*Por Barbosa Nunes
No dia 30 de janeiro é comemorado o dia da saudade. Esta palavra existe apenas na língua portuguesa. Diz a lenda que o termo foi criado na época dos descobrimentos portugueses e do Brasil Colônia, pela solidão numa terra estranha, longe dos entes queridos. Provem do latim solidão, advindo de “solitude” e “saudar”, onde quem sofre é o que fica a esperar o retorno de quem partiu, e não o indivíduo que se foi. O vocábulo está ligado à tradição marítima lusitana.
Em outras línguas não existe uma palavra capaz de traduzir o significado amplo de saudade, mas em algumas, há conceitos próximos, mas não tão nobres como em português. Em inglês, saudade é “I miss you”, que quer dizer “sinto sua falta”; em francês “souvenir”, que significa “lembrança”; Em italiano “Ricordoaffetuoso”, que é “recordação afetuosa”; em espanhol “recuerdo”, ou “te extrañomucho”, que significam “lembrança” e “sinto falta”. Ao longo da história, vamos percebendo e vivendo a saudade por onde estamos, por onde passamos, nas músicas, nos poemas, nos encontros familiares, tudo desde longos anos e durante nossa vida. Leia mais
Eis a saudade de Gonçalves Dias que há mais de um século escreveu: “Canção do Exílio”: “Minha terra tem palmeiras, onde canta o Sabiá”. As aves, que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas. Nossas várzeas tem mais flores. Nossos bosques tem mais vida, nossa vida mais amores”...
Cassimiro de Abreu e a saudade da infância: “Oh! Que saudades que eu tenho da aurora da minha vida. Da minha infância querida, que os anos não trazem mais”.
Sérgio Bittencourt compôs e Nelson Gonçalves cantou: “Naquela mesa ele sentava sempre. E me dizia sempre o que é viver melhor. Naquela mesa ele contava histórias, que hoje na memória eu guardo e sei de cor. Eu não sabia que doía tanto. Essa dor tão doída, não doía assim. Naquela mesa tá faltando ele. E a saudade dele tá doendo em mim”.
Maria Bethânia interpreta de Ermínio Gimenez, “Meu primeiro amor”: “Saudade palavra triste, quando se perde um grande amor. Na estrada longa da vida eu vou chorando a minha dor. Igual uma borboleta vagando triste por sobre a flor”.
A música sertaneja de raiz retrata muito a saudade do homem que foi forçado a deixar o campo para trabalhar na cidade, com esta letra cantada por Chitãozinho e Xororó: “Por Nossa Senhora, meu sertão querido, vivo arrependido por ter te deixado, esta nova vida aqui na cidade, de tanta saudade eu tenho chorado”.
Luiz Gonzaga escreveu e cantou o xote “Que nem jiló”: “Ai quem me dera voltar. Pros braços do meu xodó, Saudade assim faz doer. Amarga que nem jiló”.
Geraldo Azevedo escreveu e interpretou com o coração “Ai que saudade D’ocê”: “Não se admire se um dia, um beija-flor invadir, a porta da sua casa, te der um beijo e partir. Fui eu que mandei o beijo, que é pra matar meu desejo, faz tempo que eu não te vejo, ai que saudade de ocê”.
“A saudade é dor pungente, morena. A dor mata a gente, morena”. (Braguinha e Antônio Almeida).
“Tô com saudade de tu, meu desejo. To com saudade do beijo e do mel. Do teu olhar carinhoso, do teu abraço gostoso”. (Dominguinhos e Nando Cordel). Deles também: “Estou de volta pro meu aconchego, trazendo na mala bastante saudade”.
Dalva de Oliveira: “Saudade, mal de amor, de amor... Saudade, dor que dói demais... Vem meu amor! Bandeira branca, eu peço paz”.
Chico Buarque de Holanda escreveu e canta em “Pedaço de mim”: “Oh, pedaço de mim. Oh, metade arrancada de mim. Levo vulto teu que a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Comemorem o dia 30 de janeiro com todas as emoções de uma saudade, mas com uma advertência minha, contida na estrofe que recebi do renomado médico e maçom, doutor Valdeci, coordenador de Maçonaria a Favor da Vida, em Teresina, quando lá estive proferindo palestra: “Quem quiser plantar saudade, escalde bem a semente e plante em terra seca, em dia de sol bem quente, pois se plantar no molhado, ela nasce e mata a gente”.
Mas a definição, perfeita, que me emocionou ao ponto de minhas lágrimas caírem, foi a do médico oncologista, de Recife, Rogério Brandão, que produziu uma das mais emocionantes páginas que li na minha vida, intitulada “Saudade, o amor que fica”, da qual retiro alguns parágrafos, recomendando que seja lido em sua íntegra, com seu coração aberto:
”Médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos, de atuação profissional, com toda vivência e experiência que o exercício da medicina nos traz, posso afirmar que cresci e me modifiquei com os dramas vivenciados pelos meus pacientes.
No início da minha vida profissional, senti-me atraído em tratar crianças, me entusiasmei com a oncologia infantil. Tinha, e tenho ainda hoje, um carinho muito grande por crianças. Elas nos enternecem e nos surpreendem como suas maneiras simples e diretas de ver o mundo, sem meias verdades.
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional. Nesse hospital, comecei a frequentar a enfermaria infantil, e a me apaixonar pela oncopediatria. Mas também comecei a vivenciar os dramas dos meus pacientes, particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes desta terrível doença que é o câncer.
Um dia, cheguei ao hospital de manhã cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. E comecei a ouvir uma resposta que ainda hoje não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
Meu anjo respondeu:-Tio, disse-me ela, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade de mim. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
Indaguei:- E o que a morte representa para você, minha querida?
- Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama dos nossos pais, e, no outro dia acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama, não é?
- É isso mesmo, e então?- perguntei.
-Vou explicar o que acontece, continuou ela: quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?
- É isso mesmo querida, você é muito esperta!
- Olha tio, eu não nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei "entupigaitado". Boquiaberto, não sabia o que dizer. Chocado com o pensamento deste anjinho, com a maturidade que o sofrimento acelerou, com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem ação.
- E minha mãe vai ficar com muitas saudades minha, emendou ela.
Emocionado, travado na garganta, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei ao meu anjo: - E o que a saudade significa para você, minha querida?
- Não sabe não, tio? Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um dar uma definição melhor, mais direta e mais simples para a palavra saudade: é o amor que fica!”
Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Hoje, quando a noite chega e o céu está limpo, vejo uma linda estrela a quem chamo "meu anjo", que brilha e resplandece no céu. Imagino ser ela, fulgurante em sua nova e eterna casa. Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que ensinastes, pela ajuda que me destes. Que bom que existe saudades! O amor que ficou é eterno!!!
*Barbosa Nunes, é Grão-Mestre Geral Adjunto do Grande Oriente do Brasil)
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