10 anos sem Sérgio Vieira de Mello

A caridade e a fraternidade, por Sérgio Vieira de Mello

No dia 19 de agosto de 2013, completou 10 anos que um atentado no Iraque matou um dos maiores diplomatas brasileiros.
“Sérgio Vieira de Mello – Pensamento e Memória” é um livro precioso, uma pérola, que traz textos raros escritos pelo brilhante marxista que era Vieira de Mello. Um homem que não tinha medo da democracia e que morreu vítima daqueles que a temem.
No dia do velório, José Castro, amigo de longa data de Sérgio Vieira de Mello, fez um discurso dizendo: “A mesma mão que matou Luther King matou Sérgio. Foi a mão!”.
O QTMD? reproduz abaixo um trecho, extraído do capítulo XV do livro citado. Quando o escreveu, em 1966, Vieira de Mello tinha 18 anos (na foto, tirada do livro, devia ter idade próxima a isso).
A descoberta do texto, registra o livro, foi feita pelo jornalista Rui Martins (hoje, um dos colaboradores do QTMD?) que, ao pesquisar a vida e obra do diplomata, deparou-se com este manuscrito em poder de antigos colegas de Vieira de Mello da sua época de colégio no Rio de Janeiro. Leiam:

AMAR A HUMANIDADE E QUERER NÃO SOMENTE A SOLUÇÃO TEMPORÁRIA DE SUAS MISÉRIAS E SEUS SOFRIMENTOS MORAIS, MAS TAMBÉM SUA DIGNIDADE.

Por Sérgio Vieira de Mello
A noção de fraternidade na acepção de uma moral cristã do sentimento tem como elementos fundamentais valores como: a liberdade, a justiça e a caridade. A liberdade nesse sentido é absolutamente necessária como base. A justiça e a caridade (aqui sinônimo de fraternidade) têm como origem comum o valor da pessoa humana. Mas, enquanto a primeira procura definir, determinar de uma maneira estrita os deveres que o respeito deste valor impõe, a segunda concebe estes deveres sob a forma puramente afetiva de uma tendência sentimental traduzindo-se por gestos filantrópicos.
A noção de fraternidade, no sentido de uma atitude social, implica unicamente o conceito de justiça, de igualdade. Amar a humanidade e querer não somente a solução temporária de suas misérias e seus sofrimentos morais, mas também sua dignidade. Por esta razão, a caridade perde um pouco de sua utilidade em relação aos direitos de cada um juridicamente definidos e garantidos.
Se a moral religiosa vê na fraternidade uma conseqüência da caridade, a moral social apóia-se principalmente numa noção de justiça e de respeito mais elevada e mais objetiva. É evidente, porém, que mesmo assim a vida social não pode esquecer o lado afetivo: a fraternidade liga-se a um ponto de vista jurídico, mas também a um juízo de consciência. Quando a justiça social ou econômica falha, temos como recurso o respeito da dignidade humana, que pode se apresentar sob uma forma religiosa ou não, mas tem como único fim a preservação da honra individual e coletiva.
Sem chegar jamais a um ponto de negação próprio a um Nietzsche ou um Sade, devemos procurar manter-nos no sentido de uma fraternidade duplamente polarizada: 1) a caridade como revolta contra a injustiça; 2) o respeito da dignidade humana construtor de uma nova justiça universal, impossível de se atingir com caridade somente.
Excluindo uma fraternidade do tipo militar que esconde geralmente interesses puramente políticos, uma sociedade moderna precisa da fraternidade para dominar as relações sociais complexas, principalmente no domínio econômico, e para manter um equilíbrio edificado sobre a paz e a compreensão e não sobre o terror.
Assista a um vídeo sobre Sérgio Vieira de Mello:

 Fonte: QTMD?

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