Por Edival Loureiro
O Brasil é um país de
burocracia tortuosa. Algum cientista social de peso como Roberto DaMatta,
Raimundo Faoro ou Sérgio Buarque de Holanda deve ter dito isso. Se não disseram
já deveriam ter dito. Porque isso falado assim por um blogueiro qualquer não
tem a ressonância, não expressa a dimensão real do que é ser um país de
burocracia tortuosa.
Como hostilidade às iniciativas empreendedoras, peguemos as leis de incentivo à cultura, nos níveis federal, estadual e municipal. Deve estar escrito na exposição de motivos dessas leis que se o poder público não apoiar as iniciativas locais, todo a nossa cultura será engolida pelo mainstream, pelo gosto corrente globalizado, que está nas mãos da grande indústria cultural. E esses capitães de indústria não nos conhecem, não querem nos conhecer e estão se lixando para o bom gosto e a identidade cultural de cada povo.
Em breves pinceladas, as leis
de incentivo funcionam assim: o artista faz um projeto (de livro, disco, filme,
peça de teatro etc.), dá entrada na lei de incentivo de seu interesse e espera
o julgamento, que é feito por técnicos convidados pelo órgão competente, que
estão muito mais preocupados com as formalidades do projeto do que mesmo com
sua qualidade artística. Até porque quem escolhe de fato é uma outra instância.
Tendo seu projeto aprovado, o
artista recebe um certificado que lhe autoriza a bater de porta em porta nas
empresas, procurando aquela que se interesse em associar seu nome, seu produto,
à obra do artista. O empresário, por seu turno, não tem despesa nenhuma, pois
ele fica com o certificado que lhe dá o direito a repassar o valor para o
projeto do artista e abatê-lo 100% do imposto devido. O chamado “mecenato” no
Brasil, por mais incrível que pareça, é custeado integralmente com recursos
públicos, via renúncia fiscal.
A pergunta que salta aos olhos
é se esse sistema tem cumprido o propósito de apoiar iniciativas culturais que
contraponham à grande indústria cultural global, cujo objetivo é anular as
culturas locais e desembaraçar o mercado para os produtos de mero consumo.
Claro que não. O empresariado
nacional, salvo raras exceções, não tem interesse em associar sua marca a um
produto cultural de consumo restrito. Quer mesmo é Ibope, gente pulando e
batendo palmas. Nada de pensamento profundo e resistência cultural. Assim, os
produtos culturais que poderiam de fato contrapor à industrial cultural massiva
não vão receber apoio das empresas. São aprovados aqui e reprovados acolá. De
forma nenhuma empresários estão interessados em bom gosto e resistência
cultural. O que lhes interessa é venda, é bater metas no final do mês, é
comprar Learjet, mansão em Miami com marina e iate de luxo de 36 pés, e outros
mimos que o dinheiro proporciona.
Aí é que entra uma das agendas
secretas. Como ficou evidente, os empresários que não têm nada a ver com as
leis de incentivo e nem expertise para selecionar os produtos que devem ou não
receber o dinheiro da renúncia fiscal, vão fazer a escolha. É dinheiro meu,
seu, da vovozinha, nosso, de todo cidadão. No entanto, eles não só escolhem
como ainda têm o direito de fazer publicidade com dinheiro do povo.
Assim, nossas leis de
incentivo matam várias bolas com a mesma tacada. Isto já se parece com teoria
conspiratória, mas é a mais genuína realidade brasileira. Com as leis, o
governo faz um agrado íntimo aos empresários e ainda deixa o canal azeitado
para os políticos buscarem dindin para suas campanhas, que são cada vez mais
caras e sofisticas. E ainda dá a impressão de que está fazendo alguma coisa
pela cultura.
E o mais interessante de tudo
é que o mainstrem não sofre nenhum impedimento, o povo vai se emburricando,
perdendo as raízes, deixando de construir sua identidade cultural, consumindo
cegamente, mas votando e dando legitimidade para quem está no poder. E tudo
segue na mais perfeita ordem. Do jeito que tem de ser.
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