Por André J. Gomes - Revista Bula
Ariano Suassuna 1927 - 2014 |
Nesta terra da saúde que o cabra põe doente, onde morre
tanta gente e a vileza nunca para, mulher apanha na cara e homem faz o que
quer, um rei meio quixote, meio doutor, desceu da realeza pra ver de perto a
pobreza, sentir toda a sua dor. E pra ajudar seu povo de um a um, tirou a coroa
e saiu à toa, vestido de pessoa comum.
Andando pra todo lado, de jeito santo e letrado, o rei
feito andarilho viu o mundo, desceu ao fundo, cada pai e cada filho e cada mãe,
ouviu o velho, ouviu o novo com paciência, gente de toda idade, pra entender de
verdade a querência de seu povo.
E de tudo o que ele via, dedicado em seu trajeto, o rei
fez poesia de encantar o mais abjeto. Nessa vida da gente modesta, com o povo
fez sua festa. Aprendeu de tudo que não imaginava, e no trono já nem pensava.
Os anos foram passando, e o rei foi aqui ficando.
Trabalhava feito louco, fez de tudo um pouco. Fez livros, fez peças, fez
gravuras, fez amigos e inimigos, fez afetos gentis e desafetos imbecis. Foi
advogado de profissão, professor, acadêmico, usou fardão! Fez filhos? Não. Fez
uma prole! Só não fez foi corpo mole, que a vida anda dureza e não assente mera
esperteza.
Pra oferecer conhecimento, ele não tinha lugar e não
tinha hora. E até Nossa Senhora, precisada de opinião, o rei daqui mandou
chamar. Lá foi ele dessa feita, as mãos juntas em oração, perguntar à Mãe
Perfeita, se lhe cabia colaboração.
Tenho cá umas pendências, coisa de todo dia, respondeu a
Virgem Maria. E você, cheio de experiências, pode muito me ajudar.
Então o rei voltou à terra, dar adeus, até logo aos seus.
Mas seguro, de olhar firme, garantiu: ninguém se avexe, viu? Isso não é partida.
Vou ali com a Compadecida olhar de perto para os meus.
Juntou suas coisas, seus livros e lembranças num gibão,
montou seu cavalo de olhar esverdeado e cavalgou enluarado, até depois da
imensidão.
E você, boa gente, leve essa história à frente. Mas se
alguém quiser saber, curioso, gritando “como foi? Conta pra mim!”, você
responda simplesmente:
“Não sei. Só sei que foi assim”.
Para Ariano Vilar Suassuna, com a gratidão de sua gente.
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