em que vivem. Com isso lhes é possível perceber o
conjunto no qual se circunscrevem e qual é sua posição relativa em face ao todo
que ele representa. Melhor ainda, é possível perceber qual a sua exata
configuração nesse todo e sua função num domínio que ele agora sabe, também se
compõe em razão das suas atitudes.
Quando o Irmão adquire essa visão de
conjunto, lhe vem uma sensação de pertencialidade,[1] que ele nunca
experimentara antes. Então ele descobre o verdadeiro significado da palavra
Fraternidade. E ai ele saberá por que
está ali, e por que um dia ele quis ser um maçom.
Mas esse é um processo que se cumpre no
coração e não na razão.
O triunfo da máquina sobre a mão do homem,
na confecção de obras materiais, eliminou da cultura humana a tradição de
sacralizar os ofícios. Perdido o elo que ligava a mente á matéria, o homem não
soube mais como tirar dela verdadeira obra de criação. Se antes, pelo lavor das
mãos, ele podia sentir-se um deus, no sentido de que também criava, agora, a
criação ocorria apenas no domínio da mente, porquanto a execução se processava
por meios mecânicos, sem aquela interação mente-matéria que possibilitava ao
antigo artesão a realização espiritual através do trabalho. O resultado, que
era antes era obra, no sentido sacro/artístico do termo, com a mecanização
passou ser produto. Então passou-se do operativo para o especulativo.
O
sentido metafísico da Arte Real
Milênios passam, as civilizações
desaparecem; o tempo tudo devora, as próprias obras confeccionadas pelo homem
são consumidas; mas das construções humanas, as que mais resistem são as habitações que ele faz
para seus deuses e para seus próprios restos mortais. De todas as grandes
civilizações do passado, o que resta são as ruínas de seus templos e de seus
cemitérios. E são nessas edificações, erigidas para atender ao desejo de viver
eternamente na memória dos homens, que transparece o sentido metafísico da Arte
Real, já que nelas o que se imprime é uma imagem vinculada á idéia de
imortalidade, só atribuída aos deuses e ao espírito do homem.
Com efeito, pouco resta dos grandes palácios
erguidos para o conforto dos potentados humanos, e das casas onde residiram os
seus construtores. Mas as ruínas dos grandes templos da antiguidade e as
majestosas tumbas erigidas para o sepultamento dos seus restos mortais ainda
testemunham a magnitude da inteligência dos maçons daqueles tempos.
As primeiras formas de construção produzidas
pelos grupos humanos foram as palafitas, casas de madeira erguidas nas margens
dos rios. Em seguida foram empregadas as pedras, primeiro em sua forma bruta,
depois as trabalhadas. A edificação com pedras brutas marcou o inicio da
estabilidade do homem sobre a terra, pois representou o despertar do seu
sentimento gregário, sentimento esse marcado pela sua fixação a um meio
ambiente. Já a construção com pedras trabalhadas lhe deu uma identificação no
meio daquele ambiente, pois a partir daquele momento o mundo ficara impregnado
de algo que ele criara pelo lavor das próprias mãos.
A pedra sempre foi para o homem um objeto de
estranhas propriedades. Nela ele podia sentir um grande poder de resistência,
durabilidade e maleabilidade, pois ela, além de poder assumir todas as formas
fabricadas pela natureza, também parecia ser perene e resistir a todas as
intempéries. Trabalhá-la, dando-lhe formas úteis e agradáveis á vista tornou-se
um ritual onde a mente associava-se á matéria para criar o universo real. Nas
pedras se cultuavam os deuses, nelas eram escritos seus mandamentos; nelas
também se eternizava a memória dos entes queridos e a beleza das formas do
gênero humano; com elas também se faziam as muralhas que serviam de defesa para
as cidades e algumas espécies de pedras faziam a riqueza de muitos homens.
Pedra
bruta, pedra talhada, pedra lavrada
O culto á pedra sempre esteve presente nas
tradições dos povos desde o inicio dos tempos. Nada estranho, portanto, que ela
tenha sido escolhida para simbolizar a metafísica fundamental da prática
maçônica. O Aprendiz, por um trabalho de conscientização interior,
transforma-se numa pedra lavrada. Desbastado de suas asperezas, aparecerá como
uma obra de lavor que estará em condições de integrar-se ao edifício universal
que é a Maçonaria, aquela Maçonaria, que segundo Ransay, “ é uma grande
Republica, da qual cada Nação é uma família e cada individuo, um filho”. [2]
Da mesma forma que o Aprendiz é essa pedra
bruta que precisa ser lavrada para adquirir a personalidade desejada, o
Companheiro é a pedra cúbica. Ele representa o material que foi trabalhado e
transformado pela iniciação nos Mistérios Maçônicos. Simboliza, na evolução da
sociedade humana, uma segunda fase de transição, quando ela passa da mera
aglomeração de indivíduos por razões de sobrevivência, para uma organização
social que já pode ostentar as primeiras conquistas de um processo
civilizatório. Esse processo está registrado na história humana através da
construção de edifícios com materiais já mais elaborados, como a pedra lavrada
e os tijolos queimados.[3]
A pedra, sendo um produto em que a natureza
concentra um grande potencial de forças telúricas, é o que mais se presta ao
trabalho de arte sacra. Por isso é que a ela se associa, geralmente, um ritual,
uma prática de sentido esotérico. Assim faziam, por exemplo, os antigos
cortadores de pedra medievais, que no decurso de seus trabalhos diários,
recitavam preces e executavam batidas rituais com seus instrumentos de
trabalho, para atrair os bons influxos para o individuo e para a comunidade.
Para muitos místicos, a pedra é um ser vivo, cheio de energia, a energia que
eles chamam lapitus. Essa energia estaria na origem da vida, já que, segundo
eles, a vida orgânica teria se originado a partir das transformações sofridas
pela matéria bruta. Daí o imenso simbolismo contido nas diversas espécies de
pedras. O mármore, como representativo da morte, o granito como símbolo da
força, nas pedras dos rios a idéia de evolução, no quartzo e nos cristais a
inspiração artística e o êxtase divino, etc.
Não é sem razão também que os alquimistas
simbolizavam numa pedra a essência da sua “Obra”. A pedra filosofal era um
preparado químico que conteria a alma da natureza, capaz de transmutar metais
simples em ouro. De alguma forma, também a mística oriental se vale do
simbolismo da pedra para representar a busca da quietude, do equilíbrio e da
serenidade, que está na postura do iogue “petrificado”.
Um dos mais marcantes exemplos de trabalho
na pedra nos foi dado por Antônio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, o maior
escultor brasileiro do período colonial. Suas estátuas, suas figuras de pedra
sabão, que enfeitam as igrejas mineiras, mostram bem a excelência do maçom
operativo que atingiu a plenitude espiritual através da técnica operativa. No
trabalho daquele genial artista é possível “ler” a mensagem maçônica que ele
deixou expressa nos gestos, nas feições, na forma, na posição das estátuas e
nas medidas com que a sua obra foi composta.
J. Palou, citando P.Sébillot (Légendes et
Curiosités dês Métiers) diz que “ é interessante observar que “machados de
pedra polida (são) colocados debaixo das fundações em várias regiões da França”
(...) mormente quando se sabe que na maçonaria a pedra cúbica em ponta, que
representa o companheiro, é muitas vezes feita na forma de um machado, sendo
este instrumento próprio da Maçonaria Florestal, simbolizando o fogo
purificador e sendo um dos atributos de São João, sob cujo patrocínio são
colocadas as Lojas maçônicas” [4]
Esse é um bom exemplo da mística da pedra, e
sua implicação no simbolismo da Maçonaria. Tudo começa na pedra, como na
natureza. A partir daí há um longo trabalho iniciático que envolve iniciação,
preparação, aperfeiçoamento e acabamento.
Assim, é preciso não perder de vista esse
processo, se quisermos, realmente, entender o simbolismo da Arte Real.
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