O Grande Vigilante

Por Barbosa Nunes
Tenho na minha memória um baú de reminiscência que, com muito cuidado e de quando em quando, abro para recordar e buscar lembranças. Desta vez para produzir este artigo e me veio o cantar do galo que povoou a minha infância e adolescência no querido "Cerradinho", onde nasci no não menos amado município de Itauçu, cidade da Pedra Grande. Um galo cantava e o outro respondia e assim ia se formando uma corrente de cantos madrugada afora.
A maioria das crianças de hoje não ouve canto de galo, às vezes na televisão. O próprio número de galos diminuiu em função de uma zona rural menos povoada.  Poucas são as casas que ainda mantem, mesmo distantes dos locais mais habitados de uma cidade grande, algum galo no terreiro.
No Piauí há uma cidade chamada Jaicós, a 352 quilômetros de Teresina, que ostenta um galo na torre de sua principal igreja, município conhecido como "a terra do galo".
Esta ave que o seu cantar me traz muita saudade, é um gerador de esperança, seu canto marca a hora sagrada do alvorecer, do triunfo da luz sobre as trevas.
Ao ser iniciado na Ordem Maçônica, a primeira figura vista por mim em local de meditação, foi a de um galo, simbolizando uma nova existência minha, um renascimento que simbolizou a vigilância que eu deveria desempenhar na sociedade. Leia mais

A poetisa Francisca Júlia, que viveu de 1871 a 1920, com rápido prestígio literário, produziu um poema infantil intitulado "O galo", descrito como se fosse o meu que guardo na memória:
"Passo lento, olhar profundo, valente, brioso e grave. O galo é a mais linda ave dentre todas que há no mundo. Um pé adiante, outro atrás, bico aberto, o galo canta; Tem a glória na garganta e nas esporas que traz. O galo é sempre o primeiro a anunciar as auroras. Repara bem: tem esporas e é por isso cavaleiro. Coroa tem e de lei, coroa em forma de crista. Que ganhou numa conquista, por isso julga-se rei.
Pendentes até o peito, vermelhas, grandes e belas, tem barbas que são barbelas, que lhe dão muito respeito. Com que delicado amor ele defende acarinha, ora o pintinho, ora a galinha com seu gesto protetor.  De cabeça levantada, altivo sobre o poleiro, ele é o rei do galinheiro e o cantor da madrugada. Vive em todo sob a lei e ordens que o galo decreta: Soldado, músico e poeta, pastor, cavaleiro e rei!” 
Na pesquisa do maçom Roberto Lico, da Loja “Colunas em Progresso”, da cidade de Guaratinguetá-São Paulo, e demais buscas que fiz a respeito da origem do galo, encontrei que ele apareceu no sul da Europa, por volta dos séculos VI e V a. C, provavelmente trazido pelas guerras dos persas que o introduziu no Continente Europeu.
O galo em diferentes países do planeta é celestial, simbolizando a entrada do novo dia após um período de trevas. No Japão, a tradição mitológica diz que se deve a um galo o sol que brilha no país. Na tradição cristã, o galo simboliza a nova luz, missa da meia-noite, tradição substituída pela festa cristã do nascimento de Cristo, como renascimento de esperança para a humanidade e a morte da ignorância espiritual.
Nos países latinos, a tradição popular adotou o nome desta missa da meia-noite, de "Missa do Galo". Para celebrar o nascimento de Jesus, a missa do galo foi instituída no século V, rezada à meia-noite do dia 24 de dezembro, nome que segundo o Monsenhor José Roberto Rodrigues Devellard, teve origem no fato de Jesus ser considerado o sol nascente que veio nos visitar, clareando a escuridão. Também é afirmado de ter recebido este nome pelo fato de que na hora da celebração da Eucaristia, um galo cantou fortemente anunciando a vinda do Messias. Outra origem da expressão é o fato de a Missa do Natal terminar muito tarde e na época, quando as pessoas voltavam para casa os galos já estavam cantando.
Na tradição cigana, o galo é recebido como aquele que canta o raiar de um novo dia, de uma nova vida e de uma nova esperança. Na tradição chinesa, está associado ao calor, luz e vida do universo. Na França, é símbolo histórico e aparece nas cotas de armas da República Francesa e em algumas aldeias portuguesas e espanholas era costume levar o galo para a igreja para que ele cantasse durante a missa, pois quando assim acontecia era prenúncio de boas colheitas e entre os gregos antigos, seus atributos eram admitidos semelhantes aos do Deus Apóstolo.
O cantar do galo revigora o espírito humano. O galo simboliza a pureza e representa o princípio da inteligência e da sabedoria, pois recebeu da natureza a missão de anunciar o alvorecer, o que faz com precisão, sendo considerado o anunciador de um novo dia, despertando forças adormecidas. É visto com a missão de vigiar e o faz com perseverança.
Na maçonaria é o grande vigilante como símbolo para o maçom ser na sociedade o vigilante severo e constante do papel que deve desempenhar na sociedade, sobretudo na luta pelo bem, contra os desvios dos princípios da ética. Hoje sem dúvida nenhuma, o galo canta para o despertar em favor de um país que cultue a moralidade e combata a desvairada corrupção existente.
Nos Evangelhos, a expressão "Canto do Galo", tem os seguintes relatos a começar por "Mateus 26. 34". "Disse-lhe Jesus. Em verdade te digo que nesta noite, antes do galo cantar três vezes me negarás". Em "Marcos 14. 30", "Ele diz Jesus. Em verdade te digo que tu, hoje, nesta noite, antes de duas vezes o galo cantar, três vezes me negarás.” "Lucas 22. 34", "Mas ele disse: Digo-te, Pedro, não cantará hoje o galo até que três vezes negues me conhecer" e finalmente em "João 13. 38", "Respondeu Jesus: A tua vida por mim darás? Em verdade, em verdade te digo, de modo nenhum o galo cantará até que negarás a mim três vezes".
Este é o galo do meu baú, da maçonaria, do catolicismo, da missa do galo, da ave ousada valente, símbolo da vigilância, fidelidade e abençoada por ser a primeira a ver os raios e reverenciar o sol nascente, louvando o nascimento que deve ocorrer no interior de cada um de nós.  Devemos ter um galo a cantar em nossas consciências quando estivermos fraquejando em nosso comportamento, compromisso, deixando de fazer progressos em nossas caminhadas.

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