Por Edival Lourenço
Edival Lourenço |
Tenho a nítida sensação de que
se eu viver pelo menos mais uns 20 ou 30 anos terei cruzado o rio da existência
e alcançado os barrancos da imortalidade. Não me refiro a essa imortalidade
figurada e vã, ad imortalitatem, que vem dos latinos e costuma figurar nos
frontispícios das academias de letras e outras casas de cultura. Por ela se
supõe que, pela produção cultural e pela inserção de seu nome nos anais da
entidade, o camarada atinge a imortalidade. Ou seja, sua lembrança permanecerá
para sempre na memória das futuras gerações, como Ovídio, Cícero, Horácio,
Virgílio. Mas, no embalo com que as coisas vão, nem sei se essa imortalidade
figurativa persistirá. Leia mais
A imortalidade que vislumbro
alcançar é outra. É a superação da morte mesmo. É não ter de pagar com a vida o
“salário do pecado” como dizem enigmaticamente as sagradas escrituras. É claro
que, para continuar vivo por um tempo de dízima periódica, terei de me livrar
das vestes corporais que me abrigam no momento, pois daqui a uns 20 ou 30 anos
elas estarão que é só a capa da gaita ou o pó da bactéria. Mas é aí que
vislumbro alcançar a imortalidade.
No momento propício,
contratarei uma agência operadora de vida virtual eterna e estarei escape do
ciclo vital, do jugo do pecado, da maldição bíblica, enfim. A tecnologia da
informação, na velocidade que vai, não demora muito haverá de ter os recursos
para converter toda a psicologia do ser, todo o estofo humano, a um metro
algoritmo, tão simples talvez quanto a série de DNA de uma ameba. Mas não
importa que seja simples ou complexo, porque para a inteligência artificial
isso não faz muita diferença. O que importa é que, se a máquina tiver os meios,
os fins serão alcançados. E o fim que almejo é apenas isso: converter minha
existência interior a um aplicativo e continuar vivendo numa boa.
Penso que a vida pós-matéria e
sem mística será uma beleza. Pra começo de conversa, pediremos um descarrego de
nossos complexos, traumas e crenças sem serventias. Não teremos unhas
encravadas, verminose, espinha, alergia. Não teremos vacina nem exame de próstata.
Não sofreremos de artrite, cegueira, dispneia, cardiopatia. Não sofreremos de
doenças congênitas nem adquiridas. Não teremos problemas de gordura, restrição
alimentar, entupimentos de artéria, nem de fezes ressecadas. Quer saber de uma
coisa? Não teremos problemas dessa ordem, a não ser que por uma nostalgia
atávica queiramos sentir o gostinho do que nossos antepassados de carne, osso,
sangue e fezes sentiam em suas rotinas de vida sem graça. Aí poderemos emular
num clique o sentimento dessas coisas antigas.
Na vida virtual, nem quero ser
amigo de rei nenhum, essa gente chata e metida a besta! Pedirei que me hospedem
num resort paradisíaco, funcional, muito superior à Pasárgada de Bandeira, onde
eu possa ter um priapismo maluco e usufruir de orgasmos megamúltiplos, quiçá
infinitos, com as mulheres tão lindas e fogosas quanto nunca houve de carne,
osso e silicone, na face da Terra. Pedirei paisagens intergalácticas no jardim
da churrasqueira, onde eu possa, com meus amigos do peito, comer sem culpas picanhas
gordurosas, asinhas de anjo grelhadas com chope no ponto.
Mas como me conheço bem e sei
o quanto sou inconstante, pedirei que me deixem uma tecla secreta de Esc, de
autodemolição, para que, no caso de arrependimento, essa bênção não se
transforme num castigo sem fim.
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