*Por Barbosa Nunes
A
partir de 1960, violeiros seguiam sempre em romaria à Aparecida, São Paulo,
para assistir missas. Quatro anos mais tarde, Geraldo Meireles, o
"Marechal da Música Sertaneja", propôs que passassem a se encontrar
todo ano em uma mesma data, visando instituir
o "Dia do Sertanejo". Naquela oportunidade levou a dupla
Tonico e Tinoco, para se apresentar. Desde então a data ficou registrada, como
Dia do Sertanejo. É comemorada devido ao gênero musical. Homenagens são
realizadas ao povo sertanejo anualmente em Aparecida. Leia mais
Sertanejo
é o que habita o sertão, região agreste, distante das povoações ou das terras
cultivadas, terreno longe do litoral e pouco povoada, em especial da caatinga,
onde a difícil criação de gado prevalece sobre a agricultura. Do sertanejo
disse Euclides da Cunha em "Os Sertões". "É antes de tudo um
forte". O maçom e Rei do Baião, Luiz Gonzaga, alma do nordestino, cantou:
"Eu vou falar desse povo, que não faz mal a ninguém. O sertanejo do norte
que de pau de arara vem. Desprotegido da sorte, sou pau de arara também".
Escreveu e marcou eternamente com a sua voz o hino da música nordestina:
"Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira de São João. Eu perguntei a
Deus do céu, ai, por que tamanha judiação. Que braseiro, que fornalha. Nem um
pé de plantação. Por falta d'água perdi meu gado. Morreu de sede meu alazão.
Até mesmo a asa branca, bateu asas do sertão". Gravo neste dia, minhas
homenagens ao sertanejo nordestino, falando agora do sertanejo do interior do
Brasil, do povo caipira, da área que abrange o interior de São Paulo, estados
de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás.
Este
sertanejo descrito por Monteiro Lobato como "Jeca Tatu", gerou obras
no cinema e na literatura. Sua caricatura passou a ser utilizada em anedotas e
mesmo nas histórias infantis, como o personagem "Chico Bento", de
Maurício de Souza.
Nos
tempos atuais houve uma inversão de valores. Hoje ser caipira é
"chique". Figura altamente valorizada, através do sucesso de música
de raiz, que canta as belezas da zona rural, da natureza e da vida nas
fazendas. Embora os mais modernos tenham abandonado os temas de vida na roça,
passando para as baladas de amor, vida urbana e suas tragédias.
A
economia brasileira é impulsionada pelo alto volume financeiro gerado pela música
sertaneja. Na confecção de roupas denominadas country, adquiridas e usadas
pelos jovens que frequentam em massa as danceterias em épocas das festas de
rodeio, em todas as cidades brasileiras, pequenos povoados e zona rural.
Atualmente a Festa de Peão de Boiadeiro de Barretos, em São Paulo, é o maior
evento do tipo na América Latina e um dos maiores do mundo. Soma-se os grande
shows que lotam estádios, gravadoras produzindo CDs e DVDs, com os artistas
presentes em campanhas comerciais milionárias.
Mas
tudo começou a partir da década de 1910, por compositores rurais e urbanos, com
as modas, toadas, cateretês e predomínio do som da viola.
A
música sertaneja como se conhece hoje, surgiu em 1929, a partir de gravações
feitas pelo jornalista e escritor Cornélio Pires, em época que o gênero era
conhecido como música caipira. Cornélio Pires era folclorista, conheceu a
música caipira no seu estado original, nas fazendas do interior do Estado de
São Paulo e assim a descreveu em seu livro "Conversas ao pé do Fogo":
"Sua música se caracteriza por letras românticas, por um canto triste que
comove e lembra a senzala e a tapera, mas sua dança é alegre". Escreveu
também o livro "Sambas e Cateretês", quando recolheu e registrou
letras de músicas cantadas nas fazendas do interior paulista no início do
século XX, antes de existir a música caipira comercial e gravada em discos. Sem
este livro estas composições teriam caído no esquecimento.
Entre
as duplas pioneiras estão destacadas nas gravações em disco vinil "Zico
Dias e Ferrinho", "Laureano e Soares", "Mandi e
Sorocaba" e "Mariano e Caçula", que abordaram temas ligados ao
cotidiano daquele tempo, como "A Revolução Getúlio Vargas" e "A
morte de João Pessoa", gravadas em 1930 e "A Crise" e "A
Carestia", gravadas em 1934. Os
"causos" foram a fonte de Cornélio Pires, buscados no interior
Paulista, Sul e Triângulo Mineiro, Sudeste Goiano e Matogrossense. Formou um
grupo denominado "Turma Caipira", destacando-se nessa tendência,
mesmo gravando em época posterior, Alvarenga e Ranchinho, Torres e Florêncio,
Tonico e Tinoco, Vieira e Vieirinha,
entre outros. A música raiz é guardada pelos corações saudosos, via base única
de divulgação na televisão, por Inezita Barroso, no seu programa "Viola
minha viola".
Uma
denominada segunda era, iniciada após a Segunda Guerra Mundial, destaca
Cascatinha e Inhana, Sulino e Marrueiro, Palmeira e Biá, Luizinho Limeira e
Zezinha, José Fortuna, adaptador da guarânia no Brasil, Tião Carreiro e
Pardinho, Pena Branca e Xavantinho e ao longo da década de 1970, Milionário e
José Rico, usando elementos da tradição mexicana mariachi.
Na
chamada terceira era, veio a exploração comercial massificada, com linha
romântica, quase sempre em duplas, entre as quais Trio Parada Dura, Chitãozinho
e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano, Chrystian & Ralf,
João Paulo e Daniel, Chico Rey e Paraná, João Mineiro e Marciano, Gian e
Giovani, Rick e Renner, Gilberto e Gilmar, Nalva Aguiar, Roberta Miranda e
Almir Sater, violeiro muito apreciado.
Com
certeza, dado ao número de milhares de composições sertanejas, algumas estão
por mim esquecidas, outras lembradas pelo amigo leitor e leitora. Emociono-me
ao ouvir Mágoas de Boiadeiro, Estrada da Vida, Moreninha Linda, Meu Primeiro
Amor, Romaria, Flor de Cafezal, Pingo d'água, Calix Bento, Um Violeiro Toca,
Majestade o Sabiá, Saudade de Minha Terra, Rio de Lágrimas, Fio de Cabelo,
Pense em Mim, É o Amor, Chalana, India, Boi Soberano, Cana Verde, Chico
Mineiro, Ferreirinha, Menino da Porteira, Pagode em Brasília, Moda da Mula
Preta, Marvada Pinga, Luar do Sertão, Tristeza do Jeca, Beijinho Doce, Boate
Azul, As Andorinhas, Cabelo Loiro, 60 Dias Apaixonado, Baile na Roça, Cabecinha
no Ombro, Sorriso Mudo, Boneca Cobiçada, Colcha de Retalhos, Ainda Ontem Chorei
de Saudade, Franguinho na Panela, Telefone Mudo. Estas e tantas outras estão no coração, na
alma do brasileiro e em todas as festas simples, comuns, chiques e boates de
alto luxo.
Em
conclusão, registro a dupla mais avançada, mais moderna, introdutora da
guitarra no gênero sertanejo, revolucionária com os seus cabelos longos, que
causou espanto. Ponto de passagem para um novo estilo na música sertaneja, Léo
Canhoto e Robertinho. O primeiro de São Paulo e o segundo goiano de Água Limpa.
Léo Canhoto, poeta, grande compositor, produziu uma página cristã, imorredoura
e que conclama o homem para uma meditação muito séria. Música sempre presente
nas igrejas e nas missas sertanejas: "O último julgamento".
“Senta
aqui neste banco, Pertinho de mim Vamos conversar. Será que você tem coragem,
De olhar nos meus olhos, E me encarar. Agora chegou sua hora, Chegou sua vez,
Você vai me pagar. Eu sou a própria verdade, Chegou o momento, Eu vou te julgar.
Pedi pra você não matar, Nem pra roubar, Roubou e matou. Pedi pra você
agasalhar, A quem tinha frio, Você não agasalhou. Pedi pra você não levantar
falso Testemunho, Você levantou. A vida de muitos coitados você Destruiu, Você
arrasou.
Meu
pai te deu inteligência, Para salvar vidas, Você não salvou. Em vez de curar os
enfermos, Armas nucleares você fabricou, Usando sua capacidade. Você destruiu,
você se condenou, A sua ganância foi tanta, Que a você mesmo você exterminou. O
avião que você inventou, Foi para levar paz e a esperança, Não pra matar seu
irmão, E nem para jogar bomba nas Minhas crianças.
Foi
você que causou essa guerra, Destruiu a terra de seus ancestrais. Você é
chamado de homem, Mas é o pior dos animais. Agora que está, Acabado pra sempre,
Vou ver se você é culpado, Ou inocente. Você é um monstro, Covarde e profano, É
um grão de areia, Frente ao oceano. Se o ouro falou alto, Você tudo comprou,
Pisou nos mandamentos, Que a lei santa ensinou. A mim você não compra, Com o
dinheiro seu, Eu sou Jesus Cristo, o filho de Deus.”
*Barbosa
Nunes, advogado, ex-radialista, membro da AGI, delegado de polícia aposentado,
professor e maçom do Grande Oriente do Brasil -barbosanunes@terra.com.br.
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