Por Edival Lourenço / Revista Bula
Há
uma parábola amplamente repetida pelos palestrantes motivacionais: Dois
pedreiros numa construção levantam paredes. Perguntado a um deles o que fazia e
ele respondeu simplesmente que assentava tijolos. A mesma pergunta feita ao
segundo, respondeu: construo um templo. O trabalho era o mesmo. Para o primeiro
era um serviço ordinário e massacrante: assento tijolos. Para o segundo existia
uma grandeza redentora: construo um templo.
Com
isso os palestrantes conseguem fazer com que trabalhadores assentem tijolos com
o entusiasmo de quem edifica templos. Esse fortificante interior pode
proporcionar sentido à vida e até justificar ações que, numa visão rasa,
poderiam ser rotineiras e degradantes. Esse sentimento pode parecer bom. Mas de
comum leva a equívocos insanáveis. E não estou dizendo dos equívocos de simples
trabalhadores que, ao se deixarem cair no canto de sereia, são explorados
alegremente. Isto com certeza não é bom. Mas não é neste nível que este tipo de
sentimento e empulhação causa danos monumentais.
Vamos
transferir essa visão redentora para um universo maior. Na verdade foi isso que
aconteceu com o núcleo duro do partido que atualmente governa nosso país. Antes
do pessoal do PT e aliados, qualquer político que desviasse dinheiro público
ele o fazia pela simples vontade de roubar. Pela simples ambição de se
enriquecer com a coisa pública, não se importando com o prejuízo causado à
sociedade. Eram ladrões sem motivações redentoras. Não havia por trás deles uma
causa nobre que justificasse seus atos infames. Era uma coisa muito feia. Um
pecado mortal, como diria a madre superior do convento das carmelitas.
No
entanto, os ladrões de hoje em dia são ladrões empoderados. Estão construindo
um templo. Quando montaram o esquema do Mensalão, por exemplo, ou rapinam a
Petrobras, a Eletrobras, superfaturam obras e oneram o Estado com
aparelhamentos partidários, não estão praticando o roubo no sentido vulgar da
palavra. Trata-se agora de um roubo transcendente. Porque estão munidos de um
ideal supostamente redentor, de que estão a serviço de uma causa maior, onde os
fins justificam os meios, como defendia Stalin. Eles não estão roubando de
ninguém. Mas apenas retirando aquilo que lhes cabe por direito na luta pela
revolução socialista. Uma sociedade igualitária, que o povo quer e merece, mas
não tem consciência, porque as elites não permitiram ter, de que merecem e
querem.
Os
malfeitores que assolam o país neste momento querem ser vistos pelo viés
redentor da causa. Da grande causa social de que eles são condutores da chama.
São assim uma espécie de neo-Robin Wood, em escala, que retira dos magnatas
exploradores, dos tubarões ladrões para acudir os desvalidos e injustiçados.
Eles se sentem portadores de uma missão superior e trabalham para deixar um
grande legado. Eles não são ladrões; são militantes da grande causa socialista.
É por isso que os mensaleiros, no corredor dos réus, brandiram os punhos
cerrados em saudação aos companheiros e estes os saudaram em triunfo, numa
identificação superior e comovida. Já a polícia, o ministério público e a
justiça, que não estão imbuídos do sentimento redentor, nem partidários da
causa, entenderam o gesto como simples provocação.
O
fato de desviar dinheiro público que tanto aborrecimento tem causado às
autoridades e ao povo, na verdade tem dupla serventia no processo
revolucionário em marcha: ao mesmo tempo em que solapa as organizações
burguesas, desacreditando o progresso capitalista, fortalece as lutas
populares, por meio das organizações do proletariado.
Portanto,
se quisermos entender os agentes dessa grande roubalheira, precisamos nos dotar
de empatia, da capacidade generosa de nos colocarmos no lugar deles. Temos que
vê-los não apenas pelos tijolos que assentam, mas pelos templos que supõem
construir.
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