Leon Tolstoi e a maçonaria

*Por Ir.'. Hélio Moreira
Hélio Júnior, meu filho, falou-me neste final de semana de um livro que ele está lendo (Tolstoi - A Fuga do Paraíso, Pável Bassínsky) no qual o autor fala dos últimos tempos de vida de Leon Tolstoi; chamou a atenção de Hélio Júnior uma “crise de misticismo” enfrentada por aquele que foi um dos grandes mestres da literatura russa do século XIX.
Aqui na tranquila Santa Tereza, lembrei-me de um dos capítulos de “Guerra e Paz” que ficou gravado nas minhas reminiscências, voltei a folhear aquele livro e encontrei o trecho a que estou me referindo, transcrevo, resumidamente, os acontecimentos vividos por um dos personagens do citado livro (Conde Pedro Bezukhov). Leia mais

Segundo o enredo, o Conde Pedro, em viagem de Moscou para San Petersburgo, parou em uma hospedaria de beira de estrada, onde conheceu outro viajante (Ossip Alexievitch) que ali estava hospedado; observou, também  que aquele ostentava um anel que tinha um símbolo estranho e lia um livro que, a Pedro, parecia ser sobre religião; entabularam conversação, iniciada pelo viajante:
Tenho o prazer de falar com o Conde Bezukhov? Ouvi falar no senhor! Gostaria de auxiliá-lo.
O senhor pertence a alguma religião? Perguntou Pedro.
Sim pertenço à comunidade dos pedreiros livres, e em meu nome e no deles, estendo-lhe minha mão fraterna.
Depois de muito conversarem, principalmente sobre a presença de Deus em todas as coisas, o viajante disse: - “Não ousaria, nunca afirmar que conheço a verdade, um individuo só pode alcançar a verdade com a participação de todos, pelo trabalho de milhões de gerações, desde o antepassado Adão até nossos dias, é pedra por pedra que se constrói o templo do Todo Poderoso.”
Na despedida, Ossip lhe disse: - “Nossa Ordem pode dar-lhe ajuda em Petersburgo, entregue este bilhete ao Conde Villarsky, quando o encontrar.”
Uma semana após a sua chegada a Petersburgo, o jovem Conde polonês Villarsky, que Pedro já conhecia de vista, por tê-lo encontrado na sociedade, veio visitá-lo e após fechar a porta, falou-lhe:
“Conde, vim procurá-lo com uma missão e uma proposta, uma pessoa altamente colocada na irmandade quer que o senhor seja recebido em nossa Ordem e pede-me que eu me responda pelo senhor”. - “Deseja o senhor entrar na Irmandade dos livres sob minha responsabilidade?”
Sim, desejo!
Mais uma pergunta, da qual preciso de absoluta franqueza, não como pretendente à Ordem, mas como cavalheiro: - “Crê em Deus?”
Sim... Sim.. creio em Deus!
Neste caso podemos ir; durante todo o percurso Villarsky permaneceu calado; entraram em uma casa e subiram por uma escada sombria, entraram em um vestíbulo e dai para outra sala, um homem estranhamente vestido vigiava a porta de entrada; com um lenço vendaram-lhe a visão, em seguida Villarsky abraçou-o e o conduziu para outro lugar, após 10 passos, pararam e ele ouviu:
“Aconteça o que acontecer, se você está firmemente decidido a entrar para nossa corporação, deve suportar tudo com coragem; quando ouvir baterem a porta, tire a venda dos olhos; coragem e felicidades”, disse Villarsky, apertando-lhe a mão; Pedro ficou sozinho, por duas vezes levou a mão aos olhos como se quisesse desvendá-los. Desistiu.
Sentia medo e curiosidade pelo  que estava para lhe acontecer e pelo  que lhe seria revelado, mas sentia-se ainda mais alegre por ter, finalmente, chegado o momento de entrar no caminho da renovação da vida ativa, virtuosa, com a qual não cessava de sonhar desde seu encontro com Ossip Alexievixch.
Fortes pancadas se fizeram ouvir na porta, Pedro tirou a venda e olhou em volta de si, a peça estava escura, havia apenas um ponto luminoso colocado sobre uma mesa, havia ali, também um livro aberto. Era o Evangelho, no qual  Pedro leu: - “No começo era o verbo e o verbo estava com Deus!”
A porta se abriu, entrou um homem de avental, aproximou-se e perguntou a Pedro: - “Por que estás aqui? O que quer de nós? A sabedoria? A virtude? A luz?” Aproximando-se do encarregado da cerimônia, Pedro o reconheceu e disse: -“Eu quero a renovação! Você tem ideia dos meios pelos quais nossa Ordem poderá ajudá-lo a atingir essa finalidade? Que ideia você faz da Ordem dos pedreiros livres?” – “acho”, respondeu Pedro, “que é a fraternidade e a igualdade dos homens, com uma finalidade virtuosa.”
Logo em seguida Villarsky veio buscá-lo, voltou a vedar-lhe os olhos, descobriu-lhe o peito e encostou ali a lamina de uma espada, depois caminharam por corredores, num andar desigual, um pé calçado e outro descalço, caminhando para frente e para trás, até chegar à uma porta; após permissão, adentrou, depois de ouvir várias preleções, puseram-lhe um avental, igual ao que os outros homens usavam, mandaram-lhe segurar uma pá e três pares de luvas, em seguida aquele que comandava a cerimônia lhe disse:
“Esforce-se para não macular a brancura deste avental, use a pá para trabalhar na purificação de sua alma, quanto aos pares de luvas, use-as nas nossas assembleias, sendo que uma delas, você deve dar a mulher que mais respeita, a que escolher como sua digna companheira.
Antes de encerrar a cerimônia, o Comandante da sessão lhe disse:
“Em nossos templos, não conhecemos outros graus salvo os que estão entre o vicio e a virtude. Cuida em não criar uma diferença que possa perturbar a igualdade. Socorre aos irmãos, quaisquer que eles sejam. Levanta o que cair e não alimenta jamais algum sentimento de cólera ou de ódio contra um irmão. Sê benevolente e afável; provoca em todos os corações o fogo da virtude. Divide tua felicidade com o teu próximo e que a inveja não perturbe, jamais, esse prazer puro. Perdoa o teu inimigo; não te vingues nunca, a não ser refazendo o bem. Cumprindo assim a lei suprema, encontrará os traços da grandeza antiga que tinhas perdido.”
Como alguns leitores podem perceber, Tolstoi coloca na boca destes seus personagens uma possível cerimônia maçônica, no entanto, até quanto tem sido investigado, ele não era maçom, constando inclusive, que ele teria sido excomungado pela Igreja Ortodoxa russa por ser ateu, o que lhe impediria de ser membro desta Instituição, pois é lei pétrea da Ordem: - “Um maçom nunca será um ateu estúpido, tampouco um libertino religioso, deve acreditar em Deus e na imortalidade da alma.”
Alguns historiadores lembram que na época em que Tolstoi escreveu este romance (iniciado em 1805) a maçonaria atraia a atenção e a curiosidade de muitos intelectuais na Rússia, portanto...
Uma outra possível explicação para ele ter conseguido estes diálogos que colocou no texto que, embora de maneira imprecisa, lembram bastante uma solenidade maçônica de antigamente, nos leva à história da maçonaria na Rússia daquela época, quando, em 1822, o Czar Alexandre I teria mandado a polícia fechar e confiscar todos os documentos da Instituição; por ser pessoa influente (era conde) ele teria tido acesso a esta documentação?
De qualquer maneira, a Ordem dá mostras, mais uma vez, da sua força; estar inserida, embora palidamente, no contexto da monumental obra literária de Leon Tolstoi – Guerra e Paz – é motivo de muito orgulho!
*Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro da Loja Maçônica Asilo da Acácia e Conselheiro Federal do Grande Oriente do Brasil.

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