Por Déo Mario Siqueira
A
cena mostrada pela TV de 29 polegadas na sala de snooker do Álvares Cabral não
nos trazia Senna acenando, antes pelo contrário. Inerte sob o capacete símbolo
após a maldita curva de Ímola, fatídica e ciente do que haveria de vir até pelo
que já acontecera na sexta e no sábado durante os treinos preparatórios, jazia
um herói. Com todo respeito aos demais acidentados então, recordo que o Ayrton
andou “nela” com os fiscais de linha, macacão arriado, capacete à mão, boné na
cabeça, mostrando-lhes onde e como aconteceria o sinistro que estranhamente
parecia antever: não há área de escape adequada e nem a caixa de britas
mostrava-se suficiente para evitar algo mais violento, argumentava aos ouvidos
de mercadores, tão comum a todos os fiscais, sem excessão...
Daí
a 3 anos tive que comparecer em Santos, SP, para uma reunião de lançamento de
um produto pelo laboratório que eu representava (HMR) e lá tivemos uma palestra
motivacional com aquele que Senna chamava de Nunno, seu personal e amigo de fé.
Ainda muito abatido visivelmente, Nunno
fez de tudo para evitar entrar no mérito da questão envolvendo seu personagem
amigo mas, em dado momento, quando pegou um copo de água descartável e lhe
virou a tampa expondo a parte aluminizada interna e começou a ingerir percebeu
que nos, em sua maioria na audiência, ficamos curiosos por ele estar bebendo de
maneira que o alumínio evitasse que seus lábios tocassem a borda do copinho,
respirou fundo e ( juro que nunca mais esquecerei ) olhou sem foco e falou:
vocês querem me ouvir falando nele, não? Ok, vamos lá então...
-O
gesto de beber minha água usando a proteção higienizada como contato, aprendi
dele, como sempre da maneira mais natural e criativa;
-todos
os jornais do lugar da corrida ele lia na véspera para saber o que pensavam os
críticos e, sorrindo dizia que, à revelia do favoritismo dado aos grandes
concorrentes de então (Prost, Mansell, etc...), eles teriam que pilotar muito
para deixá-lo para traz, simplesmente porque se eles reduziriam nas curvas
Senna usaria as mesmas a seu favor, tangenciando de forma tal que a velocidade
pouco baixava e assim o tempo de tomada lhe seria sempre favorável;
-enquanto
chover era para aqueles um verdadeiro estorvo para ele servia de cenário
perfeito para desfilar seu (dele) talento.
Passados
hoje 20 anos daquele domingo de competição mirim/petiz na piscina do CNRAC,
deparo-me com um sentimento sufocante de deja vu do ídolo e dos mirins e
petizes que a vida me roubou.
0 Comentários