O maior fotógrafo vivo da atualidade não se contém em retratar as facetas da vida. Ele age para transformar a realidade.
*PorRogério Sottili - Carta Capital
Conheci Sebastião Salgado pessoalmente
em 1996. Havia visto o seu trabalho pela primeira vez em 1994, no livro Os
Trabalhadores, e me surpreendia ao perceber como ele conseguia fotografar um
formigueiro humano nas minas de Carajás deixando entrever, antes de tudo, a
condição humana.
Na época em que o conheci, apresentado
por um amigo comum, ele precisava de ajuda para fotografar os acampamentos e
assentamentos do MST. Fiz a ponte e, dias depois, lá estava Sebastião Salgado
registrando a maior ocupação de terra do País, quando 12 mil Sem-Terra entraram
na Fazenda Giacometti, uma área improdutiva no Paraná. Leia mais
Do encontro improvável nasceu uma
amizade leal e a admiração irrestrita por esta pessoa que, com quase 70 anos,
faz da fotografia seu instrumento de luta, de intervenção política, de denúncia
e de garantia dos direitos humanos de comunidades mundo afora. Esta sempre foi
sua força motriz durante os projetos Terra, Êxodos e, nos últimos 12 anos, em
seu trabalho mais recente, Gênesis, que agora pode ser admirado pela população
de São Paulo na exposição em cartaz no Sesc Belenzinho, até o dia 1º de
dezembro.
Desde que descobriu, no princípio dos
anos 2000, um estudo da ONG Conservation International afirmando que 46% do
planeta ainda são territórios inexplorados, Sebastião Salgado aventurou-se em
alguns dos lugares mais inóspitos da Terra: vagou entre os pastores de rena da
Sibéria; misturou-se em comunidades tribais da Etiópia e aos índios Zo’è,
isolados nas profundezas da Amazônia paraense; registrou a biodiversidade de
Madagascar e o santuário de Galápagos. Lugares habitados por vidas humanas,
animais e paisagens que sofreram pouca ou nenhuma intervenção do nosso modo de
vida. Verdadeiras fronteiras vivas do passado, elos perdidos da natureza.
Salgado traz para os nossos olhos alguns dos ambientes mais próximos aos
encantadores mistérios da gênese de nosso mundo.
A esperança é o fio condutor da
fotografia de Sebastião Salgado, unindo e dando coesão a toda sua obra, mesmo
diante das mais absurdas condições humanas.
No processo de Gênesis não é diferente.
Salgado novamente nos oferece sua
experiência pessoal e a esperança renovada sob a forma de um planeta ainda
intocado, puro e soberano. Mas, para além do que registra suas lentes, por onde
Sebastião Salgado passa ele deixa sua marca, sua intervenção transformadora
estética e também política.
Em Gênesis, por exemplo, após vários
dias na comunidade indígena dos Zo’é fotografando uma gente que resiste à
intervenção da cultura predominante, Salgado percebeu existirem graves
violações de direitos humanos. Imediatamente, alertou sobre os riscos que
corria aquele grupo de índios; denunciou uma empresa britânica, exploradora de
minérios, que poluía os rios da reserva; e insistiu com sua rede de contatos
sobre a necessidade de reconhecimento das terras dos Zo’é.
Como resultado do ativismo social de
Sebastião Salgado, no dia 21 de dezembro daquele mesmo ano de 2009, o então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto que homologou a
demarcação administrativa da Terra Indígena Zo’é, localizada no município de
Óbidos, no estado do Pará. Atualmente, Salgado faz semelhante luta em prol da
comunidade indígena Awá, no Maranhão, ameaçada pela ação de madeireiros e
grileiros.
Sebastião Salgado, talvez o maior
fotógrafo vivo de na atualidade, não se contém em retratar com brilhantismo
único as facetas da vida em nosso planeta. Ele vai além: age para transformar a
realidade do mundo. Uma emocionante lição de humanismo. A verdadeira gênese de
sua vida e obra.
*Rogério Sottili, mestre em História
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é secretário de Direitos
Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo
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