O que diria Castro Alves hoje

Por Barbosa Nunes*
Barbosa Nunes
Fico triste quando pessoas que receberam educação, cultura, famílias que orientaram bem, mas pelo interesse material e pessoal, criaram um mundo a partir da realidade cega do desejo, de levar vantagem em tudo, esquecendo-se e não zelando pelo maior dos patrimônios, que é a imagem e a honra. Muito triste quando pessoas defensoras da ética, pregadores do bom caminho, tem um lado desconhecido e escondido e quando a verdade vem, decepcionam os que acreditavam nelas.
Na linguagem popular “um dia a casa cai” e os fatos escondidos não se sustentam. Fica parecendo que não há conserto do ser humano, especialmente nos últimos tempos, em que os escândalos vão se sucedendo e continuam nos bastidores em novas práticas. A escravidão aprisiona materialmente o homem e ele perde a noção e o limite, conduzindo-nos de que falsa é a impressão de que os escravos foram totalmente libertos. Leia mais

O vocábulo “escravo” vem do latim “sclavu”, pessoa que é propriedade de outra. A escravidão aumentou entre os homens. É a chamada “escravidão moderna”. As pessoas possuem conforto, tecnologia e “liberdade”, mas estão escravizadas pela ganância, pelo poder, pelo dinheiro, por altos cargos políticos, sociais, empresariais e vão se envolvendo numa roda viva, tornando-se escravos dos desejos também carnais, campo fortificado pela indústria do poder, dinheiro, comportamentos passionais, traições, envolvimentos perigosíssimos com consequências no mundo do crime.
Nomes são expostos nas manchetes, processos, prisões, desmoralização na imprensa e redes sociais, motivos de piadas. Quando ocupantes de cargos políticos, perdem o conceito entre os seus apoiadores e de cabeça baixa pedem que respeitem as suas famílias, quando às escondidas não se respeitaram.
É o mais recente e tragicômico, não fosse muito triste, de cidadãos de excelente criação, homens de fé e de conceito, que não se vigiaram e pela ganância foram seduzidos pela beleza de uma mulher, que com seus olhos verdes, com o olhar de cobra os atraíram como uma sereia. Tão forte foi o seu magnetismo, que um homem público de Goiás afirmou:
“Tirando as mulheres, qualquer um de nós aqui cairia nos braços dessa moça”. Infeliz declaração generalizadora com relação aos seus pares, oficializando a infidelidade e desrespeitosa para com as suas legítimas companheiras, mães dos seus filhos.
A escravidão moderna domina os cidadãos e cidadãs de prestígio, tornando-os corruptos e corruptores e submete o homem comum ao sofrimento de estar preso em casa, quando o bandido está solto na rua, doente sem condições de pagar um plano de saúde, sem ter um veículo, conduzido em gaiolas apertadíssimas. Esta é a escravidão moderna, que existe e não podemos ignorá-la. Sem falar nas milhões de pessoas forçadas ao trabalho escravo, inclusive crianças. Escravos dos bancos e dos empréstimos consignados, escravos dos impostos, juventude escrava das grandes festas como Rock In Rio e do uso de drogas, da roupa de marca, do celular, do computador, escravidão que isola cada vez mais nossa sociedade. Segundo a National Geographic, há mais escravos hoje do que o total de escravos que fizeram parte do tráfico transatlântico.
Castro Alves
Feito este introito, chego a Antônio Frederico de Castro Alves, último grande poeta da terceira geração romântica no Brasil, que expressou em suas poesias a indignação aos problemas sociais, denunciando a crueldade da escravidão, clamando pela liberdade, embora também tenha sido poeta do amor que descreveu a beleza do corpo da mulher. É patrono da cadeira n° 7 da Academia Brasileira de Letras.
Nasceu na Vila Curralinho, hoje cidade Castro Alves, no Estado da Bahia. Vida rápida e marcante, entre 1847 e 1871, portanto veio a falecer com 24 anos, após ter o pé amputado, vítima de tuberculose. Um dos maiores nomes da literatura brasileira em todos os tempos. Poeta dos Escravos, do Povo, da Liberdade, seu tema sempre foi Amor à Liberdade. “Navio Negreiro”, um dos poemas mais significativos do romantismo brasileiro, explicita e denuncia os horrores da escravidão, luta pela sua abolição, concluído em 1868. Quase 20 anos depois, portanto, da promulgação da Lei Eusébio de Queirós,que proibiu o tráfico de escravos e não vingando, Castro Alves se empenhou na indignação pela miséria a que eram submetidos os africanos na cruel travessia oceânica.
Autor da poesia social foi a voz mais firme na defesa da raça negra e de sua libertação do cativeiro. Faleceu com apenas um livro publicado  Espumas Flutuantes. Foi homenageado, entre inúmeros eventos e locais, com o dia 14 de março, data do seu nascimento, transformada em Dia Nacional da Poesia.
Decorridos tantos anos, estamos diante de uma nova relação de escravismo, com novas regras, mas que se enquadram dentro da definição clássica do termo, mediante as inúmeras dificuldades a que estamos submetidos pela prática da corrupção desenfreada, pela injustiça social e pelo desejo de mudanças, que não veem e como disse no meu último artigo, continuaremos a esperar.

Pergunto a mim: “O que diria Castro Alves hoje” sobre a escravidão moderna? Penso que os mesmos versos contidos no poema “Navio Negreiro”:

“Dizei-me vós, Senhor Deus ! Se é loucura... Se é verdade, Tanto horror perante os céus?

Ó mar, por que não apagas Co’a esponja de suas vagas, De teu manto este borrão?

Dizei-me vós, Senhor Deus, Se eu deliro, ou se é verdade tanto horror perante os céus.”

Penso que Castro Alves sobre a corrupção brasileira assim se expressaria com a indignação e com a voz de todos nós neste momento. Sendo coadjuvado por Rui Barbosa que com ele se somou em 1866, na fundação da “Instituição Libertária”, maçom que pronunciou no discurso aos moços a frase histórica: “De tanto ver  crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto.”


*Barbosa Nunes é Grão-Mestre Geral Adjunto do Grande Oriente do Brasil

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