Por Eberth Vêncio – Revista Bula
Tem gente gozada nesse mundo.
Certa feita, ao assistirmos juntos a um show de Chico Buarque, um amigo
comentou assim, meio como se falasse com o próprio útero: “Se eu fosse mulher,
cairia fácil-fácil nos braços do Chico”. Eu ri e perguntei se ele sucumbiria ao
cantor por causa do par de olhos azuis, pelo seu charme singular e coisa e tal.
“Não. Eu seria sua amante por causa da poesia. O Chico é foda…”, emendou.
Comentários surpreendentes à
parte, a mim parece que, sem música, a vida seria insuportável, inviável. Eu
sigo, portanto, o meu próprio caminho a carregar na memória a obra de uma
eclética legião de heróis formada por cantores e compositores, não
necessariamente brasileiros, já que a música é tão universal quanto a dor, o
amor e uma rima pobre. Leia mais
Em tempos de diarreia
cultural, quando tantas músicas onomatopeicas descartáveis são vomitadas pela
mídia, diuturnamente, nos ouvidos das novas gerações, eu percebo que o meu amor
pela música não só se fortalece, mas, cresce ainda mais, principalmente quando
recorro aos mártires da MPB, como Tom Jobim, Chico Buarque, Luiz Gonzaga,
Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso, dentre outros.
Eu sinto pela obra de Chico Buarque
um afeto particular pois, foi por meio das suas canções, tanto as românticas
quanto as politizadas, que eu me aventurei a cantar, tocar o violão na solidão
honesta do quarto ou na euforia manifesta dos saraus e festinhas da minha
juventude. Bons tempos aqueles em que eu tive gana, cabelos, fãs volúveis, e
sabia tocar de cor mais de cinquenta canções do Chico, sem reclamar de calos
nas pontas dos dedos. Meus caros, tenho que admitir: eu era foda.
Na semana em que Chico Buarque
completa 70 anos, a Revista Bula convocou os seus leitores para um atrevimento,
uma diversão, uma homenagem dentre tantas que virão, a escolha de uma seleção
musical para o justo tributo a uma joia da MPB: pedimos para que os nossos
leitores elegessem, dentre centenas de composições estupendas, as dez melhores
canções de Chico em todos os tempos, as essenciais, as mais belas, as que
tocassem fundo na alma, um suposto repertório para Deus ouvir — caso Chico nele
acreditasse — durante a happy-hour celestial, sentado numa nuvem, a tomar licor
de amarula, exaurido pelas lamentações, desanimado por ter criado o ser humano
a sua imagem e semelhança. “Será que sou tão ruim assim?”, teria ele perguntado
a um arcanjo.
A lista será, certamente,
controversa. Mas, entendam dessa forma, viciados criadores de celeumas: a
seleção, per se, é simbólica. Servirá, contudo, como lenitivo àqueles que
jamais saciam a sua sede musical. Aquele tipo de música que, a despeito do
declarado ateísmo de Chico, comprova a existência de um Criador emanado, não das
páginas emboloradas de um calhamaço de parábolas antiquadas e reacionárias, ou
da frieza longínqua de uma nuvem vaporosa estacionada no céu, mas, sim, da voz
honesta de um cantor ou do som cativante da sua ferramenta de melhorar mundo: o
instrumento musical. Ficou assim a lista da Revista Bula.
Clique no título da canção para ouvi-la
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Quem te viu, quem te vê (1967)
Quando se fala que a música sertaneja contemporânea é trilha sonora de dar em corno, por causa do reincidente roteiro do amante traído que chora pelo descaso da amada, muita gente reclama de preconceito musical. Esta composição de Chico prova que é possível lamentar um amor não correspondido sem parecer oligofrênico. Eu sei que é difícil, mas não custa caprichar mais nas letras, caubóis do asfalto.
Cobrir o rosto
com um pano preto e sair quebrando as vidraças dos bancos com blocos de
concreto é mole. Quero ver ter a coragem para fazer o levante de um povo
concebendo canções tão revolucionárias quanto esta, talvez, a mais emblemática
e politizada composição de Chico Buarque.
Um dos mais
relevantes riscos de amar é cair na rotina. Dizer tudo igual, de forma
diferente, a cada santo dia: eis aí um desafio para poucos.
Chico é um dos
poetas maiores da MPB. Certamente, muito mais competente como letrista do que
como músico e intérprete. Na letra de Construção, uma avalanche de palavras
proparoxítonas reforça a contundência da temática social. Eu sei que você não
acredita, Chico, mas, mesmo assim, Deus lhe pague por você ter criado duas
canções tão memoráveis.
Frequentemente,
eu me pego pensando: com tanto lixo tocando na TV e no rádio, o que será da
música popular brasileira? Ou será que só fiquei velho e ranheta?
Canções
como esta, dentre tantas que Chico Buarque compôs para o universo feminino,
certamente fazem com que as mulheres se sintam vingadas de homens como eu, como
você e, por que não dizer, como o próprio Chico, já que ninguém é de ferro no
que tange a pisar os corações. O mulheril simplesmente adora esse tipo de música.
Se demorasse meia hora mais para nascer, Chico nasceria mulher
“A saudade é o revés de um parto. A saudade é
arrumar o quarto do filho que já morreu…”. Versos escritos assim jamais saem da
memória de quem ama a poesia. A letra desta canção é um presente que dispensa
comentários.
Por ingenuidade,
ignorância ou má fé, há quem defenda o cerceamento da liberdade e o retorno dos
militares ao poder como uma fórmula eficiente para se colocar ordem nas coisas.
A história não perdoa, incautos: calem-se!
Uma das
características que o ser humano tem de pior é a hipocrisia. Pior que ela,
talvez, a ingratidão. Esta composição de Chico conta uma incrível história de
abuso e intolerância. Em tempos de homofobia e ódios declarados, até parece que
esta letra foi escrita hoje cedo.
Sugiro aos
rapazes que guardem esta canção de amor de Chico Buarque a tiracolo, perto das
mãos e dos ouvidos, para o caso de precisão, para o recurso de uma derradeira
tentativa para dissuadir a mulher amada que deixou de amar. Eu não afirmaria
100% aos meus colegas de desassossego que se trata de um adjutório infalível,
mas, que faz balançar o coração, ah, isso faz. Chico, não me leve a mal, pode
até parecer frescura da minha parte, mas… eu te amo, cara!
1 Comentários
Salve o Mestre da MPB!!!!
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