Evoluímos até chegar à condição de VBDs: vítimas da burrice disseminada
Por Edival Lourenço
A impressão mais remota que se tem do
Brasil está na Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel, de Portugal,
sobre o achamento do Brasil, na lapidar sentença: Em se plantando tudo dá. Ou
numa linguagem mais antiga: Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo. Ou ainda
na escrita fonética daquele tempo: “Querendoa aproueitar darsea neela tudo”.
Desde o descobrimento, não tem pra
ninguém. O Brasil é o campeão de potencialidades. Terras férteis, clima
propício, distribuição de água, regularidade das chuvas, produtos vegetais e
minerais em abundância, ausência de intempéries, geografia favorável e tudo de
bom. Mais recentemente, uma população ordeira e idioma único.
No entanto, com toda essa vantagem
competitiva, chegamos ao início do terceiro milênio em desvantagem em relação a
nações potencialmente mais fracas do que nós. Dos velhos equívocos, trouxemos
debaixo do braço uma agenda de problemas que remontam ao século 19. Ainda
estamos querendo ser os maiores em produção de commodities, como saudosistas
dos ciclos econômicos do pau-brasil, da cana-de-açúcar, do ouro, do café, do
cacau ou da borracha de seringueira. Como fosse uma nação que avançasse pelo
avesso e ficasse embaraçada em suas cedilhas, serifas e ésses. Leia mais
Exemplo quentinho é a recente manchete
de quase todos os jornais: “Brasil cai 8 posições em ranking de países mais
competitivos”. Fica em 56º lugar entre 148 países pesquisados, atrás da China,
Chile e Cingapura, só para ficarmos na letra C. Para um país que pretende se
firmar como a 5ª maior economia do mundo, está havendo muito aquecimento
inútil, muito peso de arrasto, muito vazamento na máquina: um desperdício
generalizado. Não podemos esquecer que os recursos naturais exaurem e no lugar
deles fica a miséria: o buraco da nossa ineficiência.
Vejamos alguns exemplos de como o Brasil
tem avançado pelo avesso, ou no mínimo aplicando o subsequente antes do
precedente. A comunicação via rádio se disseminou em nosso país muito antes que
houvesse a universalização do ensino primário. Se não havia nem ensino primário
era também impensável a disseminação da leitura. Ou seja, a comunicação oral,
via rádio, que deveria vir depois da disseminação da Leitura (pelo menos foi
isso que aconteceu nos países que alcançaram melhor desenvolvimento) aqui
aconteceu exatamente o contrário.
Não satisfeitos com essa atrapalhada, a
televisão também chegou ao país e pegou como coqueluche. O ensino primário
ainda estava longe de chegar para todos. Passamos da comunicação oral para a
comunicação audiovisual, sem conhecer aquela que deveria anteceder a todas: a
comunicação escrita e lida. Assim, a leitura se encaminhou para o final do
século passado como sendo um tabu ou uma ojeriza.
Só nos últimos anos do século passado o
ensino primário foi universalizado formalmente. Formalmente, bem entendido.
Porque a escola, ainda que precariamente, chegara a quase todos os rincões, mas
o aprendizado não. Nossa pedagogia, eivada de ideologias, ignorâncias e pelo
ambiente hostil da inversão da ordem das coisas, tem tido muita dificuldade em
iniciar as novas gerações na habilidade de ler e escrever.
Pois bem. A televisão foi disseminada a
tal ponto que não há uma casa neste país que seja tão pobre que não tenha uma
televisão. Já o livro é um objeto extremamente escasso. Até em casa de classe
média os livros que existem são desviados para peças de decoração. Pode haver
livro, mas não há efetivamente leitura. E, quando se lê, é autoajuda ou manual
de instalação. Quando muito. O hábito da leitura lamentavelmente ainda não
conseguiu inserir-se no cardápio dos valores da nação brasileira. Com isso a
televisão faz a cabeça da sociedade com seus noticiários de crimes e suas
novelas de tramas maquiavélicas. Grande parcela da sociedade que não tem sequer
formação primária, mais os analfabetos funcionais, não têm o discernimento para
assimilar de forma positiva a linguagem da televisão, que só mostra crimes nos
noticiários e tramas sórdidas nos novelões. Não há a capacidade de entender o
“contrario sensu” desses conteúdos televisivos. Método pelo qual se mostra o
lado ruim das coisas e o telespectador, confrontando aquilo com a experiência
de vida e seu repertório de valores, tiraria suas conclusões edificantes, para
fortalecer o seu caráter de pessoa de bem.
Assim, nesse ambiente de coisas
historicamente invertidas, a maioria das pessoas toma o torto como certo, o
desvio como padrão e chegamos a essa sociedade dominada pela corrupção, pela
estupidez e pelo crime imiscuindo-se em todos os seus meandros: do populacho à
fina flor. Finalmente chegou a telemática, com toda a parafernália da
informação digital. É claro que isso traz avanços para os mais esclarecidos.
Mas as VBDs (vítimas da burrice disseminada) agora vão ter sua ignorância
informatizada e suas estultices espalhadas pelas redes sociais. Podem até usar
a rede para marcar duelos de gangues disfarçadas de torcidas ou programar
passeatas monumentais para impedir o aumento de R$ 0,20 no passe de ônibus, enquanto
o nosso sistema, todo corrompido, surripia o país.
Hoje existe um grande incentivo e
facilidades para que um jovem tenha acesso à cerveja, a um bar. E toda
dificuldade para que ela tenha acesso a um livro, a uma biblioteca. Beber
cerveja é massa; ler um livro é paia. (Desculpe a gíria um pouco velha; é do
tempo de meus filhos adolescentes).
Pelo lado econômico, usando uma
expressão cara a Nelson Rodrigues, nossas inversões são ululantes. Introduzimos
o caminhão antes da ferrovia, o asfalto antes da tubulação de esgoto, o
transporte individual antes do transporte coletivo, a agricultura antes das
estradas, a colheita antes do armazém e assim do mais. E essas inversões não
param de ser reforçadas. Um dos maiores esforços do Governo Dilma, por exemplo,
até agora, foi no sentido de ampliar a venda de carros, sem a contrapartida do
esforço para ampliar as vias de acesso. O que já seria um erro. Pois o governo
deveria estar esforçando é para conter o uso do carro e ampliar o uso do
transporte coletivo.
Nossas ferrovias, até hoje não entraram
numa pauta de prioridade. A famigerada Norte-Sul, vendo assim de fora, parece
que foi iniciada (no Governo Sarney) não para ser concluída, para ser um
salvo-conduto de desvios de recursos públicos. Já se passaram 28 anos desde o
seu início, já se gastou uma montanha de dinheiro dos contribuintes e a
ferrovia ainda não ganhou o mínimo de viabilidade (no sentido de ser via de
trem). Nesse prazo, muitos países (como a China, Coreia, Cingapura e até o
México) deram uma virada sócio-econômica, quando não uma revolução. Nós não
conseguimos realizar uma ferrovia que ligasse o Norte ao Sul do país. Mas nem
tudo está perdido. É uma questão de calendário: Cada dia que passa, estamos
mais perto de acertar o passo. Ou vocês pensam que não vamos acertar nunca?
1 Comentários
Brilhante...
ResponderExcluirQuantos de nós o lemos?
The cow is going to the swampp...